Alunos dos cursos de pós-graduação classificados pelo Ministério da Educação com conceito E (desestruturado) confessam-se surpresos, sentem-se injustiçados e alguns pensam em recorrer a Justiça para garantir o direito ao diploma. "Se, for mantida esta classificação, devo entrar com ação judicial para garantir meu trabalho de pesquisa de quatro anos", diz Maristela Ferigolo, mestranda em farmacologia da Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre, uma instituição privada. Na PUC-Rio, o número de interessados em cursar mestrado em otorrinolaringologia, que recebe avaliação negativa desde 92 vem diminuindo. Mas o coordenador do curso, Francisco Amarante Neto, contesta os critérios do MEC.
PÓS-GRADUAÇÃO PERDE QUALIDADE
Alunos do cursos que receberam conceito E do MEC se sentem injustiçados e pensam em recorrer à Justiça para ter diploma
O relatório divulgado pelo Ministério da Educação na semana passada expôs uma crise de qualidade no ensino de pós-graduação. Avaliação feita pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) em 1.726 cursos de mestrado e doutorado de 113 intituições mostrou graves deficiências, num setor onde o padrão de excelência é requisito para formação de pesquisadores e professores das universidades. A seleção não abrangeu 180 cursos, por terem, menos de dois anos de existência. Os outros 1.546 foram classificados numa escala de cinco conceitos: A (excelente), B (bom), C (regular), D (insuficiente mas recuperável) e E (desestruturado). Na nota D, foram classificados 63 cursos. Na E, foram enquadrados 28, cujos diplomas não serão reconhecidos.
No outro extremo da avaliação, onde se situam as instituições que mantêm padrões de excelência, a Capes detectou uma situação preocupante. Nos últimos anos, vem declinando a proporção dos cursos merecedores do conceito A (excelente). Nos de doutorado, a proporção, que era de 55,9% em 1992, caiu para 52,8% em 1994 e 51% neste ano. Na área de mestrado, a queda também foi acentuada. O percentual de cursos de nível A só tem caído: 42,3% em 1992, 41,4% em 1994 e 39% na última avaliação.
O MEC considera a exposição das mazelas do ensino de pós-graduação o resultado do maior rigor adotado na avaliação dos cursos. Feita a triagem, sobra uma parcela de 408 cursos de mestrado e 258 de doutorado dignos do certificado de qualidade conferido pela Capes, com conceito A. A lista pode ser ampliada com a inclusão dos 378 cursos de mestrado e 195 de doutorado que receberam o conceito B (bom). No conceito C (regular), estão 173 cursos de mestrado e 43 de doutorado.
Quanto aos cursos rotulados com o conceito E dos irrecuperáveis, a política é deixar que sejam tragados pelas próprias deficiências. O ministro da Educação, Paulo Renato Souza, argumenta que não tem poderes para simplesmente fechá-los. Mas acredita que a divulgação das avaliações da Capes e o não-reconhecimento dos diplomas não lhes deixará outro caminho que não seja o do desaparecimento.
GARANTIA DE BONS EMPREGOS
Cursos de excelência há vários anos, de acordo com o MEC, os mestrados de administração de empresas da PUC-Rio e de física da Universidade Federal Fluminense (UFF) são campeões de publicações em revistas especializadas e em teses defendidas. O mestrado da PUC recebe nota máxima do MEC há 10 anos e cerca de 90% de seus alunos se tornam executivos de grandes empresas. Alguns dos ex-alunos do mestrado da UFF são hoje doutores na Inglaterra e nos Estados Unidos.
"O curso bem conceituado é um dos principais elementos para a ascensão profissional", avalia o ex-aluno do mestrado em administração pela- PUC, Jorge Ferreira. Depois de concluir a pós-graduação, Jorge foi diretor de marketing das empresas, Cataguases Leopoldina e Cobra Computadores.
"Um dos aspectos fundamentais para garantir a qualidade dos alunos é a opção de mestrado em tempo parcial. Isso permite que o aluno se mantenha no mercado enquanto estuda", diz o ex-aluno Ricardo Leal, hoje professor nos Estados Unidos.
Na UFF, a dedicação integral é pré-condição para o mestrado, que formou os últimos oito secretários-gerais da Sociedade Brasileira de Física. E, hoje, 70% dos profissionais que concluem o mestrado em física pela universidade ingressam no doutorado. "É o caminho natural. O curso é referência no país todo. Temos infra-estrutura para trabalhar, publicações para consultar e vínculo com a graduação", avalia o mestre pela faculdade, Antônio Costa Júnior.
