Notícia

Jornal Cidade (Rio Claro, SP)

Matemática invertida

Publicado em 10 junho 2020

Por Adilson Roberto Gonçalves

Exemplos e contraexemplos são muito utilizados na prática didática, como ferramentas para melhor entendimento de um conceito. As vezes dizer o que não é torna-se mais fácil do que dizer o que é. Nestes tempos de ocultação de dados sobre a pandemia de coronavírus e de contaminados e mortos pela Covid-19, doença resultante desse novo vírus, fica fácil dizer o que não é ciência pela prática oficial, explicitada agora no Ministério da Saúde.

Mas vamos além para tentar entender essa triste matemática palaciana. Depois das complicações com os filiais zeros à esquerda, vem o governo praticar uma inversão de sinais quanto ao significado de democracia e ditadura. Talvez queira convencer seus ainda existentes seguidores de que menos com menos dá mais, mas isso funciona na multiplicação de ideias, e não na divisão pelo ódio que ele estimula e financia. A matemática é mais um dos conhecimentos a serem lançados às sombras, junto com a ciência, a medicina, a história, a demografia, e um longo etc.

Foi um sinal destes duros e obscuros tempos, quando nove ex-ministros da saúde de diferentes linhas políticas no longínquo início de abril precisaram subscrever um artigo para clamar pela diminuição do caos que a pandemia do coronavírus estava causando em nosso país, com o título “ Indústria de guerra pela vida ”, publicado na Folha de S. Paulo. A imprensa procura fazer o contraponto' ciência versus achismo ”, como ato de responsabilidade, clamando para que as medidas que devem ser tomadas no combate à Covid-19 sejam de base científica. Porém, não surtirá efeito, uma vez que a política oficial de obscurantismo somente será mudada com a saída do mandatário criminoso. Nas guerras, especialmente nas chamadas Grandes Guerras ou Guerras Mundiais, a indústria rapidamente mudou suas linhas de produção para armamentos e o que se está solicitando agora depende do trinômio vontade, interesse e estímulo. Uma conta que seria muito simples. O estímulo seria feito pelo Estado Social, desmontado pelo governo que aí está. Vimos o quanto da mentalidade ainda de colônia de nossos empresários deu o tom da ação ou inação que foi posta em prática: sobrepreços, fraudes em licitações e equipamentos vendidos e não entregues.

A matemática capitalista mostrou seus reais valores, provando que não são os meios de produção, mas, sim, o trabalho o responsável pela geração de renda. Por fim, os dirigentes da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) fizeram novamente em meados de maio um relato pertinente das ações da Fundação, especialmente nesta pandemia, com repercussões não apenas em São Paulo, mas em todo o país. No entanto, a ciência fundamental não está sendo ouvida, o isolamento social sendo quebrado e a questão de saúde pública foi transformada em posicionamento político. Que continue a autonomia orçamentária e administrativa da Fapesp, inexistentes nas agências federais, que estão sendo desmontadas, seguindo a política da ignorância governamental institucionalizada. inicie ncias

(O autor é doutor em química pela Unicamp, livre-docente pela USP e pesquisador no IPBEN da UNESP — Rio Claro)