Os microplásticos — definidos como partículas com menos de 5 milímetros — já foram encontrados em alguns dos locais mais remotos da Terra: na neve próxima ao pico do Everest e em amostras de água do local mais profundo do oceano, a Fossa das Marianas. No corpo humano, é encontrado onde quer que seja procurado: na placenta, na corrente sanguínea, no leite materno e nos pulmões. Um estudo publicado no periódico JAMA Network Open mostrou que as micropartículas podem ser encontradas também no cérebro.
Pesquisadores brasileiros utilizaram Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) para analisar o cérebro de 15 indivíduos com idades que variaram de 33 a 100 anos e o microplástico foi encontrado no bulbo olfatório de oito deles. Ao todo, foram 16 tipos de polímeros sintéticos encontrados, sendo o polipropileno, tipo de plástico usado em embalagens, móveis, baldes e, para-choques de automóveis, o mais comum. Foi o primeiro registro de plástico encontrado no cérebro humano.
Engenheiro ambiental e primeiro autor do estudo, o Dr. Luis Fernando Amato-Lourenço, Ph.D., vinculado à Freie Universität Berlin, na Alemanha, e à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), alerta sobre efeitos tóxicos em longo prazo, como inflamação e respostas imunológicas adversas. "Microplásticos podem servir como vetores de contaminantes químicos, como metais pesados e compostos orgânicos, que podem causar danos adicionais aos tecidos neurais."
Segundo o pesquisador, os potenciais riscos para a saúde são danos neurológicos decorrentes de processos inflamatórios e estresse oxidativo, que podem estar associados à exposição prolongada a microplásticos e seus contaminantes. Ainda, o pesquisador afirmou que estudos em animais já indicam que essas partículas podem causar inflamação no cérebro.
Tratado global
Ao mesmo tempo que o cenário é preocupante para a saúde humana e para o planeta, as medidas de prevenção que podem ser tomadas individualmente não são suficientes para evitar por completo a contaminação. Enfrentar a poluição plástica demanda a adoção de medidas em escala global.
"Estamos em uma sociedade viciada em plásticos. As pessoas tomam água em garrafas descartáveis, usam copos e talheres descartáveis. Há um uso inconsequente do material. Uma parte significativa da sociedade não se importa, mas é sabido que estamos caminhando em direção ao colapso", disse a Dra. Thais Mauad, médica patologista afiliada à FMUSP e coordenadora do estudo.
A expectativa para diminuir a poluição global está na reunião que acontecerá entre 25 de novembro e 1º de dezembro em Busan, na Coreia do Sul, a última de uma série de encontros da Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente a fim de chegar a um consenso sobre o Tratado Global Contra a Poluição Plástica.
Em março de 2022, em uma sessão da entidade foi elaborada uma resolução para desenvolver um instrumento internacional juridicamente vinculativo sobre poluição por plásticos. A medida criou o Comitê Intergovernamental de Negociação (INC), que começou os trabalhos no segundo semestre de 2022. Desde então, quatro reuniões foram realizadas e a última, na Coreia do Sul, deve concluir a elaboração do documento contra a poluição plástica.
O atual cenário de contaminação é tão preocupante que as discussões vêm sendo comparadas às do Acordo de Paris, principal tratado climático internacional. "É difícil evitar a contaminação por plásticos. Quando olhamos para as roupas e para os alimentos, a indústria faz as escolhas pela população. A vida está rodeada por plásticos. Por isso, o importante é diminuir a produção", disse a médica.
A Dra. Thais também recomenda evitar o uso de embalagens plásticas para armazenar alimentos, não aquecer comida em plásticos no micro-ondas e evitar beber água de garrafas plásticas, as quais liberam microplásticos.
O Dr. Luis Fernando aponta que as partículas encontradas no estudo, comumente associadas a roupas sintéticas e embalagens plásticas, indicam que a principal via de contaminação é a inalação. "Os microplásticos presentes no ar, tanto em ambientes internos quanto externos, são uma fonte significativa de exposição.".
