Registros de estudo publicado na revista Science são evidências de alterações na floresta, como aldeias fortificadas e estruturas cerimoniais, entre outros
Um número entre 10 mil e 23 mil sítios arqueológicos indígenas pré-colombianos estão escondidos sob a densa Floresta Amazônica – é o que estima um estudo publicado recentemente na revista científica Science
A pesquisa, liderada pelos brasileiros Vinicius Peripato e Luiz Aragão , do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais do Brasil (INPE), utilizou a tecnologia de sensoriamento remoto e emissão de faixas de lazer conhecida como LiDar para identificar 24 sítios até então não documentados. O resultado? A revelação do estilo de vida de sociedades complexas que lá viveram há milhares de anos.
Embora já fosse sabido que sociedades indígenas habitavam a bacia amazônica há pelo menos 12 mil anos, era difícil encontrar evidências desta presença no local devido à alta densidade da floresta
Com a tecnologia do LiDar, porém, fotografias aéreas revelaram extensos geoglifos e alterações em uma paisagem que corresponde a 0,08% da Amazônia, segundo a varredura inicial da ferramenta.
Realizadas entre 1.500 e 500 anos atrás, estas modificações foram moldando a floresta à composição que se conhece hoje. Elas incluem aldeias fortificadas, estruturas cerimoniais, assentamentos em topos de montanha e geoglifos.
Outra descoberta foi quanto aos sinais de domesticação de árvores , que sugerem a prática de silvicultura por parte de algumas sociedades. Isso significa que certas espécies vegetais foram intencionalmente manejadas para estarem mais próximas aos assentamentos, a fim de melhor prover alimentos e recursos.
Alguns exemplos do fenômeno em questão são a castanha-do-pará ( Bertholletia excelsa ), a macaúba ( Acrocomia aculeata ), o araticum ( Annona montana ), a pupunha ( Bactris gasipaes ) e o açaí Euterpe oleracea ), entre outras.
O estudo utilizou também modelos de distribuição para comparar a abundância dos sítios arqueológicos de grande escala por toda a área mapeada. Junto aos 961 sítios já encontrados anteriormente através metodologias mais tradicionais, os novos dados sugerem a existência de 10 mil a 23 mil sítios arqueológicos semelhantes e ainda desconhecidos na Amazônia.
Apesar da modificação das terras mapeadas pelos povos originários, é importante dizer que estas alterações não tinham caráter destrutivo, mas, sim, utilitário através da preservação. A domesticação das árvores, por exemplo, não comprometia o desenvolvimento florestal, segundo explicou Vinicius em entrevista à Agência Pública.
O trabalho é multidisciplinar e foi elaborado por 230 pesquisadores, de 156 instituições do Brasil e de mais 23 países. E ele é relevante e urgente por duas razões: a primeira é a confirmação da existência de sociedades complexas e estruturadas na bacia amazônica muito antes da chegada dos europeus às Américas.
A segunda é devido ao atual contexto político referente ao marco temporal, aprovado recentemente pelo Congresso Nacional e segundo o qual os povos indígenas teriam direito de ocupar somente as terras que ocupavam ou disputavam em 5 de outubro de 1988 – data de promulgação da Constituição brasileira.
Acontece que, como demonstra o estudo, a presença indígena nas terras da Amazônia é anterior a 1988, data considerada arbitrária por alguns pesquisadores contrários ao marco temporal. Isso porque muitos dos indígenas descendentes dos povos originários amazônicos poderiam não estar em suas terras no momento da promulgação da Constituição devido à expulsão – e assim, não teriam direito à reivindicação do espaço segundo a tese jurídica.
"Estes legados arqueológicos podem desempenhar um papel nos debates atuais em torno dos direitos territoriais indígenas. Eles servem como prova tangível da ocupação, do modo de vida e da relação de um ancestral com a floresta", dizem os autores no artigo.
Eles escrevem que, hoje, os povos indígenas lutam para reconhecer o seu direito às terras originalmente habitadas pelos seus antepassados, juntamente com a proteção dos seus territórios, línguas, culturas e heranças.
"Além de proteger os povos originários que permanecem, a instituição das Terras Indígenas também colabora com a conservação das florestas em tempos de debates sobre mudanças climáticas e de busca por soluções que minimizem os impactos ao clima e promovam a neutralidade carbônica", completam.