Em 23 de setembro, Manaus havia registrado um total de 2.462 mortes por Covid-19. Se fosse um país, teria a segunda maior taxa de mortalidade do mundo, com 100,7 mortes por 100.000 habitantes.
Em compensação, se é que podemos chamar assim, a cidade pode ter sofrido tantas infecções que sua população agora se beneficia da “imunidade de rebanho”, de acordo com um estudo preliminar.
Essa expressão refere-se à situação em que uma grande porcentagem de indivíduos de uma população fica imune à uma doença transmissível de pessoa para pessoa e a infecção para de se alastrar nessa população. Tecnicamente, é o que ocorre nas vacinações, mas poderia ocorrer naturalmente — pelo menos, é o que esperam determinados governantes.
Publicado no site medRxiv, o estudo analisou dados de infecção com modelagem matemática para estimar que 66 por cento da população tinha anticorpos para o novo coronavírus em Manaus, onde a passagem da pandemia foi tão rápida quanto brutal.
“A taxa de infecção excepcionalmente alta sugere que a imunidade coletiva desempenhou um papel significativo na determinação do tamanho da epidemia”, escreveram eles no estudo, que ainda não foi submetido à revisão por pares.
“Todos os indícios indicam que foi a própria exposição ao vírus que ocasionou a redução do número de novos casos e óbitos em Manaus”, disse ao Sao Paulo a coordenadora do estudo, a professora médica Ester Sabino da Universidade de São Paulo Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Paulo (Fapesp), que ajudou a financiar o estudo.
Manaus foi palco de imagens horripilantes: hospitais invadidos, valas comuns e cadáveres empilhados em caminhões refrigeradores quando a pandemia atingiu seu pico em maio.
Mas as mortes na cidade de 2,2 milhões de pessoas caíram drasticamente nas últimas semanas, para uma média de apenas 3,6 por dia nos últimos 14 dias.
No entanto, especialistas em saúde alertaram que tentar alcançar a imunidade coletiva é um caminho perigoso para os formuladores de políticas.
“A imunidade comunitária via infecção natural não é uma estratégia, é um sinal de que um governo falhou em controlar um surto e está pagando por isso em vidas perdidas”, tuitou Florian Krammer, professor de microbiologia da Escola de Medicina Icahn no Hospital Mount Sinai em Nova york.
Outros especialistas alertaram que a imunidade ao vírus pode ter vida curta.