Assim, possíveis medidas preventivas são reduzir o uso de roupas sintéticas, melhorar a filtragem de ar em ambientes urbanos e dentro de edifícios, especialmente em áreas de alta poluição, e implementar tecnologias em lavadoras de roupa para que capturem microfibras antes de liberá-las nos sistemas de esgoto.
A Dra. Thais destaca a preocupação adicional com os mais jovens. "A criança é um ser em desenvolvimento. Qualquer alteração na formação dos órgãos pode ter consequências na vida adulta. Há muitos brinquedos de plástico que são feitos para serem colocados na boca. Proteger as crianças é muito importante."
Anamnese ambiental
Com esse risco em vista, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e a Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (ASBAI) lançaram em março deste ano um guia de orientações intitulado “Impacto dos Microplásticos na Saúde”.
Segundo o documento, alergistas e pediatras devem "incorporar imediatamente a anamnese ambiental pediátrica" como parte do atendimento e alertar pacientes e familiares sobre as possíveis estratégias para reduzir a exposição aos microplásticos e a outros poluentes ambientais.
De acordo com a Dra. Marilyn Urrutia, pediatra vinculada ao Departamento Científico de Toxicologia e Saúde Ambiental da SBP, a depender da via de penetração do microplástico no organismo — inalatória, digestiva ou cutânea —, ele tem efeitos em distintos órgãos, altera a barreira epitelial e a microbiota e favorece o desenvolvimento de patologias diversas.
"É fundamental que os médicos tenham conhecimento do impacto dos microplásticos, das vias de penetração e que orientem os pacientes para evitar ou diminuir a exposição", disse.
Nos consultórios, além de ler e compartilhar o material desenvolvido pela SBP, os profissionais podem fazer com que os pacientes ou os familiares tenham consciência das inúmeras formas de exposição a microplásticos no dia a dia, seja nas residências, na rua, no trabalho ou nas escolas.
A Dra. Marilyn a médica destacou o papel do setor de saúde no combate à poluição: "Conhecer e mitigar a presença de microplásticos no ambiente hospitalar requer uma ação coordenada entre os profissionais de saúde, a comunidade de pacientes, a indústria, os legisladores e a comunidade científica".
"O setor da saúde consome enormes quantidades de plásticos, dos quais muitos são desnecessários ou utilizados em demasia. Após a utilização, se não forem geridos de forma adequada, os resíduos plásticos vão para aterros ou são incinerados, práticas que lhes permitem entrar no solo e nos cursos de água e contribuir para a poluição atmosférica", completou a médica.
Ainda faltam pesquisas para aferir o impacto da contaminação na saúde. "É muito difícil realizar estudos clínicos [sobre o tema]. Sabemos que [os microplásticos] estão circulando no sangue e, se há circulação, ele é depositado. Para mim, é muito sério saber que há uma substância que o corpo não reconhece e que pode suscitar uma reação, mas que está circulando pelo organismo", disse a Dra. Thais.
Em março deste ano, um estudo publicado no periódico New England Journal of Medicine (NEJM) mostrou que pacientes com placa na artéria carótida e que tiveram microplásticos detectados no organismo apresentaram maior risco de infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral (AVC) e morte precoce em 34 meses de acompanhamento, em comparação a indivíduos que não tiveram microplásticos detectados no organismo.
Ao mesmo tempo, os autores pontuaram que os resultados não comprovam causalidade. Segundo o artigo, "a associação entre a presença de microplásticos dentro da placa e um desfecho composto de doenças cardiovasculares ou morte também pode implicar o risco de exposição a outras variáveis de confusão residuais que não foram mensuradas, como exposições desconhecidas ao longo da vida do paciente ou, mais amplamente, o estado de saúde e os comportamentos dos pacientes".