Notícia

Gazeta Mercantil

MAIS RIGOR NAS PROVAS CIENTÍFICAS

Publicado em 21 agosto 1995

Por LIND HIMELSTEIN
Joyce Daubert e Anita De-Young queriam que houvesse um pouco de justiça. As duas mães da Califórnia acreditavam que os defeitos congênitos dos seus filhos - um nasceu sem uma das mãos e o outro nasceu com um braço anormalmente curto - tivessem sido causados pelo Bendectin, um medicamento contra náusea que elas haviam tomado durante a gravidez. Como milhares de outras mulheres que tomaram o Bendectin entre 1957 e 1982, elas queriam que a Merrell Dow Pharmaceuticals Inc. (atual Marion Merrell Dow Inc.) pagasse por colocar no mercado um produto que não oferece segurança. Mas as suas esperanças - e alegações - foram frustradas depois de uma campanha de uma década de duração. Um tribunal federal de recursos rejeitou a sua ação judicial em janeiro passado, decidindo que ela não poderia ser sustentada por qualquer ciência válida. O tribunal fulminou os peritos das autoras por oferecerem prova deficiente que foi rejeitada por boa parte da comunidade científica de eu o eu está ocorrendo aqui não é absolutamente ciência, mas um processo judicial.' O caso do Bendectin e a contundente análise dele pelo tribunal ilustram a nova e rigorosa fiscalização a que a ciência está sendo submetida na sala de audiência. Se isso envolve o Bendectin, ou vínculos entre implantes de silicone nos seios e doenças, ou teclados de computador e danos causados por esforços repetitivos, os juizes estão questionando a adequação da ciência numa série crescente de casos. Eles também estão rejeitando casos antes do julgamento quando consideram inadequada a prova pericial. "É difícil separar o joio do trigo", diz Kevin Dunne, advogado de defesa de riscos de produto, de São Francisco. "Mas os juizes estão começando a exercer mais controle sobre a ciência." Os autores e os réus estão aplaudindo a tendência porque ela poderá manter as alegações mais dúbias fora do alcance dos júris. Por exemplo, uma doente mental recebeu US$ 1 milhão depois de sustentar que perdeu suas capacidades especiais depois de um exame minucioso do CAT ou "clear air turbulence". "O que vinha passando por ciência na sala de audiência era risível, diz Chris Parks, advogado das autoras de Port Arthur, no Texas. Uma atmosfera mais rigorosa irá afetar grandemente o excesso de casos de legitimação que abre seu caminho para o julgamento. No processo sobre os efeitos dos implantes de silicone nos seios, o aparelho anticoncepcional Norplant, e o tabaco, por exemplo, as partes irão sentir maior pressão para cumprir o prometido nas suas afirmações. "Artes de você transferir dinheiro de um litigante para outro, é melhor que você tenha certeza de que há prova científica para dar-lhe respaldo", diz o especialista em riscos de produtos. Victor E. Schwartz. Isso não é tão fácil como parece, uma vez que a ciência poderá levar anos para se desenvolver e poderá ser manipulada. E simplesmente porque um juiz pensa que se alguma ciência falha não significa que o processo em questão seja injustificado e não seria mais bem sucedido em outro tribunal. Afinal, as novas regras são provavelmente para inclinar-se a favor dos réus corporativos endinheirados, que têm o dinheiro para apoiar estudos e financiar prolongadas controvérsias sobre as provas. O tratamento mais rigoroso do chamado refugo da ciência começou com o caso do Bendectin, que levou à marcante decisão da Suprema Corte em 1993. Isso ocorreu quando a alta corte criou um novo padrão para avaliar as provas perícias. Entre os critérios, diziam aos juizes para levar em consideração se uma teoria científica havia sido adequadamente testada; se ela tinha sido submetida a uma revisão; e se ela fora publicada numa revista científica de prestígio. Embora a decisão se aplique somente às ações judiciais federais, vários estados, como o Texas e a Louisiana, pegaram carona "Não se pretendia dizer que tudo menos as três leis de Newton sobre o movimento não entravam no tribunal", diz o professor de direito da Harvard University, Charles Fired, que sustentou a ação. "O que isso queria dizer é que a ciência totalmente marginal, pouco sólida e especulativa havia