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Jornal da Unicamp

Meio ambiente. Projeto interdisciplinar rende frutos

Publicado em 13 julho 2003

Por TATIANA FÁVARO - Especial para o Jornal da Unicamp
O projeto interdisciplinar intitulado "Qualidade Ambiental e Desenvolvimento Regional nas Bacias dos Rios Piracicaba e Capivari", desenvolvido entre 1994 e 1998 pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam) da Unicamp, está rendendo, até hoje, frutos em toda a Universidade. No Núcleo de Estudos de População (Nepo), por exemplo, estão sendo concluídos, só este ano, dois projetos ligados ao tema, desdobramentos do trabalho realizado pelo Nepam. Um deles, uma tese de doutorado, elege o rio Piracicaba como ponto de partida para o estudo de como a questão ambiental influencia o comportamento dos jovens. Outra tese, esta de mestrado, avaliou o Consórcio das Bacias dos Rios Capivari, Piracicaba e Jundiaí e o projeto de criação de uma agência gestora como modelo de gerenciamento e atuação na área ambiental. Há pouco mais de um ano, o pesquisador Roberto Luiz do Carmo defendeu sua tese de doutorado sobre a demografia dos recursos hídricos. Para o pró-reitor de Pós-Graduação, professor Daniel Hogan, um dos coordenadores do projeto temático, a iniciativa contribuiu muito para ampliar o campo de estudos nessa área e consolidar o trabalho do Nepam. "Foi o primeiro grande projeto coletivo com objetivos exclusivamente científicos do núcleo", lembra. Começou com recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e, posteriormente, recebeu apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PADCT/CIAMB). Além de Hogan, os professores Hermógenes Freitas Leitão, Carlos Joly, Gilberto Jannuzzi e Archimedes Perez Filho coordenaram uma equipe de cerca de 50 pesquisadores, entre doutores, mestres e bolsistas de iniciação científica. Temáticos - O projeto já rendeu pelo menos 10 teses de doutoramento, 15 de mestrado e 30 bolsas de iniciação científica, nas áreas das ciências sociais, biológicas e da terra. Isso sem falar em uma série de 12 cadernos temáticos publicada em 1999. "A gente imaginava ter, no final do estudo, um livro, mas o trabalho interdisciplinar envolveu todo mundo, teve muitas ramificações e rendeu detalhamentos em cadernos separados", explica a professora Lúcia da Costa Ferreira, atual coordenadora do Nepam. A idéia de fazer um projeto para avaliar com profundidade a qualidade ambiental e de vida das populações das bacias dos rios Piracicaba e Capivari surgiu como desdobramento de um projeto anterior, que unia pesquisa e apoio aos movimentos sociais regionais. O objetivo desse primeiro projeto era analisar os efeitos da construção de uma usina termelétrica com tecnologia altamente poluente no município de Paulínia, entre 1989 e 1992. Coordenado por Lúcia e Oswaldo Sevá, o projeto reuniu mais de 20 pesquisadores, professores e estudantes. "Em 1992, Hogan e eu fomos para o Japão e pedimos a cooperação e compreensão dos fornecedores de equipamentos para essa usina. Mostramos nossos motivos para que o projeto não fosse concluído", lembra Lúcia. A obra foi embargada pelo governo Fleury, com base no documento daquela equipe. "Ajudamos a apagar aquele incêndio e, para não ter que apagar outros no futuro, resolvemos fazer um levantamento detalhado e integrado sobre os recursos hídricos, população, geografia, trabalhos de recuperação ambiental, uso e ocupação de terras, qualidade de vida, dispersão de poluentes, topografia e riscos ambientais, levando em conta a ótica das políticas públicas e de desenvolvimento regional", conta Lúcia, co-autora do caderno número 4, sobre Ação Social e Cidadania nas Bacias dos Rios Piracicaba e Capivari. Segundo ela, além da preocupação de pesquisadores das ciências humanas, biológicas e da terra, havia a