A vacina contra chikungunya, desenvolvida pelo Instituto Butantan em parceria com a farmacêutica franco-austríaca Valneva, deverá ser comercializada para países de baixa e média renda após o registro da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). É o que afirmou nesta quarta (25) o diretor do Instituto, Esper Kallás, no 59º Congresso da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (MEDTROP), durante a conferência O Instituto Butantan no enfrentamento de agravos de saúde no Brasil.
“O Butantan participou de um passo fundamental do desenvolvimento da vacina da chikungunya, que foi o estudo clínico de fase 3 em uma população exposta ao vírus. Com isso, foi possível mensurar a eficácia do imunizante por níveis de anticorpos neutralizantes, o que mostrou um resultado de 98,8%”, disse o diretor.
Primeiro aprovado no mundo contra a doença, o imunizante da chikungunya já foi registrado pelas agências reguladoras dos Estados Unidos, Europa e Canadá, e está sendo avaliado pela Anvisa. Os resultados do ensaio clínico conduzido pelo Butantan foram publicados na The Lancet Infectious Diseases no início de setembro.
“Respondemos à última rodada de perguntas da Anvisa em agosto e a nossa expectativa é obter o licenciamento para uso da vacina no Brasil ainda neste semestre”, afirmou Esper. “O Butantan vai comercializar a vacina em todo o mercado de baixa e média renda no mundo, se posicionando como uma empresa internacional para cumprir um papel social muito importante para a saúde pública.”
Na ocasião, o diretor também relembrou a história de 123 anos do Butantan no desenvolvimento de imunobiológicos e falou sobre a vacina da dengue, a preparação para pandemias e as futuras apostas da instituição. A sessão foi coordenada pelo infectologista Marcus Vinicius Guimarães, da Fundação de Medicina Tropical Doutor Heitor Vieira Dourado da Universidade do Estado do Amazonas (FMT/UEA).
Vacina da dengue
Durante a palestra, Esper Kallás abordou a criação do imunizante contra a dengue, o primeiro de dose única destinado a proteger contra os quatros sorotipos do vírus. Fruto de uma parceria com os Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos Estados Unidos, a vacina é desenvolvida integralmente no Butantan e foi testada em um dos maiores ensaios clínicos já conduzidos no Brasil, envolvendo 16 centros de pesquisa e mais de 16 mil voluntários.
“Esse estudo repercute no momento em que estamos vivendo a pior epidemia de dengue da história brasileira. Com o aumento de temperatura que temos vivido, é muito provável que o mosquito se adapte cada vez mais a locais mais frios, como vimos com o recorde de casos no Chile e na Argentina. Precisamos estar preparados, e uma das principais formas de enfrentar a dengue é com a vacina”, reforçou o diretor.
O ensaio clínico de fase 3 da vacina da dengue foi publicado no início do ano no New England Journal of Medicine e mostrou uma eficácia de 79,6% ao longo de dois anos de acompanhamento. Novos dados recentemente divulgados na The Lancet Infectious Diseases apontaram, ainda, 89% de proteção contra dengue grave e com sinais de alarme.
Gripe aviária e as próximas pandemias
Além do combate a doenças tropicais negligenciadas, que reflete a essência do Butantan como produtor centenário de soros antiofídicos, a instituição também mira na preparação contra futuras pandemias. Desde o início de 2023, o Instituto vem desenvolvendo uma vacina contra a gripe aviária, em meio ao aumento da circulação da doença em aves.
“Nós analisamos as sequências virais disponíveis, isoladas em diferentes partes do mundo, e fizemos uma avaliação genética para selecionar três componentes que seriam bons candidatos para representar os vírus circulantes na América do Sul”, apontou Esper.
A partir disso, no último ano, os pesquisadores realizaram os lotes de trabalho, provas de conceito, lotes de produção e controle e avaliação de qualidade. Com essas etapas concluídas, em agosto, o Butantan submeteu à Anvisa um pedido para iniciar a fase 1/2 do estudo da vacina em seres humanos.
“Nosso objetivo é responder às necessidades que o Brasil pode enfrentar no futuro, em virtude de uma possível pandemia de gripe aviária. A Covid-19 deixou claro que é preciso criar infraestrutura e capacidade interna para reagir a outras ameaças que virão”, afirmou.
Terapias inovadoras
Outra frente que tem sido explorada pelo Instituto Butantan e foi destacada pelo diretor é o desenvolvimento de novas soluções para tratamento de doenças. Um dos projetos em andamento é a OncoBCG, uma versão recombinante do BCG (Bacilo de Calmette e Guérin, que compõe a vacina da tuberculose). Em fase inicial, a terapia mostrou maior potencial contra o câncer de bexiga do que o BCG tradicional, considerado padrão-ouro para tratar a doença.
Também na linha de pesquisa sobre câncer, o Butantan uniu esforços com o Hemocentro de Ribeirão Preto, a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP) e a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) para construir o Núcleo de Terapia Avançada (Nutera), inaugurado em 2022, com o objetivo de produzir células CAR-T contra leucemia e linfoma. Trata-se de um tratamento que modifica as células de defesa do paciente para torná-las capazes de combater o câncer.
“Este ano, nós conseguimos dar início ao estudo clínico de fase 1 com cerca de 80 voluntários, para testar essas células em pacientes. Isso para cumprir um papel fundamental de disponibilizar um produto nacional que seja mais acessível para a população e que possa ser, futuramente, incluído no Sistema Único de Saúde”, disse Esper.
Reportagem: Aline Tavares
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