Notícia

Dr. Drauzio Varella

Miíase humana (berne ou bicheira)

Publicado em 11 fevereiro 2019

Por Maria Helena Varella Bruna

Miíase humana, berne ou bicheira é uma infecção parasitária causada por larvas de várias espécies de moscas que invadem a pele ou os orifícios naturais, como olhos, nariz e ouvidos.

Miíase é uma palavra de origem grega (myia = “mosca” + sufixo iasys = “moléstia”) que designa uma infecção parasitária causada pela infestação de larvas de várias espécies de moscas que invadem o tecido cutâneo ou os orifícios naturais (olhos, nariz, ouvidos, vagina etc.) do organismo de animais vertebrados de sangue quente, incluindo os seres humanos.

A doença, portanto, é uma zoodermatose. Dependendo do tipo de mosca que deposita os ovos, quando eclodem, as larvas penetram através da pele íntegra e utilizam o tecido saudável como recurso alimentar para seu desenvolvimento. Chamadas de larvas biontófagas, nas infestações mais extensas, elas chegam a comprometer as condições de saúde do hospedeiro. Já as denominadas larvas necrobiontófagas proliferam somente em tecidos mortos, necrosados, ou em matéria orgânica em decomposição. No passado, estas últimas foram consideradas úteis até certo ponto, uma vez que devoram o material em putrefação das feridas.

Moscas têm predileção por ambientes úmidos e de clima quente. Seu ciclo de vida possui quatro fases: ovo, larva, pupa e mosca adulta. Além de doenças de pele, como o berne e a bicheira, trabalho divulgado pela Fapesp revelou que cerca de 30% dos micro-organismos encontrados nas moscas-varejeiras são capazes de causar doenças nos seres humanos.

Classificação e manifestações clínicas

Miíases podem ser classificadas em primárias e secundárias, segundo a forma como os ovos são depositados nos novos hospedeiros.

a) Na miíase primária, ou furunculoide, especialmente as fêmeas das moscas Dermatobia hominis, conhecidas popularmente como moscas-varejeiras ou moscas-berneiras, e mais raramente as moscas Calletroga americana, depois do acasalamento, depositam seus ovos diretamente na pele íntegra de pessoas e animais ou, então, no corpo de insetos hematófagos, que passam a servir de vetores para disseminar a infestação.

As moscas-varejeiras, de maior tamanho, duas asas grandes e corpo azul ou verde metálico, também podem depositar os ovos fecundados sobre plantas ou em roupas e objetos. Em contato com o calor da pele de uma pessoa ou animal, de 12 a 24 horas depois, os ovos eclodem e surgem larvas minúsculas, que darão continuidade ao ciclo evolutivo do inseto. Assim que se veem livres, portanto, elas invadem o tecido subcutâneo do hospedeiro através da abertura do folículo piloso ou de uma pequena escoriação na pele. Cada larva dá origem a um único berne (nome científico dermatobiose), uma lesão nodular semelhante a um furúnculo, com um pequeno orifício no centro de onde flui uma secreção amarelada ou sanguinolenta. É por esse orifício, que ela consegue respirar.

Veja também: Bicho geográfico (Larva migrans cutânea)

Bernes podem aparecer em qualquer região do corpo humano. As áreas mais afetadas são as pernas, os braços e o couro cabeludo. Eles permanecem sob a pele, valendo-se do tecido subcutâneo como fonte de alimentação. Depois de aproximadamente 50 dias, as larvas formadoras do berne atingem a maturidade e caem no solo, onde dão andamento ao ciclo evolutivo até se tornarem insetos adultos.

Coceira, dor, sensação de movimento sob a pele, de queimação ou de fisgada na área da lesão são sintomas típicos do berne, que variam de intensidade conforme e localização e o tamanho da infestação.

b) Na miíase secundária, os ovos – mais de 200, 300 de cada vez – são depositados em feridas abertas, ou em mucosas e cavidades ulceradas (fossas e seios nasais, condutos auditivos, globos oculares) de hospedeiros vivos. Causada pelas moscas Cochliomyia hominivorax, Callitroga macelaria e espécies do gênero Lucilia, assim que os ovos eclodem, as larvas se instalam no ferimento e passam a alimentar-se com o tecido vivo ou necrosado que encontram no local.