apreensão dos cidadãos. "Vimos o desgaste da região refletir no nosso cotidiano, no dia-a-dia dos nossos filhos. Tínhamos que ver os motivos de uma região rica estar apresentando cada vez mais bolsões de pobreza e pontos de degradação ambiental." Depois de quatro anos de estudos, tornou-se consensual a certeza de que planos e políticas públicas são primordiais para decidir o rumo da qualidade de vida. "Outros fatores, como a mobilização social, também interferem: uma comunidade desmobilizada tem mais chances de ver o local em que vive degradado", salienta Lúcia. Benefícios - Mais que render teses de mestrado e doutorado até hoje, o projeto "Qualidade Ambiental e Desenvolvimento Regional nas Bacias dos Rios Piracicaba e Capivari" transpôs os limites do campus e ainda dá resultados fora do âmbito acadêmico - mas com seu respaldo, claro. A organização dos conselhos municipais e comunitários de defesa do meio ambiente (Consemas e Condemas), a formação do comitê de bacias e a elaboração de um projeto de lei para criação de uma agência gestora foram avanços sociopolíticos irreversíveis. "O cenário atual é muito melhor do que quando começamos o projeto. Há agências internacionais interessadas em financiar programas, investir em quem tem criatividade para buscar soluções inovadoras para problemas emblemáticos", comenta Lúcia. "Mas ainda precisamos de mais vontade política." E vontade - política ou não - é o que não falta para pesquisadores e professores ambientalistas da Unicamp, como Dionete Santin, Oswaldo Sevá, Leila da Costa Ferreira, Lúcia da Costa Ferreira e Alpina Begossi, e Roberto Luiz do Carmo, do Nepo. "A Dionete participou de um dos cadernos temáticos, sobre recuperação da vegetação florestal da região em estudo. É incrível: se cai uma árvore nesses locais visitados, chamam a Dionete e não a Prefeitura", comenta o professor Daniel Hogan. "O Sevá é outro. Uma das pessoas mais envolvidas com ONGs (Organizações Não-Governamentais), sindicatos, educação ambiental." Carmo, do Nepo, é representante da Unicamp no comitê de bacias. Lúcia e Alpina realizaram um trabalho sobre os usos de recursos naturais no Vale do Ribeira, analisando os conflitos socioambientais da região. Lúcia coordenou projetos para a formação de líderes comunitários em pesquisa empírica de problemas socioambientais nas regiões de Campinas, Vale do Ribeira, região metropolitana de São Paulo e Amazônia. Uma equipe do Nepam, coordenada pela professora Leila da Costa Ferreira, avaliou a região da Bacia Billings e foi responsável por fazer o termo de referência que está norteando o plano de recuperação daquela área. "Na verdade, não tem ninguém que tenha trabalhado nesse projeto que não continue envolvido nisso", completa Hogan. Futuro - A universidade tem mostrado - e o projeto temático é prova clara disso - que a pesquisa e os estudos acadêmicos não só devem como podem chegar à comunidade. "Outro desdobramento importante foi o curso de especialização em Análise de Uso e Conservação de Recursos Naturais, para técnicos, gestores ambientais, lideranças do movimento social e professores de todo o Brasil", comenta a coordenadora do Nepam. Segundo ela, a intenção de formar "agentes multiplicadores" chegará, este ano, aos bairros do Parque Oziel e Jardim Monte Cristo, em Campinas. O projeto ensinará jovens desses bairros - um dos maiores assentamentos urbanos da América Latina - a trabalhar com metodologia científica, problemas de vegetação, construção ambientalmente correta, entre outros temas. "Nesses locais, as condições ambientais e sociais são altamente problemáticas." O início do curso de extensão aguarda apenas o trâmite burocrático para sair do papel. "Temos todo o apoio institucional, mas não podemos fugir desse processo todo. Esperamos, até outubro, tornar isso realidade", diz Lúcia.