Não basta ampliar cursos de Medicina nas cidades do interior do País, é preciso fixá-los onde são mais necessários, o que não vem ocorrendo
O recém-divulgado estudo Demografia Médica no Brasil 2025, parceria entre o Ministério da Saúde, a Faculdade de Medicina da USP e a Associação Médica Brasileira, revela uma fotografia preocupante sobre o avanço da medicina no país. Com 561 mil médicos formados e mais de 400 escolas médicas em funcionamento — duas de cada três privadas —, o Brasil comemora uma expansão quantitativa notável, mas que quando observada de perto, revela um quadro desigual, preocupante e carente de direção estratégica.
A promessa da interiorização das faculdades de Medicina, sobretudo a partir da década passada, tinha como meta formar médicos mais próximos de comunidades carentes, aumentando as chances de fixação profissional nas regiões historicamente desassistidas. A lógica parecia simples: formar no interior para atuar no interior. No entanto, o estudo mostra que o resultado não se concretizou. Os profissionais seguem migrando para os grandes centros urbanos, onde há melhores condições de trabalho, acesso à especialização e remuneração mais atrativa. Cerca de 70% dos médicos estão nas regiões Sul e Sudeste, enquanto o Norte e parte do Nordeste permanecem com os piores índices per capita.
A explosão de cursos privados — muitos deles instalados em cidades pequenas, sem hospitais de ensino com alta complexidade, sem corpo docente qualificado e sem estrutura de residência médica adequada — levanta uma outra preocupação: a qualidade da formação. A medicina exige conhecimento técnico, habilidades interpessoais e preparo emocional. Não se improvisa um médico em cinco ou seis anos sem os fundamentos sólidos de uma formação crítica, prática e supervisionada.
Nesse sentido, a recente aprovação do Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos (Enamed), agora estendido também para os egressos de escolas brasileiras, surge como um divisor de águas. Por um lado, é um instrumento de regulação necessário para garantir o mínimo de competência técnica de quem sai das universidades para atender vidas. Por outro, escancara o problema que parte da sociedade já intuía: o País está formando muitos médicos, mas nem sempre bons médicos.
É urgente repensar a política de formação médica. Incentivos financeiros e estruturais devem ser repensados para garantir a permanência de profissionais no interior e em regiões remotas. Programas como o Mais Médicos e outras iniciativas de contratação direta precisam caminhar lado a lado com reformas no ensino, ampliando a qualidade dos cursos e a oferta de residências. Caso contrário, o Brasil continuará empilhando diplomas e expandindo estatísticas, sem que isso se traduza em acesso real à saúde de qualidade para todos.
A saúde de um país não se mede apenas pelo número de médicos, mas pela presença deles onde são mais necessários — e pela confiança que sua formação inspira.
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