Zika sem microcefalia
Em uma pesquisa realizada no Brasil, um grupo internacional de cientistas descobriu que a inibição de uma proteína chamada AhR (receptor para aril hidrocarboneto) permite ao sistema imunológico combater com muito mais eficácia a replicação do vírus zika no organismo.
Em experimentos feitos na USP (Universidade de São Paulo), a terapia antiviral mostrou-se capaz de prevenir o desenvolvimento de microcefalia e outras malformações em fetos de camundongos cujas mães foram infectadas durante a gestação.
"Usamos nos testes uma droga experimental capaz de inibir a AhR e observamos diminuição na replicação tanto do zika como do vírus da dengue. Agora pretendemos testar o efeito da terapia contra o novo coronavírus," conta o professor do Jean Pierre Peron, que coordenou a pesquisa com uma equipe da Universidade de Buenos Aires (Argentina) e Escola de Medicina de Harvard (EUA).
O fármaco experimental foi aplicado nas mães antes da infecção com o zika, de certa forma funcionando como uma vacina.
"O tratamento foi feito por via oral até o fim da gestação. Ao nascerem, os filhotes apresentaram cérebros com tamanho e peso normais e uma carga viral muito mais baixa que a do grupo não tratado, quase indetectável, tanto na placenta como no sistema nervoso central. Além disso, análises histopatológicas mostraram que não houve redução na espessura do córtex e que o número de células nervosas mortas pelo vírus foi muito menor," contou Peron.
Segundo o pesquisador, antes de se pensar em testes com humanos, será necessário replicar o experimento em macacos, que apresentam uma fisiologia mais parecida com a nossa.
Fatores ambientais para o zika
O impacto causado pela epidemia de zika em 2015 foi bastante assimétrico. Em determinadas regiões e cidades, a incidência de síndrome congênita e microcefalia causada pelo vírus foi muito maior do que em outras.
Isso pode indicar que, nesses locais afetados com mais gravidade, existia uma condição ambiental que favorecia a infecção ou então que aquelas populações eram mais suscetíveis. Os dois fatores, ainda desconhecidos, também podem ter contribuído simultaneamente para aumentar o impacto do vírus.
"Coincidentemente, a AhR pode ser ativada por poluentes ambientais, bem como por uma certa dieta ou pela microbiota endógena. Nosso próximo desafio é descartar ou confirmar se existe uma relação entre a AhR, ambientes poluídos ou degradados socioeconomicamente e uma maior virulência do zika", disse Cybele Garcia, da Universidade de Buenos Aires e membro da equipe.
Checagem com artigo científico:
Artigo: AHR is a Zika virus host factor and a candidate target for antiviral therapy
Autores: Federico Giovannoni, Irene Bosch, Carolina Manganeli Polonio, María F. Torti, Michael A. Wheeler, Zhaorong Li, Leonardo Romorini, María S. Rodriguez Varela, Veit Rothhammer, Andreia Barroso, Emily C. Tjon, Liliana M. Sanmarco, Maisa C. Takenaka, Seyed Mohamad Sadegh Modaresi, Cristina Gutiérrez-Vázquez, Nágela Ghabdan Zanluqui, Nilton Barreto dos Santos, Carolina Demarchi Munhoz, Zhongyan Wang, Elsa B. Damonte, David Sherr, Lee Gehrke, Jean Pierre Schatzmann Peron, Cybele C. Garcia, Francisco J. Quintana
Publicação: Nature Neuroscience
DOI: 10.1038/s41593-020-0664-0
Com informações da Agência Fapes