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Maus-tratos na infância podem afetar memória e aprendizado, diz estudo (17 notícias)

Publicado em 25 de maio de 2025

Estudo brasileiro que envolveu 795 participantes entre 6 e 21 anos detalhou como os maus-tratos na infância afetam o desenvolvimento estrutural do cérebro, particularmente do hipocampo – região essencial para a memória, o aprendizado e a regulação emocional. Os resultados foram publicados na revista Psychological Medicine , da Universidade de Cambridge.

Os autores analisaram exames de ressonância magnética dos participantes em três momentos distintos. Foram usados dados da Brazilian High-Risk Cohort (BHRC), ou Coorte Brasileira de Alto Risco para Transtornos Mentais. O projeto, que é ligado ao Centro de Pesquisa e Inovação em Saúde Mental (CISM), é um dos maiores estudos longitudinais da América Latina sobre o desenvolvimento mental em crianças.

O CISM é um projeto especial da FAPESP sediado na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) e também conta com apoio do Banco Industrial do Brasil (BIB).

Além de analisar os exames de imagem, os pesquisadores combinaram autorrelatos e informações fornecidas pelos pais dos participantes para identificar os níveis de exposição ao trauma. Os resultados apontam para os impactos persistentes do trauma infantil ao longo da adolescência

Observou-se que altos níveis de exposição ao trauma durante a infância estão associados a uma redução duradoura no volume do hipocampo direito. Esse efeito foi constatado mesmo após o ajuste para outros fatores, como a presença de transtornos mentais e características genéticas que influenciam o volume hipocampal. Já o hipocampo esquerdo mostrou-se menos suscetível a alterações estruturais, indicando diferenças na vulnerabilidade entre os dois lados do cérebro.

O hipocampo desempenha um papel crucial nas funções cognitivas e em como o cérebro responde ao estresse . Danos nessa região podem contribuir para problemas emocionais e cognitivos a longo prazo, como dificuldade de aprendizado, aumento na vulnerabilidade ao estresse e maior risco de transtornos, como depressão e ansiedade.

“Percebemos que os maus-tratos infantis desencadeiam alterações significativas no hipocampo direito, que permanecem consistentes ao longo do tempo, mesmo em cenários de melhora clínica ou emocional”, explica Victoria Doretto, primeira autora do artigo e psiquiatra colaboradora do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas da FM-USP.

Os dados indicam ainda que os maus-tratos afetam de forma desigual as crianças, dependendo da intensidade e frequência do trauma.

O trabalho é fruto da tese de doutorado de Doretto, apoiada pela FAPESP e orientada pelos professores da FM-USP Eurípedes Constantino Miguel e Pedro Mario Pan – ambos pesquisadores do CISM.

Intervenção precoce

Para Doretto, os resultados reforçam a importância de intervenções precoces, incluindo estratégias de prevenção e tratamento, para minimizar os efeitos negativos do trauma em crianças expostas a maus-tratos.

“Os achados reforçam a urgência de políticas públicas que promovam ambientes seguros para o desenvolvimento infantil e intervenções que mitiguem os danos causados pelo trauma precoce”, ressalta.

O estudo amplia o entendimento sobre os efeitos do trauma infantil, descrevendo os impactos negativos do estresse na saúde mental e no desenvolvimento de jovens.

Ao reforçar a importância de intervenções precoces, a pesquisa ainda abre caminhos para novas investigações que façam avaliações contínuas sobre maus-tratos ao longo do tempo e eliminem possíveis vieses nos relatos fornecidos por pais e participantes.

*Com informações de Mainary Nascimento, do CISM.