REPROVAÇÃO AFASTA OS ESTUDANTES
Enquanto cerca de 40 alunos do mestrado em administração de empresas da PUC-Rio têm bolsas de estudo, nenhum dos cinco mestrandos em otorrinolaringologia, também da PUC, tem qualquer auxílio financeiro. As duas bolsas oferecidas aos alunos do curso foram cassadas pelo Ministério da Educação, depois que o mestrado recebeu sua primeira avaliação negativa, em 1992. Este ano, o curso voltou a ser reprovado pelo MEC. O currículo foi considerado inadequado e o número de professores em tempo integral e de teses apresentadas ainda insuficiente.
Desde a primeira avaliação negativa, o número de alunos interessados no curso também diminuiu. Segundo o coordenador do mestrado, Francisco Amarante Neto, cerca de 14 médicos procuravam a pós-graduação da PUC. Hoje, apenas 10 pessoas disputam as vagas no curso. "Acho que a classificação foi injusta. Aprendi muito. O conceito ruim não me afeta profissionalmente porque já tenho clientela estabelecida e um trabalho reconhecido, mas sei que isso pode atrapalhar outros alunos, principalmente se o MEC não liberar os diplomas", diz o médico João Teles Júnior, que conclui o mestrado da PUC este ano.
Curiosamente, os conceitos atribuídos ao curso na maioria dos itens são regulares, e não fracos. Por isso, o coordenador do curso solicitará nova avaliação. "Os critérios são questionáveis. Se recebemos a pior classificação, onde ficariam os cursos com maioria de conceitos ruins?", argumenta Francisco.
PROFESSORA CRITICA AVALIAÇÃO
Apesar de ser mestranda do curso de pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, que recebeu conceito A, a professora universitária Maria Regina de Almeida Viana, de 46 anos, contesta os métodos de avaliação da Capes. "Nas avaliações é preciso que o aluno seja ouvido. O que a Capes faz é a mesma coisa que avaliar o processo de produção de um remédio sem saber se o doente tem condições de recebê-lo", compara a professora.
Maria Regina está preparando - uma dissertação sobre os mestrados do ponto de vista do estudante e não escolheu o curso por causa de seu conceito. "Não adianta se basear na titulação dos professores se eles não têm didática para ensinar", diz a professora, defendendo a idéia de que as instalações do curso e o acesso à informática não são suficientes para condenar ou não um curso de pós-graduação. Ela acha, entretanto, que seu curso teria conceito A em qualquer sistema de avaliação.
O JEITO É RECORRER À JUSTIÇA
A farmacêutica gaúcha Maristela Ferigolo, de 30 anos, que dentro de dois meses apresenta sua tese de mestrado sobre sustâncias antidepressivas, confessou sua surpresa com o conceito E conferido pelo MEC a seu curso, o de farmacologia da Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre, uma instituição privada. No Rio Grande do Sul, apenas seis dos 146 cursos de pós-graduação existentes nas 10 universidades receberam conceito E, mas cinco estão sendo reclassificados por causa de erros do MEC.
O de neuroanatomia da UFRGS, por exemplo, entrou na avaliação, mas não existe há muito tempo. Os outros quatro são cursos novos, como menos de dois anos de existência, e foram avaliados irregularmente: a classificação do MEC só pode ser feita em cursos com mais de dois anos de funcionamento.
Possivelmente, o curso de Maristela será o único no estado a manter o conceito E. A faculdade entrou com recurso no MEC, mas tem poucas chances. "Acho que dá para reverter esta situação, mas, se for mantida a classificação negativa e eu não puder receber o título de mestre, possivelmente entrarei com ação judicial para garantir meu trabalho de pesquisa de quatro anos", disse Maristela.
Funcionária da própria faculdade onde conclui o mestrado, Maristela conta que escolheu seu curso com base num catálogo da Capes, que o classificava como "recomendável". "Me preocupei mais na época com meu trabalho pessoal de pesquisa", diz. Maristela reconhece que poderia ter terminado seu mestrado antes, mas não responsabiliza os orientadores do curso. "Senti falta de um bom treinamento em língua estrangeira e no computador, entre outras coisas, mas isso decorre de falhas anteriores dos cursos de graduação", analisou Maristela, que se formou farmacêutica pela Universidade Federal de Santa Maria.
Conhecida popularmente como Faculdade Católica, a Fundação Federal de Ciências Médicas recorreu, segundo a diretora do curso de farmacologia, Maria Helena Tannhauser Barros, alegando que esse tipo de curso, embora vinculado a faculdades de medicina, deve ser avaliado com critérios diferentes aos dos cursos de pós-graduação em ciências biológicas.
