Editais lançados este mês buscam ampliar os centros de pesquisa e criar uma estratégia nacional. Mas Brasil está atrasado em relação a outros como China e Índia
O Brasil avança no desenvolvimento da Inteligência Artificial (IA), mas muito lentamente. No último dia 12, o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) anunciou a abertura de uma consulta pública para a definição de uma Estratégia Nacional de Inteligência Artificial. No mesmo dia, foi anunciada uma parceria do Ministério com a Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI) para abertura de oito novos Centros de Pesquisa Aplicada (CPA) em IA.
Inteligência Artificial é uma área de estudo no campo da ciência da computação. Segundo textos publicados pela Unesco em seu site, trata do desenvolvimento de computadores capazes de se empenhar em processos racionais como os dos humanos em relação ao aprendizado, a razão e a autocorreção. Segundo Carlos Américo Pacheco, diretor do Conselho Técnico Administrativo (CTA) da Fapesp, a IA vem sendo estudada desde os anos 1970 em vários países, inclusive no Brasil, com apoio de agências como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Fapesp. “Na verdade, a proeminência hoje é porque ela entrou no dia a dia das pessoas por meio das redes sociais, comércio eletrônico e diversas outras aplicações”, comentou.
O edital com chamada de propostas para a constituição dos quatro primeiros centros foi aberto nessa quarta-feira, dia 18 de dezembro. O prazo para a apresentação de propostas vai até 20 de maio de 2020 e a divulgação das propostas selecionadas será feita em 20 de outubro de 2020. Os centros serão apoiados por cinco anos, renováveis por mais cinco, dependendo dos resultados alcançados, com investimentos da ordem de R$ 2 milhões por ano, por centro, divididos entre a Fapesp e o MCTIC.
O documento selando o acordo entre as três instituições foi assinado publicamente no dia 12 pelo ministro do MCTIC, Marcos Pontes, o presidente da Fapesp, Marco Antônio Zago, e o conselheiro do Comitê Gestor da Internet no Brasil, Eduardo Fumes Parajo, durante a cerimônia de abertura do Fórum Regional da Unesco sobre IA realizado dia 12/12.
“O processo de seleção é competitivo e os centros precisam de parceiros privados”, detalhou Pacheco. Segundo ele, a iniciativa é inspirada no primeiro CPA inaugurado em outubro na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli/USP), em parceria com a empresa IBM.
Sediado no prédio do InovaUSP, na Cidade Universitária, o CPA-Poli é voltado para o desenvolvimento de pesquisas sobre algoritmos e sistemas de inteligência artificial. São quase 60 pesquisadores de 14 unidades da USP e de instituições associadas: a Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), a Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e o Instituto de Tecnologia de Aeronáutica (ITA). O centro receberá R$ 4 milhões em investimentos (metade da IBM, metade da Fapesp) e o equivalente da USP em infraestrutura e pagamentos aos pesquisadores, pelo prazo total de dez anos, explicou o coordenador do projeto, o professor da Poli, Fabio Gagliardi Cozman.
O foco das pesquisas do CPA-Poli nesse início são os setores de saúde, agronegócio e petróleo e gás, nos quais foi identificado que o Brasil tem maior competitividade e liderança no cenário internacional. “Isso não exclui outras possibilidades e setores de pesquisa”, acrescentou Cozman. Segundo ele, os pesquisadores trabalham em diferentes níveis de estudo e a expectativa é apresentar um conjunto de resultados (ferramentas, aplicativos) em dois anos.
Uma das pesquisas mais avançadas é na área de agronegócios, na qual um grupo trabalha em conjunto com pesquisadores da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq), em Piracicaba, para implementar uma fazenda autônoma, utilizando IA na tomada de decisão. O projeto incorpora drones e sensores que vão ajudar os administradores da fazenda a definir o que plantar, onde, quanto e em que época. “O objetivo é tirar os humanos de atividades muito repetitivas e massacrantes, delegando a eles o trabalho de supervisão das máquinas e sistemas”, afirmou o coordenador do CPA-Poli.
Iniciativas na área se disseminam também em empresas privadas. Um levantamento feito pela professora Rosa Maria Vicari, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), apontou a existência de 16 startups – em um universo de 500 registradas no País – dedicadas ao desenvolvimento de tecnologias baseadas em IA. Entre pequenas e médias empresas, 64 se dedicam à utilização de IA em produtos e processos. “Tem muita coisa sendo feita no Brasil” comenta Vicari, que é especialista em Sistemas Inteligentes de Ensino e Aprendizagem e atuou como consultora para o último relatório da Unesco sobre o tema.
Segundo ela, a IA tem seus primórdios no trabalho do matemático Alan Turing (1912-1954) e avançou em todo mundo com o aumento do poder computacional (big data) e a aprendizagem de máquinas (machine learning). “As áreas em alta hoje são deep learning (um tipo de machine learning que treina computadores em tarefas como, por exemplo, reconhecimento de fala e imagens), processamento de linguagem natural, redes probabilísticas e neurais e visão computacional”.
Um dos desafios do Brasil hoje, na visão de Vicari, é ampliar a cooperação local e internacional com as várias instituições que estão estudando e pesquisando o tema. “Inteligência Artificial é interdisciplinar, afetando áreas como Internet das Coisas e 5G, indústria 4.0, cidades inteligentes e blockchain”, explicou, acrescentando que vem crescendo muito nos últimos anos e tem grande espaço para aplicações que interessam ao Brasil em agricultura, saúde e governo.
Sobre a Estratégia Nacional de Inteligência Artificial em elaboração pelo governo, Vicari afirma que é uma política mais que necessária para o Brasil, uma vez que outros países já ultrapassaram essa etapa e colhem os resultados. “O Reino Unido lançou recentemente um relatório no qual dizem que já têm bons resultados em educação e saúde e a Índia está aplicando IA em programas sociais como certificação de documentos online e agilidade no atendimento ao público”. Estados Unidos, China, Japão e União Europeia também já elaboraram estratégias específicas para o desenvolvimento de IA. “Quero acreditar quero governo não vai deixar de liberar recursos para esta área”, disse.