Amostras coletadas revelarão milhões de anos de história do bioma e os impactos das mudanças climáticas no passado
A primeira fase do Projeto de Perfuração Transamazônica (TADP, na sigla em inglês) foi concluída no Acre após oito meses. O objetivo é estudar a origem e a evolução da Amazônia e do clima da América do Sul tropical.
Por meio da abertura de um poço no subsolo do município de Rodrigues Alves, no norte do Acre, as operações de sondagem resultaram na coleta de 870 metros de testemunhos contínuos a 923 metros de profundidade. O pesquisador André Sawakuchi, do Instituto de Geociências da USP, diz que foi recuperado um material que não tem precedentes para estudar a história da Amazônia.
Os testemunhos coletados são amostras cilíndricas de rochas sedimentares da era geológica do Cenozóico, o que representa os últimos 23 milhões de anos. Esse é o período mais importante, segundo o pesquisador, pois foi quando se originou a Amazônia mega biodiversa como ela é hoje. Confira no infográfico abaixo como é feita a perfuração.
A segunda fase do projeto ocorre no município de Bagre, na Ilha do Marajó, no Pará. A perfuração iniciou no domingo (19), às 15h30, e deve durar em torno de três meses. Espera-se atingir até 1.250 metros de profundidade no subsolo, por meio da abertura de um poço e da coleta contínua de testemunhos.
O equipamento de sondagem saiu de Rodrigues Alves, no Acre, e chegou na região paraense no dia 31 de março. Foram 29 dias e cerca de 3800 quilômetros de trajeto de balsa via rios Juruá, Solimões e Amazonas.
A diferença do Pará para o Acre é que a bacia sedimentar onde está acontecendo a perfuração na Ilha do Marajó está próxima à foz do rio Amazonas e recebe sedimentos de rios que drenam tanto a Amazônia quanto o Cerrado. Dessa forma, os pesquisados acreditam que será possível reconstituir também a história do Cerrado e do clima da região centro-oeste do Brasil.
As amostras serão analisadas no repositório do ICDP (Programa Internacional de Perfuração Científica Continental), na Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos, e em diversas universidades do Brasil, França, Panamá, Holanda, Dinamarca entre outros.
O investimento da sondagem é de cerca de US$ 3.9 milhões, desse total US$ 1.1 milhão é financiado pelo ICDP, US$ 1.1 milhão da National Science Foundation (NSF), dos Estados Unidos, US$ 700 mil do Smithsonian Tropical Research Institute (STRI), com sede no Panamá, e US$ 1 milhão da FAPESP (Fundação de Amparo e Pesquisa do Estado de São Paulo), que também contribuiu com mais um investimento de R$ 1 milhão em bolsas de pesquisa e outros recursos e despesas do projeto.
Na nova fase, os pesquisadores vão aplicar os aprendizados adquiridos nos trabalhos no Acre. “No Pará, a questão é que o melhor local em termos de geologia conhecida não é o melhor local em termos de logística”, explica Fritz.
“Com base em algumas das lições aprendidas no Acre sobre os obstáculos à logística e ao sucesso da perfuração, escolhemos um local alternativo com geologia semelhante, mas menos desafios logísticos. Isso também deverá poupar recursos.”
Assim como no Acre, os pesquisadores vão lidar com rochas pouco consolidadas, o que impõe dificuldades. “Nunca se sabe como as rochas irão se comportar”, diz Sawakuchi. “No Acre, era esperado atingir rochas coesas abaixo de 300 a 400 m, mas encontramos rochas inconsolidadas abaixo de 900 m.”
Ações educativas
Clebinho Rodrigues (PSD), prefeito de Bagre, comemora a chegada do projeto à cidade. “Já movimentou aqui a economia em diversas áreas e também o imaginário da população, que fica sempre especulando sobre pesquisas em busca de petróleo, ouro e minério, algum outro tipo de riqueza que possa ser encontrada no subsolo.”
Para evitar a disseminação de desinformação e pensando no impacto do projeto na comunidade, o Núcleo de Apoio à Pesquisa em Patrimônio Geológico e Geoturismo do Instituto de Geociências da USP, o GeoHereditas, realizará ações educativas no local.
“Assim como foi feito no Acre, vamos fazer um workshop com os atores sociais mostrando o que é o projeto, fazendo intervenções nas escolas, mostrando a geologia do local e realizando um curso de formação com os professores”, diz Maria da Glória Motta Garcia, coordenadora do GeoHereditas.
“Trabalharemos também no inventário do patrimônio geológico e na geodiversidade da região, para pegar com drone vários tipos de imagem e fazer produtos de divulgação”, explica.
O que acontece com as amostras após serem retiradas do subsolo
SAÍDA DO SUBSOLO
O testemunho (amostra cilíndrica de rocha) chega à superfície dentro de um cilindro de aço (camisa) com
3 m de comprimento e 8,3 cm de diâmetro
RETIRADA DA AMOSTRA
A amostra da caixa de molas (chamada de “core catcher”) é retirada para descrição do tipo de rocha e outras análises preliminares. Depois, a amostra é arquivada como parte do testemunho. A função do “core catcher” é impedir a queda do testemunho durante sua remoção de dentro da coluna de perfuração
TUBO DE PVC
Os testemunhos são encapsulados em tubos de PVC para armazenamento e transporte
CORTE EM SEÇÕES
O testemunho é dividido em seções de até 1,5 m de comprimento
IDENTIFICAÇÃO
Em seguida, é feita a identificação, a medida do comprimento e a pesagem do testemunho para registro em banco de dados
TOPO
O topo é marcado com uma fita azul para ordenação das seções quanto à profundidade perfurada
BASE
Já a base é marcada com uma fita vermelha, também para a ordenação das seções em termos de profundidade
DESCRIÇÃO SEDIMENTOLÓGICA
A identificação da rocha e a descrição preliminar é feita por meio de lupa
ÁGUA DE PORO
A extração da chamada água de poro das rochas permite a investigação dos aquíferos. A análise desse material será feita posteriormente
LUMINESCÊNCIA
A luminescência dos grãos de quartzo e feldspato extraídos das amostras de “core catcher” é usada para análises preliminares sobre as áreas onde os sedimentos foram produzidos
MICROBIOLOGIA
A cada 50 m, são coletadas amostras para análise dos micróbios que atuam no ciclo do carbono. Esse material também será estudado posteriormente
GÁS NATURAL
É realizado também o monitoramento dos hidrocarbonetos gasosos e do dióxido de carbono liberados dos poros da rocha
TESTEMUNHOS
Serão transportados para a Universidade de Minnesota, nos EUA, onde serão abertos para descrição detalhada e coleta de amostras. As análises serão realizadas em diversas universidades de Brasil, EUA, Panamá, França, Holanda, Dinamarca, entre outros países. Com informações do Portal Terra e Folha de S. Paulo.