A startup desenvolve variedades de cana com aplicação do melhoramento genético que associam a expressão de duas proteínas bioinseticidas da bactéria Bacillus thuringiensis (Bt) com um gene extraído de outro microrganismo, Agrobacterium sp., conferindo maior tolerância ao herbicida glifosato. Veja mais:
Responsável por prejuízos estimados em R$ 5 bilhões a cada safra, a maior ameaça à cultura da cana-de-açúcar no Brasil é um inseto-praga com pouco mais de 20 milímetros de comprimento: a mariposa Diatraea saccharalis em sua fase larval, mais conhecida como broca-da-cana. Para combatê-la, a empresa paulista PangeiaBiotech utiliza organismos ainda menores e ferramentas da engenharia genética. A startup desenvolve variedades de cana melhorada geneticamente que associam a expressão de duas proteínas bioinseticidas da bactéria Bacillus thuringiensis (Bt) com um gene extraído de outro microrganismo, Agrobacterium sp., que confere maior tolerância ao herbicida glifosato. Genes da bactéria Bt são empregados em processos de transgenia de diversas plantas visando ao controle biológico de pragas há mais de duas décadas.
Batizada de BtRR, a tecnologia foi desenvolvida com apoio do Programa FAPESP Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii) e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que está realizando testes em seus campos experimentais de Brasília. O próximo passo é encontrar parceiros comerciais interessados no licenciamento da tecnologia. A intenção da startup é lançar a primeira variedade no mercado até o plantio da safra 2022/23. “Esperamos ter 20% da área plantada do Brasil com nossas canas transgênicas até 2030”, estima o engenheiro-agrônomo Paulo Cezar de Lucca, idealizador do projeto e da empresa, criada em 2015.
A cana criada a partir do melhoramento genético da startup, abrigada na Incubadora de Empresas de Base Tecnológica (Incamp) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), não é a primeira do país. O pioneirismo coube à variedade CTC20BT, nascida nos laboratórios do Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), entidade mantida por produtores e empresas do setor sucroenergético em Piracicaba (SP). A CTC20BT foi aprovada em 2017 pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), instituição que avalia organismos geneticamente modificados (OGM). No ano seguinte, o CTC teve a segunda variedade transgênica aprovada: CTC9001BT. Essas duas variedades também empregam um gene da bactéria Bt, cuja finalidade é expressar uma proteína do grupo Cry, de ação bioinseticida. Ao serem ingeridas pela praga, as proteínas ligam-se a receptores do intestino do inseto, causando danos no sistema digestivo que são fatais.
As novas variedades da PangeiaBiotech dão um passo adiante na evolução tecnológica da cana ao utilizar duas proteínas Cry diferentes. “A dupla transgenia já existia em culturas como as do milho e da soja. Estamos agora trazendo para a cana”, esclarece de Lucca. Para o agrônomo Hugo Molinari, pesquisador da Embrapa Agroenergia e participante do projeto, o emprego de duas proteínas com propriedades inseticidas proporciona maior durabilidade à tecnologia, reduzindo o risco de evolução de resistência.
Além da dupla transgenia, as variedades desenvolvidas com base no melhoramento genético pela startup paulista incorporam o gene cp4-epsps da Agrobacterium sp., tolerante ao herbicida glifosato. A bactéria é encontrada naturalmente no solo. “A resistência ao glifosato é inovadora na cultura de cana. O agricultor passará a usar menos defensivo na produção. Não há no mercado cana resistente simultaneamente à broca-da-cana e ao herbicida glifosato”, destaca de Lucca.
Ele explica que atualmente o produtor precisa combater as plantas daninhas fazendo aplicações de defensivos agrícolas entre as linhas de cana, com muito cuidado, pois o produto pode danificar a lavoura. Nesse trabalho, utilizam-se tratores, numa operação demorada e cara, sobretudo devido ao custo do óleo diesel. “Se a cana for resistente ao herbicida, o produtor pode fazer pulverização aérea, economizando combustível”, diz o criador da PangeiaBiotech. Também há economia de defensivos, afirma Molinari.
Outra inovação em desenvolvimento da PangeiaBiotech é a produção de cana melhorada geneticamente que, além da resistência à broca e ao glifosato, será resistente ao besouro Sphenophorus levis, conhecido como bicudo. “Com a mecanização, a cana passou a ser colhida crua – e não mais por meio da queima do canavial –, o que aumentou a incidência de pragas, entre elas Sphenophorus e a cigarrinha. Elas morriam quando se queimava a plantação; agora se alojam na palhada e se multiplicam”, explica Molinari. Segundo o pesquisador, os prejuízos causados pelo bicudo são estimados em R$ 2 bilhões por ano no Brasil e ainda não há controle químico ou biológico de grande eficiência.
Quando tiver colocado as variedades BtRR no mercado, a PangeiaBiotech terá consolidado uma mudança em seu modelo de negócio. Segundo de Lucca, o propósito inicial da empresa era oferecer serviços de transformação genética de plantas, dentro do conceito norte-americano de Plant Transformation Facility, que ainda não existia no Brasil. “Esse projeto se concretizou. Já atendemos cerca de 25 centros de pesquisa no Brasil. Eles enviam o gene de interesse e devolvemos as plantas modificadas quatro meses depois. Dessa forma, o pesquisador pode focar na descoberta de novos genes e ver a resposta de sua teoria em pouco tempo”, conta de Lucca. Além da cana, a startup realiza transformação genética de tabaco, tomate e milho.
Fonte: Revista Pesquisa FAPESP/Pequenas Empresas e Grandes Negócios