VANTAGENS DE TIRAR MAIOR NOTA
O bioquímico gaúcho Guido Lenz, de 24 anos, usufrui das vantagens de fazer pós-graduação num curso categoria A, como os de mestrado e doutorado em bioquímica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Na próxima semana, uma revista científica internacional publicará sua tese de mestrado sobre alterações de proteínas do sistema nervoso. E Guido se prepara para complementar estudos nos Estados Unidos, graças a convênios internacionais firmados por seu curso. "A qualidade das aulas e das pesquisas é de Primeiro Mundo", afirma.
O SUSTO DE SER REBAIXADO PELO MEC
Os 28 alunos de mestrado e doutorado em imunologia e genética aplicada da Universidade de Brasília (UnB) ainda não se recuperaram do susto que tomaram quando seus cursos foram rebaixados do conceito C (regular) para E (desestruturado), na última avaliação divulgada pelo MEC. "Esperávamos melhorar no mínimo de C para B (bom) e estamos perplexos com a decisão", desabafa a doutoranda Ana Maria Barros.
Os dois cursos foram os únicos da UnB a receberem o conceito E. Segundo Ana Maria, os cursos nunca foram visitados por uma comissão de avaliação de alto nível, como deveriam. "Chegamos a receber a visita apenas de um imunologista", conta Ana Maria e seus colegas têm que enfrentar agora o corte nas bolsas para pesquisas, castigo que o MEC reserva para alunos de cursos E. "Meu marido está desempregado e estou sustentando a família com a bolsa da Capes. Eu poderia estar ganhando mais fora da universidade, mas optei por dedicação integral", desabafou. Apesar das preocupações da aluna, a Capes informou que pretende manter as bolsas.
O mestrando César Kozak defende a qualidade do curso e lembra que problemas relacionados à produção dos professores, que resultaram no conceito C na avaliação anterior, foram sanados. "Hoje temos 15 professores com doutorado e a produção científica está na média nacional", afirma. Os alunos, segundo César, estão tentando marcar audiência com o ministro da Educação, Paulo Renato Souza, e com o presidente da Capes, Abílio Neves.
Os dois cursos têm três laboratórios de genética e dois de imunologia e as pesquisas estão voltadas para questões de interesse da saúde pública. "Tivemos dois seminários internacionais, contamos com a colaboração da Universidade do Texas e do Instituto Pasteur, que têm confiança no nosso trabalho. Como considerar um curso com o gabarito do nosso como lixo?", pergunta Ana Maria.
Participaram: Fabrício Marques (São Paulo), Eliana Lucena (Brasília), Fabiano Lana (Belo Horizonte) e José Mitchell (Porto Alegre).
TRADIÇÃO DE EXCELÊNCIA HÁ DUAS DÉCADAS
Na Universidade de Brasília (UnB), professores e alunos dos cursos de mestrado e doutorado em fitopatologia (da área de agronomia) não se surpreenderam com o conceito A conferido pelo MEC. Afinal, desde sua criação em 1976, o curso é avaliado como excelente. "Vim de Lavras porque queria trabalhar com pesquisas em fungos e o curso da UnB é de alta qualidade", justifica Carlos Antônio Inácio, aluno do mestrado.
Os cursos dispõem de sofisticando microscópio eletrônico de varredura no laboratório de fitopatologia e têm orientadores que atuam em centros de pesquisa. Carlos Antônio, por exemplo, já esteve na Eslovênia para estudar e agora se prepara para apresentar um trabalho em Havana (Cuba).
USP TEM RECEITA DE SUCESSO
A trajetória da cardiologista paulista Bárbara Ianni, 41 anos, mostra que um bom curso de pós-graduação depende mais de recursos humanos do que de dinheiro ou tecnologia. No ambulatório do Instituto do Coração, em São Paul, Bárbara gastou apenas seu tempo e os exames dos pacientes, para compor sua tese, que derruba mitos sobre a doença de chagas.
Aluna do curso de doutorado em cardiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), considerado o melhor do país, Bárbara teve tranqüilidade e apoio para fazer sua pesquisado que não é pouco. "Os primeiros professores aprenderam junto com os alunos, mas fomos criando uma tradição", afirma o cardiologista Charles Mady, coordenador do curso, que já formou 100 doutores.
O Incor, pertencente à USP, hoje irradia conhecimento para outros centros de pós-graduação. Bárbara, por exemplo, dividiu suas descobertas com os estudantes e médicos com quem trabalha. "É com este tipo de esforço que se faz um bom curso", diz Mady.
Notícia
Jornal do Brasil