tido tempos difíceis para entrar no tribunal." Até a decisão, os juizes vinham sendo relutantes em excluir as provas periciais do julgamento, preferindo em vez disso permitir que um júri avaliasse a sua importância. Durante setenta anos, os peritos já haviam testemunhado que as teorias ou técnicas de pesquisa eram geralmente aceitas no âmbito de uma comunidade científica relevante. Mas no primeiro ano depois que o tribunal estabeleceu as novas regras, as provas foram proibidas em quase duas dezenas de ações judiciais, de tudo que vai de ibuprofem - agente antiinflamatório que causa doença hepática - ao importante Retin-A e aos defeitos congênitos, segundo um estudo feito pelo professor da David E. Benstein, da Faculdade de Direito da George Mason University. Já os réus coorporativos têm rechaçado as queixas potencialmente devastadoras contra si. As empresas de telefonia celular e as concessionárias têm abafado ações judiciais alegando que a radiação de seus produtos causa câncer. Os fabricantes de teclado para computador têm conseguido decisões em processos alegando vínculos com danos ocasionados por esforços repetitivos. As empresas de medicamentos, também, têm tido algum sucesso. Num processo contra o Whitehall Laboratories Inc., fabricante do medicamento para asma Primatene, todos os cinco peritos do autor foram desqualificados. Surpreendentemente, não são apenas os médicos e os cientistas que estão enfrentando mais revisões extenuantes. Economistas, engenheiros, contadores e outros profissionais estão também sendo atormentados com interrogatórios. Numa ação judicial da Louisiana do começo deste ano contra a Volkswagen da Alemanha, um veredicto de US$ 2 milhões num processo sobre morte dolosa foi anulado depois que um tribunal de recursos classificou como não Fidedigno o testemunho de três engenheiros sobre defeitos de projeto no assento de um carro. O tribunal rejeitou as qualificações de um engenheiro que testemunhara a favor de autores da ação em vários outros processos judiciais sobre automóveis. "Embora ele possa ter um entendimento generalizado sobre a mecânica do projeto de veículos, ele não poderia fazer os necessários cálculos matemáticos ou científicos sobre os quais fundamentar as suas teorias", declarou o tribunal, observando que o engenheiro recebeu duas notas baixíssimas D e um F na escola. A ação está em fase recursal. Os autores podem aclamar melhores padrões de exigências, mas temem que os juizes vão levar isso muito longe. Eles questionam se os juristas deveriam desempenhar esses papéis essenciais em questões que eles não entendem fundamentalmente. No caso do Bendectin, por exemplo, os autores da ação dizem que seus peritos são cientistas renomados cujas conclusões são baseadas em princípios justos. "É uma questão científica básica mais bem respondida pelos cientistas", diz Mary F. Gillick, advogada das autoras Daubert e DeYoung, que em 1º de agosto solicitaram à Suprema Corte que revisse o caso. "Eu não acho que o tribunal deva pronunciar-se de forma diferente." O desejo de mais provas tem levado os advogados do processo a trabalhar sobre as ações de implante de silicone nos seios para examinar a possibilidade do financiamento de um estudo deles mesmos. Numa reunião de julho realizada em Nova York, os advogados discutiram sobre se iriam financiar nova pesquisa no montante de US$175 mil. Alguns advogados temiam' que, independentemente do resultado, os réus estigmatizariam a pesquisa como contaminada pelo dinheiro dos advogados do processo. Outros argumentaram que o grupo ganharia mais do que perderia. "A halitose é melhor do que não respirar nada", disse um advogado. A questão ficou irresolvida. Toda essa onda deixa uma coisa clara: avaliar a ciência na sala de audiência em vez de fazê-lo no laboratório é uma tarefa difícil, particularmente quando milhões de dólares estão envolvidos. Os resultados são raramente preto e branco. "Nós não estamos procurando uma verdade-cósmica", diz o professor de direito Bernstein. "Nós estamos procurando a melhor prova disponível." No momento, é o máximo que os tribunais são capazes de fazer em termos de justiça. Para! Daubert e DeYoung, ainda: não está tão perto.