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Mapas abertos (1 notícias)

Publicado em 23 de junho de 2009

Por Fábio de Castro

Agência Fapesp

Um projeto realizado por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) vai garantir acesso universal a uma importante coleção particular de mapas antigos e, ao mesmo tempo, criar soluções para desafios impostos à cartografia histórica pelas novas tecnologias de digitalização

Em 2006, a coleção de obras de arte e documentos raros de Edemar Cid Ferreira – um dos maiores acervos particulares do tipo no mundo – foi tombada pela Justiça Federal durante o processo contra o ex-banqueiro. Parte da coleção, contendo cerca de 380 mapas antigos, além de gravuras e textos de cordéis, ficou sob custódia temporária do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP.

A fim de garantir o acesso público aos mapas, a equipe do Laboratório de Estudos de Cartografia Histórica (Lech) – núcleo operacional do Projeto Temático “Dimensões do Império Português”, apoiado pela FAPESP – tem desenvolvido um projeto de construção do Banco de Cartografia Histórica Digital, que terá acesso aberto pela internet. O banco terá mapas digitalizados da coleção do Banco Santos, do IEB e da Biblioteca Mindlin.

De acordo com a coordenadora do Lech, a professora Iris Kantor, do Departamento de História da USP, desde que o IEB obteve a custódia da coleção do banco (que teve falência decretada em 2005), o grupo tem se dedicado a restaurar, catalogar e digitalizar os mapas. Iris descreveu o projeto durante palestra apresentada no dia 18/6, no seminário Livros, Leituras e Novas Tecnologias, no Museu de Arte de São Paulo (Masp), na capital paulista.

“Ainda persiste a possibilidade de que as peças sejam requisitadas para quitar dívidas deixadas pelo banco. Por isso, fizemos a digitalização dos mapas a toque de caixa, a fim de garantir que a coleção tenha uma destinação pública, com acesso universal”, disse Iris à Agência FAPESP.

Segundo ela, o Temático, coordenado pela professora Laura de Mello e Souza – também do Departamento de História da USP –, teve início com a aquisição da base cartobibliográfica do almirante Max Justo Guedes, em 2005, antes mesmo do tombamento da coleção de Ferreira.

“Essa base, que serviu de inspiração para o projeto, consiste em cadernos de notas de mais de 60 anos de pesquisas feitas pelo almirante sobre cartografia histórica. Quando recebemos essa doação buscamos apoio da FAPESP e, em seguida, conseguimos a custódia da coleção do Banco Santos. O principal produto do Projeto Temático será uma base de dados digital que integrará mapas e referências bibliográficas”, explicou.

Iris conta que, ao ser recebida em 2006, a coleção do Banco Santos precisou ser tratada durante um ano pelos técnicos do IEB, para restauração e higienização. “Esses documentos estavam em péssimo estado, em um galpão, quando foram recolhidos pela Polícia Federal. Em seguida, o IEB digitalizou os mapas e o projeto teve início”, disse.

Segundo ela, no entanto, apenas um terço da coleção pertencente ao banqueiro chegou de fato à USP. O paradeiro do restante dos documentos é desconhecido. “Agora, corremos o risco de perder a coleção, assim como as outras unidades da USP que receberam partes do acervo. Vamos lutar para mantê-lo, já que a universidade investiu muito no acondicionamento e no restauro das obras. Mas o mais importante é que os estudiosos terão o acesso digital garantido”, afirmou.

Biografia social dos mapas

Além dos pesquisadores ligados ao projeto, a equipe envolvida com o Lech inclui pesquisadores do IEB, da Biblioteca Brasiliana, do Centro de Informática de São Carlos (Cisc) – também da USP –, além de parcerias com o Sistema Integrado de Bibliotecas da USP, a Cátedra Jaime Cortesão, o Centro de Documentação do Atlântico (Cenda) e outros centros.

“O projeto trabalha com a formação do imaginário imperial português. Estudamos qual é o papel dos mapas na construção da imagem dos territórios coloniais na Europa. E como as imagens são suporte dessas identidades imperiais. O objetivo é estudar o papel dos mapas na cultura imperial e na sua expansão sob o ponto de vista do pensamento”, disse Iris.

Segundo ela, a revolução tecnológica que permite a digitalização dos mapas cria uma tensão com a dimensão crítica da cartografia histórica. “Com os dados sendo despejados na internet livremente, é preciso ter senso crítico ao tratá-los. Existe cada vez mais necessidade de ter esses mapas associados a informações fidedignas que permitam interpretar o contexto social em que foram produzidos. Por outro lado, a disponibilização das obras digitalizadas cria novos desafios e campos de trabalho para os pesquisadores”, apontou.

O Projeto Temático, de acordo com a historiadora, pretende criar uma base de dados relacional capaz de se articular a outras fontes nacionais e internacionais.

“Queremos produzir uma mapoteca digital, com uma ferramenta de busca articulada com outras bases de dados de natureza tecnocientífica. Além das imagens cartográficas, o banco de dados disponibilizará uma cartobibliografia com verbetes preparados por consultores escolhidos pelo projeto”, disse.

A ideia, segundo Iris, é fazer uma “biografia” de cada mapa, inscrevendo-os em contextos sociais mais amplos. “Pretendemos superar as interpretações autorreferentes. O usuário terá ao seu alcance não apenas a imagem, mas o contexto que permitirá localizá-la na história da cartografia”, afirmou.