Notícia

Gazeta News RS

Milho ancestral é encontrado em cavernas de Minas Gerais (23 notícias)

Publicado em 07 de outubro de 2024

Amostras de grãos, palha e espigas com características primitivas foram localizadas em cavernas do Vale do Peruaçu, a mais de sete mil quilômetros do local de origem da espécie, no México

Amostras de milho ancestral, com características pré-domesticação pela espécie humana, foram avaliadas por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) no Vale do Peruaçu, Minas Gerais, trinta anos após terem sido encontradas durante pesquisa em escavações arqueológicas realizadas na região por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais em 1994.

O material com característica primitiva é o mais distante já encontrado em relação à origem da planta, no México, o que evidencia que a domesticação do milho também foi realizada por povos originários da América do Sul - uma hipótese que já havia sido levantada pelos pesquisadores em artigo publicado em 2018 a partir da avaliação genética do material que é cultivado atualmente no país.

De acordo com a primeira autora do estudo, a pesquisadora da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP), Flaviane Malaquias Costa, as amostram haviam sido identificadas inicialmente como exemplares de milho domesticado que não cresceram o suficiente, mas passou por uma reavaliação após evidências genéticas encontradas em 2018.

"Reavaliamos o material e encontramos diversas características em comum com a planta que originou o milho no México, 9 mil anos atrás, e a que chegou no sudoeste da Amazônia, 6 mil anos atrás”, explica a pesquisadora. O estudo foi realizado durante o seu doutorado e pós-doutorado na Esalq e contou com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

As amostras de milho primitivo encontradas no Vale do Peruaçu datam de 1.100 a 500 anos atrás e se diferenciam do milho que conhecemos hoje. Enquanto raças de milho atuais de terras baixas na América do Sul podem ter de oito a 26 fileiras de grãos, as amostras arqueológicas do Peruaçu apresentam entre quatro e seis fileira - semelhante ao teosinto, espécie forrageira (popularmente conhecida como dente-de-burro) que teria dado origem à espécie.

“Isso mostra a importância das populações indígenas do passado, que selecionaram, manejaram e fixaram características que deram origem às raças de milho atuais da América do Sul. Seus descendentes continuam realizando esse trabalho ainda hoje, contribuindo para mantermos nossos recursos genéticos”, conta Fábio de Oliveira Freitas, pesquisador da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, em Brasília, coautor do estudo.

O Vale do Peruaçu é uma das poucas cavernas do mundo com pinturas rupestres de espécies cultivadas. Os registros apontam que a presença humana no local data de 9 mil a 10 mil anos atrás. No local, o milho também foi encontrado em cestos enterrados, provavelmente como oferenda aos mortos sepultados naqueles sítios. A partir da análise das características do milho encontrado no Vale do Peruaçu, os pesquisadores determinaram o parentesco do milho ancestral com a raça brasileira "Entrelaçado", presente nos Estados do Acre e de Rondônia.

“Esta foi uma das raças que se originaram na América do Sul a partir da seleção de outras populações, cujas variedades atuais encontramos durante nosso projeto de pesquisa. Nele, rastreamos milhos em vários locais do Brasil e Uruguai”, lembra a professora da Esalq-USP que orientou o doutorado de Costa e coordenou projeto apoiado pela FAPESP, Elizabeth Ann Veasey.

A partir de agora, os pesquisadores realizarão análises arqueogenéticas com parceiros internacionais para sequenciar o genoma completo do milho encontrado no Vale do Peruaçu e assim determinar, com precisão, seu parentesco. Caso fique confirmado que o processo de domesticação também ocorreu no Brasil, esses recursos genéticos deixam de ser considerados exóticos, garantindo ao país direitos em tratados internacionais sobre o tema - Via Globo Rural, por Cleyton Vilarino — São Paulo