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Mecânica da epilepsia (1 notícias)

Publicado em 27 de abril de 2009

Ao estudar as alterações na expressão gênica de marcadores moleculares ligados ao processo inflamatório na epilepsia do lobo temporal, um grupo de pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) identificou, em uma série de estudos com ratos e camundongos, dois receptores de cininas responsáveis pela excitabilidade neuronal.

As cininas são polipeptídeos gerados no sangue e em tecidos durante o processo inflamatório da doença. Os pesquisadores estudaram as alterações moleculares ligadas à geração de crises epilépticas visando à obtenção de novas abordagens terapêuticas para o controle da excitabilidade neuronal na epilepsia.

No estudo, que teve apoio da Fapesp (Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo), na modalidade Auxílio a Pesquisa – Projeto Temático, foi verificada uma ação excitatória para os receptores B1 e uma ação neuroprotetora para os receptores B2 de cininas. As cininas têm papel fundamental no processo inflamatório da epilepsia e os cientistas observaram um aumento desses dois receptores na área do cérebro conhecida como hipocampo.

“Os camundongos passaram por uma técnica conhecida como ‘nocaute’ para os receptores B1 e B2 de cininas. Os animais foram geneticamente modificados para não produzir esses dois receptores e, em seguida, submetidos ao modelo de epilepsia induzido por pilocarpina [droga injetada em altas concentrações nos animais para a geração do chamado 'estado de mal epiléptico'], explicou a coordenadora da pesquisa Maria da Graça Naffah-Mazzacoratti, professora do Departamento de Bioquímica da Unifesp, à Agência Fapesp.

O trabalho foi desenvolvido em colaboração com o professor João Bosco Pesquero, do Departamento de Biofísica da Unifesp. Segundo Maria da Graça, os camundongos encontraram mais dificuldades em desenvolver epilepsia após a anulação do receptor B1, enquanto na ausência do receptor B2 os animais desenvolveram mais rapidamente a doença.

“Como conclusão, podemos dizer que o receptor B1 é epileptogênico e o B2 é protetor. Essa associação, verificada pela primeira vez, também foi estudada em humanos e mostra que tanto o tecido de pacientes submetidos à cirurgia para remoção do foco epilético como os animais experimentais têm expressão aumentada desses dois receptores ligados ao processo inflamatório e relacionados com a formação e manutenção da excitabilidade do cérebro”, explicou a professora também ligada à Disciplina de Neurologia Experimental da Unifesp.

A pesquisa identificou ainda a ação de substâncias potencialmente protetoras do cérebro, tais como a melatonina (hormônio produzido pela glândula pineal) e o ômega 3, ácido graxo encontrado em altas concentrações em alguns peixes e na membrana dos neurônios.

“Os resultados mostram que a melatonina pode proteger o cérebro de crises, o que é um achado importante, embora não tão inédito quando comparado a outros estudos internacionais. O ômega 3, por sua vez, além de também reduzir crises, se mostrou capaz de diminuir as disritmias cardíacas induzidas pela doença, reduzindo assim o risco de morte súbita”, disse.

Dano cerebral diminuído

Com base nesses resultados, os pesquisadores poderão estudar a utilização da melatonina em pacientes com o objetivo de minimizar o dano cerebral e reduzir o desenvolvimento da epilepsia do lobo temporal, que é refratária a medicamentos.

“A idéia é que a melatonina não seja utilizada sozinha, mas como coadjuvante com outras drogas atualmente empregadas no controle das crises”, apontou Maria da Graça.

Os animais do estudo, todos machos e adultos, tiveram epilepsia induzida por pilocarpina (alcalóide encontrado na folha do jaborandi), gerando uma crise de longa duração capaz de eliminar neurônios em várias áreas do cérebro, principalmente no hipocampo.

O impacto do exercício físico sobre os mecanismos ligados ao controle de crises epilépticas também foi analisado e os resultados indicam que os exercícios têm ações benéficas sobre o cérebro, induzindo uma proteção neural. Os animais treinados diariamente apresentaram um número menor de crises convulsivas do que os animais não treinados.

Os trabalhos desenvolvidos pelos pesquisadores têm mostrado uma função bastante importante do exercício físico na plasticidade cerebral. “Especificamente, no modelo experimental de epilepsia, usado no Projeto Temático apoiado pela Fapesp, verificamos que o exercício físico induz um aumento na expressão de proteínas ligadas aos neurônios gabaérgicos – que protegem o cérebro da excitabilidade induzida pela epilepsia, impedindo crises convulsivas”, disse.

Segundo ela, o projeto, intitulado “Alvos moleculares na plasticidade neuronal em diferentes modelos experimentais”, gerou até o momento 58 artigos publicados em revistas científicas nacionais e internacionais.

A epilepsia atinge cerca de 50 milhões de pessoas em todo o mundo. “Em países em desenvolvimento a incidência é de 50 por 100 mil pessoas e cerca de 30% dos pacientes apresentam epilepsia refratária às medicações disponíveis atualmente. A epilepsia refratária é aquela de difícil controle com medicamentos e que muitas vezes necessita de intervenção cirúrgica”, disse Maria da Graça.

Outros estudos sobre o assunto conduzidos pelo mesmo grupo, em parceria com os professores Esper Abrão Cavalheiro, Débora Amado, Maria Jose Fernandes, Fúlvio Scorza e Ricardo Arida, ainda estão em andamento no âmbito do programa Cooperação Interinstitucional de Apoio a Pesquisas sobre o Cérebro (CInAPCe).

Fonte: Agência Fapesp