Existem diferentes tipos de miíase secundária, popularmente conhecida como bicheira. Merecem destaque: 1) a forma cutânea, quando as larvas podem ser vistas movimentando-se na superfície da ferida ou na secreção purulenta; e 2) a cavitária, quando grandes quantidades de larvas habitam as feridas abertas na pele e os orifícios naturais infectados. Nessa fase, à medida que a infestação progride, sem tratamento, os vermes devoram os tecidos do organismo até atingirem os ossos. A doença é comum em pessoas que vivem em condições precárias de higiene e saúde. O pé do diabético, entretanto, é um fator de risco para esse tipo de infecção, que pode ser mortal.

Embora pouco frequente, existe, ainda, um tipo de miíase humana – a miíase acidental ou pseudomiíase – em que a transmissão se dá pela ingestão de líquidos ou alimentos contaminados por ovos ou larvas dessas moscas, que vão alojar-se nos órgãos internos, especialmente no trato urinário e nos intestinos.

Diagnóstico

Tanto na miíase primária quanto na secundária, o diagnóstico é basicamente clínico e leva em conta os sinais e sintomas da doença, que não é contagiosa, isto é, não passa de uma pessoa para outra. Em grande parte dos casos, é possível enxergar a larva do berne, quando aflora para respirar, e as que permanecem nas superfícies ulceradas das formas secundárias da doença. Esses são achados importantes para definir o diagnóstico.

Quando as larvas não são visíveis, existem procedimentos especiais que permitem esclarecer o diagnóstico diferencial com furúnculos, hordéolos, otites, rinites, abcessos ou com lesões provocadas pela presença de corpos estranhos no organismo.

Tratamento

O tratamento da miíase primária consiste na retirada mecânica da larva. Para tanto, fechar a abertura por onde ela respira com uma camada grossa de vaselina, de esmalte de unha, ou cobri-la com esparadrapo (em alguns lugares, é comum usarem toucinho defumado) facilita a manobra utilizando uma pinça. Mesmo estando imóvel, porque não consegue respirar, em alguns casos, torna-se necessário alargar o orifício cirurgicamente para extrair totalmente o berne, para evitar que parte dele permaneça sob a pele, o que pode resultar em complicações de difícil tratamento. Por isso, os especialistas desaconselham comprimir o local da lesão com os dedos para expulsar o parasita.

A extração mecânica das larvas intactas com pinça é também uma das condutas prescritas para o tratamento da miíase secundária. No entanto, a conduta vai depender da extensão e profundidade da ferida, já que estruturas importantes do corpo (vasos, músculos, ligamentos) podem estar sendo destruídas pela voracidade dessas larvas.

Nos dois casos, porém, a indicação do antiparasitário Ivermectina em dose única, por via oral, que determina a paralisação e morte das larvas, do fundo para a superfície, garante melhor resultado na retirada dos vermes.

Assim sendo, tanto na forma primária quanto na secundária, o tratamento visa prevenir a reinfecção pela larva das moscas e as infecções bacterianas secundárias. Por isso, o local da lesão deve ser mantido limpo e coberto por curativos que devem ser trocados todos os dias, de acordo com a orientação médica.

Recomendações

Bernes e bicheiras são infestações por larvas de moscas que podem ocorrer em praticamente todo território brasileiro, em virtude das condições climáticas do país favoráveis à proliferação de insetos. Sua frequência é maior nas zonas rurais.

A prevenção está diretamente associada ao combate às moscas vetores, aos cuidados com a higiene pessoal e do ambiente e à implantação do saneamento básico adequado. Para tanto, ajuda muito nas áreas de maior risco:

Usar roupas que cubram a maior parte do corpo parte do corpo e passar repelente naquelas que permaneçam expostas; Lavar as mãos com frequência, especialmente antes das refeições, depois de usar o banheiro, depois de lidar com terra, plantas, adubos orgânicos; Colocar telas nas janelas e mosquiteiros ao redor das camas; Passar com ferro quente as roupas que foram colocadas no varal para secar; Procurar um médico tão logo surja a suspeita da infecção; sob nenhum pretexto, recorrer à automedicação; Manter o lixo doméstico em sacos resistentes e bem fechados; Evitar a exposição de ferimentos que possam atrair o ataque de moscas infectadas; Tomar a vacina contra o tétano se não estiver imunizado.