A quantidade anual de chuva pode ter caído à metade ao longo dos últimos 20 anos em regiões de Rondônia, norte de Mato Grosso e sul do Pará onde a agropecuária ocupou até 60% de áreas antes florestadas, de acordo com análises da equipe do Centro de Sensoriamento Remoto da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Publicado em 10 de maio na revista científica , esse trabalho indicou que as áreas mais atingidas pela redução da precipitação são grandes produtoras de soja.
“Financeiramente não compensa desmatar para produzir, porque em poucos anos a perda causada com a redução de chuvas será maior que o ganho de produção decorrente do aumento da área plantada”, conclui o engenheiro florestal Argemiro Teixeira Leite-Filho, da UFMG, principal autor do trabalho. “O desmatamento de um ano faz a produtividade cair já no ano seguinte.”
Causada pelo aumento do albedo (capacidade de refletir a luz solar) e pela queda na umidade liberada pela vegetação nas áreas desmatadas em comparação com a das florestas, a redução de chuva pode causar uma perda de produtividade estimada em US$ 1 bilhão (R$ 5,7 bilhões) por ano na produção de soja e carne na região amazônica, de acordo com esse estudo.
“Neste ano ainda está chovendo bastante no sul da Amazônia, por causa do La Niña [esfriamento das águas da região equatorial do oceano Pacífico], mas em anos de El Niño [aquecimento do Pacífico equatorial] a diminuição da chuva pode intensificar a seca”, diz Leite-Filho.
As análises da equipe da UFMG, coordenadas pelo geólogo Britaldo Soares-Filho, se apoiaram em informações do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Brasileira por Satélite (Prodes) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do satélite Tropical Rainfall Measuring Mission (TRMM) da Nasa, a agência espacial dos Estados Unidos, de 1999 a 2019.
Os pesquisadores avaliaram a perda de vegetação nativa e a redução da precipitação em células de 28, 56, 112 e 224 quilômetros quadrados (km2) em uma área total de 1,9 milhão de km2, do sul da região amazônica, do Acre ao Tocantins (). O trabalho contou com apoio do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Tecnológicas (CNPq), Banco Mundial e Fundação de Pesquisa da Alemanha (DFG).
“A ciência já alerta para a possibilidade há mais de 10 anos, mas esse trabalho é o primeiro a quantificar o prejuízo econômico decorrente da diminuição da chuva”, diz o físico Paulo Artaxo, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP), que não participou do estudo. Especialista na pesquisa sobre aerossóis e membro da coordenação do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG), ele foi um dos autores do trabalho que em 2016 mostrou como partículas de aerossóis influenciam a formação e o desenvolvimento de nuvens na Amazônia.
De imediato, em escala local, o desmatamento pode aumentar a quantidade de chuva, de acordo com um estudo publicado em junho de 2003 na . “As áreas desmatadas ficam mais quentes, o albedo muda e surgem circulações de correntes de ar que favorecem o aumento da chuva”, diz um dos autores do trabalho, o meteorologista Luiz Augusto Machado, filiado ao Instituto Max Planck da Alemanha e ao IF-USP, após se aposentar no Inpe.
Esse efeito desaparece, porém, quando a área sem vegetação nativa se amplia. “Quando o desmatamento alcança grandes proporções, com a perda da vegetação nativa em centenas de hectares, o efeito da circulação atmosférica local torna-se muito limitado e ocorre claramente uma redução da precipitação”, acrescenta Machado. Ele alerta: “O prejuízo é muito maior se considerarmos que o desmatamento na Amazônia reduz drasticamente a chuva nas regiões Sul e Sudeste”.
Estação chuvosa mais curta
Leite-Filho observou outro efeito do desmatamento: o adiamento do início e o encurtamento em cerca de 30 dias da estação chuvosa no sul da Amazônia, de acordo com um trabalho que publicou em setembro de 2019 na . As chuvas, que nessa região normalmente começam em setembro e seguem até abril, indicam o que e quando plantar.
Em dezembro de 2020, o jornal noticiou que as chuvas irregulares e em uma quantidade 50% menor que a média desde agosto já haviam causado uma perda de 7,3 milhões de toneladas de grãos, principalmente soja, milho e arroz, em todo o país na safra 2020/21.
“O desmatamento também tem aumentado a frequência e a duração dos veranicos”, diz o pesquisador. Veranicos são períodos secos em meio à estação chuvosa que prejudicam o desenvolvimento das culturas agrícolas.
Artaxo ressalta: “Se o desenvolvimento brasileiro depender da venda de carne, soja e outras agrícolas a serem produzidas no Brasil Central, é melhor preservar a Amazônia para continuar a ter chuva abundante na região”.