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Microrganismos ajudam na regeneração de solos (3 notícias)

Publicado em 29 de maio de 2023

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A recuperação de pastagens e terras degradadas é uma prática que está a ganhar importância em países como o Brasil, onde existem enormes áreas já sem potencial produtivo. Conheça a investigação de uma equipa de investigadores que utilizou microrganismos de áreas equilibradas para regenerar solos em declínio.

No Brasil, o reaproveitamento de pastagens degradadas é um tema na ordem do dia à medida que se fecha o cerco contra qualquer tipo de desmatamento. Refira-se que uma pastagem é considerada ‘degradada’ quando o solo está a perder, ou perdeu totalmente, a capacidade de produzir plantas suficientes para alimentar o gado.

Contudo, o trabalho não começou agora, já que um estudo conduzido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) demonstrou que é possível alterar a microbiologia da rizosfera e da parte aérea de plantas cultivadas em solos agrícolas degradados. Isso ocorre por meio da transferência, ou do transplante, de microrganismos das plantas de uma área biologicamente mais equilibrada para outras áreas afetadas pela prática.

De acordo com os investigadores da Embrapa, esta técnica visa potenciar as plantas cultivadas em áreas em desequilíbrio biótico, utilizando a comunidade microbiana presente em áreas que expressam alta produtividade sem problemas fitossanitários, o que implica a utilização de conceitos conhecidos da engenharia do microbioma vegetal. Neste cenário, a tecnologia também propõe uma nova abordagem para o aproveitamento de comunidades de microrganismos benéficos associados às raízes, tornando os sistemas de produção mais responsivos e equilibrados.

De acordo com André May, investigador da Embrapa Meio Ambiente, os cientistas procuraram manipular o ambiente em condições controladas para provocar uma boa interação entre os genomas. A técnica, no entanto, não é nova e já foi utilizada anteriormente com bons resultados em áreas consideradas de excelência. “O que fizemos foi trazer essa realidade para as condições controladas da produção agrícola, manipulando o ambiente, visando uma interação ótima entre os genomas, para que desse processo complexo extraíssemos uma linha de produtos conceitualmente simples, já presentes na natureza no seu processo de evolução constante”, relata.

Os testes ocorreram numa gama considerável de culturas comerciais e a resposta foi um aumento de produtividade entre 10% e 30% em condições reais de cultivo. Isto incluiu uma melhoria no desempenho da resistência a pragas e doenças em algumas culturas, com redução do uso de pesticidas em algumas situações. “A planta tratada apresenta um comportamento metabólico totalmente diferente, o vigor da planta fica maior, as folhas ficam mais verdes, a área foliar aumenta, o que se reflete na produtividade”, explica o investigador da Embrapa.

Transplante biológico

A tecnologia também propõe uma nova abordagem para o aproveitamento de comunidades de microrganismos benéficos associados às raízes, tornando os sistemas de produção mais responsivos e equilibrados.

Como ocorreu o estudo?

Para realizar o estudo, os investigadores selecionaram plantações de alta produtividade sem problemas fitossanitários para serem ‘doadoras’ de solo com carga microbiana positiva. Posteriormente, o solo especial foi adicionado a substratos preparados organicamente acondicionados em sacos para o cultivo de plantas sãs, que foram cultivadas até um ponto ideal de ‘recrutamento’ microbiano. Esse recrutamento é fonte da comunidade micróbios, que é então extraída e estabilizada por meio de um processo industrial.

“Os cientistas testaram diferentes fontes de comunidades microbianas completas presentes em plantas cultivadas que conteriam microrganismos endofíticos (aqueles que estão presentes nas plantas e microrganismos risófilos que vivem em parceria com as raízes) com frequência e diversidade diferentes”, esclarece a Embrapa.

Depois desta fase, foram realizados diversos testes em lavouras de soja em condições pré-comerciais, sendo um deles realizado na periferia de São Gabriel do Oeste, no estado do Mato Grosso, com e sem uso de agroquímicos, de acordo com os tratamentos estudados. “Os testes indicaram um aumento de 11% na produtividade, em relação à soja controlo não tratada, e um aumento da concentração de potássio no tecido vegetal. Isso é importante porque o mineral está relacionado com funções cruciais na produtividade da planta”, indica.

Esta técnica é utilizada em áreas onde existe desequilíbrio biótico

O processo

De acordo com André May, tudo acontece por meio de um processo inovador, onde os microrganismos são extraídos das plantas doadoras, que os recrutam de substratos especialmente preparados. Em seguida, são estabilizados num pó solúvel em água que pode ser aplicado de duas formas: podem ser utilizadas no tratamento de sementes ou na pulverização foliar, dependendo da cultura que vai ser produzida.

O que faz a diferença é que a solução consegue causar uma alteração no microbioma da planta tratada, com consequente enriquecimento de importantes grupos funcionais. Como é um processo bastante delicado, é preciso ter um grande nível de controlo e fazer produtos diferenciados para cada cultura e estádio de interesse, pois variam em função da fenologia da cultura.

Isto ocorre porque os produtos têm diferenças de funções e formas de aplicação, levando em conta o tipo de cultura, daí ser importante classificar e separar. “Tratamos a soja com os microrganismos da soja e a cenoura com os microrganismos da cenoura e assim por diante. Os produtos têm origem na parte aérea e das raízes das plantas, com diferentes funções e formas de aplicação”, frisa o investigador.

Os investigadores selecionaram plantações de alta produtividade sem problemas fitossanitários para serem ‘doadoras’ de solo com carga microbiana positiva.

O que é o microbioma?

O microbioma é um termo utilizado para designar um grupo de microrganismos, fungos, protozoários e bactérias, que coexistem e interagem com organismos de plantas e animais. Estão presentes em vários lugares, inclusive no corpo humano, sendo responsáveis por funções muito importantes. “A ciência estima que mais de 100 mil milhões de micróbios ‘habitam’ no corpo humano. Eles contribuem ativamente para as nossas funções reprodutivas, auxiliam na imunorregulação e até no processo de obtenção de nutrientes, no caso do microbioma gastrointestinal”, explica.

Esta interação, no entanto, não ocorre apenas nos animais, mas também e sobretudo nos vegetais, desempenhando um papel fundamental no ecossistema. Na agricultura, por exemplo, são essenciais para a qualidade das plantas e também para a quantidade de produção, pois estimulam as raízes a trocarem nutrientes com o solo a fim de capturarem o que a planta precisa para produzir mais e melhor.

“Da mesma forma, essa interação também ocorre nas raízes das plantas, onde recrutam bactérias e fungos importantes para o seu desenvolvimento conforme as necessidades ambientais, num leque variado de opções. Os micróbios estão por toda a parte e desempenham um papel importante no ecossistema. Na agricultura, os microrganismos podem promover o crescimento das plantas através da produção de fito-hormonas, auxiliando na troca de nutrientes pelas raízes ou melhorando o equilíbrio biótico do sistema agrícola e, por fim, alterando o comportamento de pragas e doenças”, conta.

A tecnologia foi financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) por meio do programa PIPE. Parte dos resultados da pesquisa foram publicados no artigo ‘O uso da comunidade bacteriana indígena como inoculante para promoção do crescimento vegetal no cultivo da soja’, na revista Archives of Agronomy and Soil Science.

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