Estudo nacional aponta concentração de especialistas fora do SUS, disparidade regional e crescimento consistente da participação feminina na medicina.
Um novo estudo sobre a força de trabalho médica no Brasil revela transformações importantes na oferta de serviços de saúde e na composição profissional da categoria. A pesquisa Demografia Médica 2025, divulgada nesta quarta-feira (30), aponta que os médicos especialistas estão mais concentrados na rede privada e na região Sudeste. Além disso, pela primeira vez, as mulheres ultrapassaram os homens em número e passaram a ser maioria entre os profissionais da medicina no país.
A análise também mostrou que pacientes com plano de saúde são submetidos a mais cirurgias, proporcionalmente, do que os atendidos exclusivamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O levantamento se debruçou sobre os três procedimentos cirúrgicos mais comuns no país: remoção do apêndice, retirada da vesícula biliar e correção de hérnias da parede abdominal.
No caso da apendicectomia, considerada a cirurgia de urgência mais frequente, a taxa entre beneficiários de planos de saúde foi de 100 procedimentos por 100 mil habitantes — número 34,4% maior do que o registrado no SUS. Ainda assim, o sistema público foi responsável por 70% das intervenções em 2023. A diferença aumenta em outros casos: a taxa de retirada da vesícula biliar foi 58,7% mais alta na rede privada, e as correções de hérnias abdominais apresentaram uma disparidade de 86,6%.
Apesar de o SUS continuar realizando a maior parte dos procedimentos em termos absolutos, a rede privada se destaca pela intensidade da oferta. A pesquisa revela ainda que 70% dos cirurgiões atuam em ambos os setores, enquanto 20% trabalham exclusivamente na rede privada e apenas 10% atuam somente no sistema público. Um dado adicional preocupa: 8% das cirurgias são canceladas por falta de equipe, com destaque para a escassez de anestesistas.
Diante do cenário, especialistas alertam para a necessidade de ampliar o acesso às cirurgias pelo SUS, bem como fortalecer parcerias com instituições privadas, onde hoje se concentra boa parte dos médicos com título de especialista.
Concentração geográfica e desigualdade
O estudo aponta que o Brasil contava, até dezembro de 2024, com 353.287 médicos especialistas, representando 59,1% do total de profissionais da área. Os outros 40,9% são generalistas — médicos formados, mas sem especialização reconhecida. Mesmo com o avanço, o índice brasileiro ainda está abaixo da média dos países da OCDE, que é de 62,9%.
Sete especialidades concentram mais da metade dos especialistas no país: Clínica Médica, Pediatria, Cirurgia Geral, Ginecologia e Obstetrícia, Anestesiologia, Cardiologia e Ortopedia/Traumatologia.
A maioria dos títulos foi obtida por meio da Residência Médica (63,7%), enquanto 36,3% conseguiram a especialização por meio de exames promovidos por entidades médicas. Entre os especialistas, 79,1% possuem um único título, enquanto 20,9% têm mais de uma especialização.
A distribuição de médicos pelo território nacional, no entanto, continua desigual. Enquanto o Distrito Federal e o Rio Grande do Sul apresentam, respectivamente, 72,2% e 67,9% de especialistas em relação ao total de médicos, estados como Rondônia (46,5%) e Piauí (45,1%) ficam bem abaixo da média nacional. A região Sudeste lidera com 55,4% dos especialistas, seguida pelo Sul (16,7%), Nordeste (14,5%), Centro-Oeste (7,5%) e Norte (5,9%).
Mulheres assumem protagonismo na medicina
Um marco histórico também foi registrado em 2025: as mulheres tornaram-se maioria entre os médicos brasileiros, representando 50,9% da categoria. Esse avanço é significativo quando comparado a 2010, ano em que elas eram apenas 41% do total. As projeções indicam que, até 2035, as mulheres responderão por 56% dos médicos em atividade no país.
Nos cursos de Medicina, o predomínio feminino é ainda mais acentuado. Em 2023, elas representavam 61,8% dos matriculados, frente a 53,7% em 2010. Apesar disso, mulheres são maioria em apenas 20 das 55 especialidades reconhecidas. A Dermatologia é a área com maior representatividade feminina, com 80,6% de mulheres.
Retrato atualizado da medicina brasileira
Pela primeira vez, o estudo incorpora um Atlas da Demografia Médica, reunindo dados detalhados por estado e por especialidade médica. O material traz ainda análises sobre a formação médica, a produção de cirurgias, a renda dos profissionais e os vínculos empregatícios no setor.
Realizado por pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, o estudo envolveu 22 especialistas e contou com o apoio de diversas instituições, como o Ministério da Saúde, o Ministério da Educação, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), a Associação Médica Brasileira (AMB) e a FAPESP.
O material serve como base para políticas públicas e oferece um diagnóstico aprofundado do cenário médico brasileiro, essencial para a formulação de estratégias que ampliem o acesso, distribuam melhor os profissionais e fortaleçam o atendimento no sistema público de saúde.
Por Paloma de Sá | GNEWSUSA