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Milho parcialmente domesticado é encontrado em cavernas de Minas Gerais (23 notícias)

Publicado em 05 de setembro de 2024

As amostras de milho semidomesticado foram encontradas enterradas dentro de cestos, nas cavernas do Vale do Peruaçu (foto: Fábio de Oliveira Freitas)As amostras de milho semidomesticado foram encontradas enterradas dentro de cestos, nas cavernas do Vale do Peruaçu (foto: Fábio de Oliveira Freitas)

Amostras de milho ainda não totalmente domesticado encontradas em cavernas no Vale do Peruaçu, em Minas Gerais, foram determinadas como as mais distantes já encontradas do centro de origem da planta, o México. Os resultados foram divulgados ontem (04/09) na revista Science Advances, em trabalho liderado por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

A descoberta reforça achados do grupo publicados em 2018, na revista Science, que mostrava evidências genéticas, em plantas atuais, de que o milho poderia ter finalizado sua domesticação também na América do Sul.

Faltava encontrar amostras de indivíduos semidomesticados no continente, que se revelaram em espigas, palha e grãos encontrados em escavações arqueológicas realizadas no Vale do Peruaçu em 1994, por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

“A princípio, essas amostras foram consideradas apenas exemplares de milho domesticado que não cresceram o suficiente. A partir da evidência genética de que o processo final de domesticação poderia ter ocorrido na América do Sul, reavaliamos o material e encontramos diversas características em comum com a planta que originou o milho no México, 9 mil anos atrás, e a que chegou no sudoeste da Amazônia, 6 mil anos atrás”, explica Flaviane Malaquias Costa, primeira autora do estudo, realizado durante doutorado e pós-doutorado na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP, este último com bolsa da FAPESP.

A distância do México para o Vale do Peruaçu é de cerca de 7.150 quilômetros, enquanto do sudoeste da Amazônia, atuais Rondônia e Acre, em torno de 2.300 quilômetros. As amostras, portanto, são as mais distantes do centro de origem da planta já encontradas com essas características primitivas.

Cavernas do Vale do Peruaçu são algumas das poucas no mundo com pinturas rupestres de

espécies cultivadas e manejadas. Nas fotos, o milho e a palmeira buriti (foto: Fábio de Oliveira Freitas)

Embora as evidências arqueológicas registrem entre 10 mil e 9 mil anos atrás a presença de populações humanas no Vale do Peruaçu, o milho parece ter chegado à região apenas cerca de 1.500 anos atrás. As amostras da planta semidomesticada encontradas no local vão de 1.010 até cerca de 500 anos atrás, quando os europeus aportaram no continente.

“Isso mostra a importância das populações indígenas do passado, que selecionaram, manejaram e fixaram características que deram origem às raças de milho atuais da América do Sul. Seus descendentes continuam realizando esse trabalho ainda hoje, contribuindo para mantermos nossos recursos genéticos”, conta Fábio de Oliveira Freitas, pesquisador da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, em Brasília, coautor do estudo.

A partir da análise de diversas características do milho encontrado nas cavernas no Peruaçu, os pesquisadores determinaram um parentesco com a raça brasileira Entrelaçado, presente nos Estados do Acre e de Rondônia.

“Esta foi uma das raças que se originaram na América do Sul a partir da seleção de outras populações, cujas variedades atuais encontramos durante nosso projeto de pesquisa. Nele, rastreamos milhos em vários locais do Brasil e Uruguai”, lembra Elizabeth Ann Veasey, professora da Esalq-USP que orientou o doutorado de Costa e coordenou projeto apoiado pela FAPESP.

Fileiras ancestrais

Para diferenciar milhos domesticados daqueles que não tiveram esse processo concluído, os pesquisadores examinaram uma série de marcadores, características morfológicas que ajudam a determinar a distância da planta de sua versão selvagem.

Pesquisadora faz caracterização morfológica das amostras de teosinto no Museu Peabody de Arqueologia e Etnologia

da Universidade Harvard, nos Estados Unidos (foto: Flaviane Malaquias Costa)

Um desses traços é o número de fileiras de grãos, sendo abaixo de oito considerado de uma planta primitiva. Essa é a quantidade encontrada no teosinto, espécie forrageira (popularmente conhecida como dente-de-burro) que teria dado origem ao milho no México cerca de 9 mil anos atrás.

Enquanto raças de milho atuais de terras baixas na América do Sul podem ter de oito a 26 fileiras de grãos, as amostras arqueológicas do Peruaçu apresentam entre quatro e seis fileiras. As análises foram realizadas num total de 296 amostras, incluindo espigas, palha e grãos.

“Fizemos uma viagem no tempo que vai de um passado distante até os dias de hoje, dos vestígios arqueológicos às raças e variedades mantidas e ainda sendo diversificadas pelos povos tradicionais, os protagonistas dessa história”, reforça Costa.

As amostras agora passam por análises arqueogenéticas com parceiros internacionais, realizadas por meio de um conjunto de técnicas de última geração que, se bem-sucedidas, poderão sequenciar o genoma completo do milho encontrado no Peruaçu e determinar com precisão seu parentesco.

Caracterização das amostras arqueológicas de milho do Vale do Peruaçu realizada na

Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, em Brasília (foto: Flaviane Malaquias Costa)

As cavernas do Vale do Peruaçu são algumas das poucas no mundo com pinturas rupestres de espécies cultivadas. Além de ilustrado nas paredes, o milho foi encontrado em cestos enterrados, provavelmente como oferenda aos mortos sepultados naqueles sítios.

A descoberta também tem um desdobramento geopolítico. Uma vez que se estabelece que raças de milho terminaram o processo de domesticação aqui no Brasil, esses recursos genéticos podem ser considerados não mais exóticos, o que implica a necessidade de esforços para sua conservação e direitos em tratados internacionais sobre o tema.

André Julião | Agência FAPESP

.Por: Postagem 2

Fonte: FAPESP-SP