MANAUS – Com os impactos das mudanças climáticas afetando cada vez mais o cotidiano de moradores de vários países, entre eles o Brasil, a resiliência das florestas, especialmente tropicais, como a Amazônia, tem sido tema frequente de pesquisas.
Além de estudar diversos fatores que influenciam a maneira como a vegetação reage ao aquecimento global, os cientistas buscam aprimorar os modelos de vegetação —que são ferramentas com papel crucial na compreensão e gestão dos ecossistemas, contribuindo para a conservação da biodiversidade e para o desenvolvimento sustentável.
E é exatamente essa combinação que está descrita em pesquisa publicada na revista Earth System Science Data por um grupo ligado a instituições brasileiras. O trabalho resultou em uma série de mapas que descrevem com maior precisão a quantidade das diversas formas químicas de fósforo no solo da amazônia.
Construídos com base em nova metodologia baseada em inteligência artificial, os mapas confirmam que a região tem uma concentração muito baixa do mineral. O impacto disso é que a falta de fósforo afeta o ciclo de crescimento das espécies e pode, por exemplo, impedir que as árvores reajam ao aumento de gás carbônico associado às mudanças climáticas.
“Quando estávamos trabalhando em modelos de vegetação para entender comportamentos climáticos da amazônia, percebemos que havia informações pontuais sobre as quantidades de fósforo no solo. Normalmente, nos métodos anteriores, esses mapas usavam apenas os tipos [classes] de solo como preditores do mineral”, explica o pesquisador João Paulo Darela Filho, que atualmente faz pós-doutorado na Universidade Técnica de Munique (Alemanha).
“Vimos que seria necessário incluir outros atributos ambientais e, para isso, desenvolvemos uma nova técnica estatística, baseada em aprendizado de máquina a partir dos dados já existentes.”
Primeiro autor do artigo, Darela Filho começou a trabalhar no projeto quando estava no doutorado, finalizado em 2021. Sua pesquisa recebeu apoio da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).
À época, seu foco era incluir no modelo Caetê os dados sobre ciclos de nutrientes, como nitrogênio e fósforo, importantes no entendimento do comportamento do crescimento das árvores. O Caetê, que na língua tupi-guarani significa “mata virgem”, é um algoritmo capaz de projetar o futuro da vegetação amazônica, apresentando cenários com transformações da floresta.
Primeiro desse tipo exclusivamente brasileiro, seu nome vem da sigla “carbon and ecosystem functional-trait evaluation model”, que, em tradução livre, é: modelo para avaliação de características funcionais de carbono e de ecossistema.
Também teve apoio da FAPESP por meio do AmazonFace, um programa que inclui experimento de campo e estuda como o aumento de dióxido de carbono (CO 2) atmosférico afeta a floresta, sua biodiversidade e os serviços ecossistêmicos.
O Caetê foi desenvolvido pela equipe do Laboratório de Ciência do Sistema Terrestre, da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), coordenado pelo professor David Montenegro Lapola, que também é autor do artigo com Darela Filho.
“Os mapas elaborados sob a liderança do João Darela são um passo indispensável para avançarmos no entendimento de como florestas tropicais, que geralmente são limitadas por fósforo, vão reagir às mudanças climáticas e a outras perturbações humanas”, diz Lapola.
Resultados
Os pesquisadores usaram dados de 108 locais da amazônia. Aplicaram uma abordagem com base em modelos de regressão aleatória de floresta treinados e testados para a previsão de diferentes formas de fósforo —total, disponível, orgânico, inorgânico e ocluído (quando está ligado a outras substâncias).
Utilizaram também informações dos tipos de solo de referência e outras propriedades, como geolocalização, quantidades de nitrogênio e carbono, elevação e inclinação do terreno, pH do solo, precipitação anual média e temperatura.
Os modelos de regressão de floresta apresentaram níveis de precisão média acima dos 64%, dependendo da forma de fósforo. Para o total do mineral, a precisão chegou a 77,3%.
O resultado da pesquisa mostrou que a concentração média de fósforo total encontrada no conjunto de dados analisados foi de 284,13 miligramas para cada quilograma de solo (mg kg−1). A quantidade é considerada baixa quando comparada à média global, de 570 mg kg−1.
Ao analisar os mapas, detectou-se que os locais mais ricos em fósforo estão na fronteira entre os Andes e a amazônia, em contraste com os solos mais antigos das baixadas amazônicas, localizadas na região leste.
Os cientistas avaliam que os novos mapas podem ser úteis para parametrizar e avaliar modelos de ecossistemas terrestres, podendo, até mesmo, trazer respostas sobre a relação solo-vegetação na região amazônica.
“O aprendizado de máquina, com o uso da inteligência artificial, será cada vez mais aplicado na ciência, especialmente para projeções futuras. Nossos mapas podem ser usados por outros pesquisadores visando entender como serão as respostas da amazônia frente às mudanças climáticas”, completa Darela Filho.
Um estudo internacional liderado por brasileiros, entre eles Lapola, e destacado na capa da revista Nature em fevereiro mostrou que quase metade da Amazônia caminha para um ponto de não retorno até 2050, ou seja, com as secas extremas e o desmatamento, a floresta deve perder sua resiliência.
A pesquisa estimou que entre 10% e 47% das áreas na região estarão expostas a perturbações e ameaças, podendo desencadear transições “inesperadas” nos ecossistemas e exacerbar as mudanças climáticas regionais.
Foram considerados como situações de estresse o desmatamento acumulado, o aquecimento global, a quantidade de chuva anual no bioma, a intensidade da sazonalidade das chuvas e a duração da estação seca. O risco é a conversão do bioma em áreas de savana, incapazes de cumprir o papel de sequestro de carbono.
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