Um medicamento para estimular o sistema imunológico a combater o câncer pode se tornar uma nova arma contra o novo coronavírus. Ele foi desenvolvido pela Unicamp, Universidade Estadual de Campinas.
O imunoterápico brasileiro foi testado pelos pesquisadores da Unicamp em um pequeno grupo de cinco pacientes que contraíram o novo coronavírus enquanto lutavam contra tumores na bexiga.
O Tratamento amenizou a inflamação no pulmão e encurtou a internação, de 18 para 10 dias.
Patenteado pela Unicamp com o nome “OncoTherad”, o imunoterápico começou a ser desenvolvido quase 13 anos para estimular o sistema imune a combater doenças infecciosas e tumores.
“Trata-se de uma nanopartícula totalmente sintética capaz de induzir no organismo uma resposta imune de células T, importante tanto para combater o câncer como também alguns vírus e bactérias”, explica Wagner José Fávaro, professor do Instituto de Biologia da Unicamp e coordenador do estudo.
Caso novos estudos confirmem o potencial do imunoterápico de acelerar a recuperação dos casos graves de COVID-19, os benefícios para o Sistema Único de Saúde (SUS) serão imensos, avalia Fávaro.
“Os custos com internação em Unidade de Terapia Intensiva [UTI] diminuiriam significativamente e, na medida em que se reduz a necessidade de ventilação mecânica, amplia-se o número de pacientes graves que podem ser tratados com sucesso”, afirma.
Essa não é primeira vez que um medicamento contra câncer dá bons resultados. Pesquisadores norte-americanos testaram o remédico acalabrutinibe que também se mostrou benéfico para 80% dos pacientes com covid-19.
Caso emblemático
Um dos casos mais impressionantes é de um paciente de 78 anos, que contraiu a infecção durante um cruzeiro pela costa brasileira e foi tratado no Hospital Municipal de Paulínia, cidade próxima a Campinas.
Os detalhes foram descritos em artigo publicado no repositório Social Science Research Network. A pesquisa é apoiada pela Fapesp.
“Esse paciente chegou ao hospital com 50% do pulmão comprometido, febre de 38,3o C, dor de cabeça, falta de apetite, dificuldade para respirar e nível de oxigenação no sangue abaixo do normal [87%, quando deveria estar acima de 94%]”, conta Fávaro.
Tabagista de longa data e portador de várias doenças crônicas, temia não sair vivo da ventilação mecânica, por isso não queria ser intubado.
“Após conversar com a família, decidimos fazer apenas a suplementação de oxigênio por cateter intranasal e administrar o imunoterápico associado aos antibióticos e corticoides do protocolo padrão do hospital.
Após 72h de internação, os marcadores inflamatórios no sangue tinham diminuído significativamente, a saturação de oxigênio estava em 95%, a coriza havia diminuído e a febre, sumido. No sétimo dia, já sem o cateter intranasal, o nível de oxigênio no sangue atingiu 98%. No décimo dia ele teve alta.”
O exame de tomografia feito antes da alta hospitalar revelou que as lesões pulmonares tinham cicatrizado e, no teste sorológico, foi detectada a presença de anticorpos do tipo IgG (imunoglobulina G), que são específicos contra o Sars-CoV-2 e conferem imunidade duradoura, até onde se sabe.
Outros pacientes
Resultados semelhantes foram observados em outros quatro pacientes submetidos à imunoterapia, todos portadores de câncer de bexiga e outras doenças crônicas e com idade superior a 65 anos.
“O que chama a atenção é que indivíduos nessas condições tendem a piorar nos primeiros dias de internação por Covid-19. Mas todos que tratamos com esse protocolo – que consiste em administrar antibióticos e corticoides durante seis dias e o imunoterápico por duas semanas – apresentaram sinais de melhora desde o início”, afirma Fávaro.
Eficácia no câncer
Os pesquisadores buscam agora confirmar sua eficácia contra o câncer de bexiga avançado.
“O estudo começou com 30 pacientes (19 homens e 11 mulheres) que já tinham sido submetidos sem sucesso aos tratamentos disponíveis no mercado. Mas temos recebido muitos pedidos de inclusão de novos participantes. Há poucas opções terapêuticas para esse tipo de tumor”, diz o pesquisador.
Todos os integrantes do estudo tinham indicação para a remoção cirúrgica da bexiga e, após o tratamento com o imunoterápico, iniciado há dois anos, quase 80% ficaram livres do tumor.
“Nos demais, a doença voltou com menor agressividade, o que permitiu a retirada localizada da lesão”, conta o pesquisador.
Quando veio a pandemia, o grupo da Unicamp observou que alguns dos voluntários do ensaio clínico mantiveram contato próximo com pessoas infectadas pelo novo coronavírus.
E, embora todos integrem o grupo de risco da Covid-19, nenhum apresentou sintomas da infecção.
“Teve participante que mesmo com o PCR [teste que detecta o RNA do vírus no sangue] positivo permaneceu totalmente assintomático”, conta Fávaro.
A suspeita de que o imunoterápico poderia reduzir a agressividade da infecção pelo Sars-CoV-2 começou a ganhar corpo entre os pesquisadores da Unicamp quando grupos internacionais divulgaram evidências de que o vírus era capaz de inibir no organismo humano a resposta de células T, conta Fávaro.