Entre as espécies em risco de se tornarem apenas retratos do passado estão algumas das mais conhecidas, como pau-brasil, araucária, jequitibá-rosa, jacarandá-da-Bahia, palmito-juçara, angico, imbuia, peroba, canela-sassafrás, cabreúva, braúna e o abacateiro selvagem.
A Mata Atlântica é o bioma mais devastado do Brasil e não causa surpresa que muitas de suas espécies estejam ameaçadas, mas a dimensão da destruição chocou os cientistas. Extinção não tem volta, é patrimônio natural perdido para sempre. Não se restaura aquilo que já não existe em parte alguma.
— Levamos um susto. Não esperávamos que tantas espécies estivessem fragilizadas ao ponto de serem classificadas nas categorias mais extremas de risco de desaparecer — afirma o coordenador do estudo, Renato Lima, professor do Departamento de Ciências Biológicas do campus Piracicaba (ESALQ) da Universidade de São Paulo (USP).
O cenário foi classificado como muito grave porque foram consideradas apenas ameaças já ocorridas, causadas pelo desmatamento. O impacto das mudanças climáticas, que ameaçam a sobrevivência de muitas espécies de plantas e animais, não foi considerado na análise.
Antes desse trabalho, sequer havia dados bem estabelecidos sobre o estado de conservação das árvores da Floresta Atlântica.
E 13 espécies endêmicas estão possivelmente extintas, pois não são encontradas há pelo menos 50 anos. Meio século de desaparecimento é muito numa mata estraçalhada, onde é quase impossível se esconder.
O estudo traz uma boa notícia. Cinco espécies consideradas extintas foram redescobertas. Três delas são exclusivas do estado do Rio de Janeiro. As outras duas ocorrem no Rio e em estados do Nordeste. O Rio tem rica flora endêmica e também é um dos estados mais estudados do Brasil, o que facilitou a redescoberta.
Esse tipo de estudo não é uma mera lista, mas um instrumento para orientar medidas de conservação.
Além da USP, o trabalho reuniu cientistas do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro responsável pela elaboração da Lista Vermelha Oficial da Flora do Brasil; da PUC-RJ; da Universidade Regional de Blumenau, do Naturalis Biodiversity Center (Holanda) e da Universidade de e Montpellier (França).
No total, foram investigados mais de 3 milhões de registros em herbários e inventários florestais. Os pesquisadores também se pautaram por dados sobre biologia, ecologia e uso de espécies. Para a análise foi considerada uma abordagem mais ampla dos critérios da União Internacional de Proteção da Natureza (IUCN).
Os pesquisadores estudaram dados relativos a três gerações de uma árvore. Um período que varia _ porque a floresta resiste e ainda guarda extraordinária diversidade _ de três décadas a um século e meio, a depender da espécie.
No artigo da Science, advertem que “o estado de conservação das florestas tropicais é pior do que o previamente reportado”.
Uma floresta é bem mais do que árvores, mas elas constituem a base de sua estrutura e sua mais reconhecível face. Desmatada e superexplorada, a mata em cujo domínio vivem 70% dos brasileiros, está desfigurada.
As áreas mais críticas para a extinção são as do interior, nos estados de Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina e Goiás (onde há alguns remanescentes do bioma).
Dia a dia, a beleza das grandes árvores dá lugar a cicatrizes na floresta. Gigantes viram um punhado de folhas secas em herbários.
A ameaça à existência de numerosas espécies era esperada dada a devastação da Mata Atlântica. Somados todos os retalhos de floresta, inclusive os quase quintais com mais de 1 hectare (um campo de futebol), restam 24% do bioma. Porém, considerados apenas os fragmentos com mais de 3 hectares (matinhas do tamanho de três campos de futebol), os remanescentes somam 12,4%.
Segundo o MapBiomas, a floresta está partida em 2,8 milhões de fragmentos, e mais da metade (53,3%) medem até 10 hectares.
Floresta contínua, aquela que remotamente lembra a encontrada pelos conquistadores europeus, não passa de 7%, que é o percentual de fragmentos com mais de 100 hectares.
São nos fragmentos isolados que definham gigantes. Grandes árvores, como jequitibás e jacarandás, muitas vezes perderam seus polinizadores, não têm quem disperse suas sementes.
— São fantasmas das antigas florestas, gigantes centenários sem descendência, que levarão consigo todo o patrimônio de sua espécie e o papel que ela exercia na manutenção do bioma — lamenta Lima.
Ele explica que o estudo distinguiu espécies que são naturalmente raras e podem não estar tão ameaçadas de outras que até parecem numerosas em alguns pontos, mas não tem mais para onde se dispersar, perderam habitat.
— No campus da Esalq temos centenas de paus-brasis, todos plantados. Mas na natureza, a espécie está fragmentada — acrescenta o cientista.
O fundamental é que a espécie exista no bioma, onde tem um papel ecológico, com uma série de interações. Caso também do abacateiro, muito cultivado, mas praticamente inexistente na mata.
— Nosso desafio é imenso. Temos um número muito grande de espécies que podem desaparecer para sempre, com impacto imensurável para o bioma e a nossa própria existência — destaca Lima.
As cinco espécies redescobertas. Elas são muito raras, há décadas não eram coletadas e foram encontradas em pontos isolados.
Fonte: O Globo