O 'Electrophorus voltai', uma espécie de enguia que pode chegar a dois metros e meio de comprimento, é capaz de dar choques de 860 volts
RIO — Um grupo de mais de 20 pesquisadores de cinco nacionalidades diferentes descobriu uma nova espécie de peixe que tem a maior descarga elétrica de um animal.
O Electrophorus voltai , uma espécie de poraquê — enguia que pode chegar a dois metros e meio de comprimento —, é capaz de dar choques de 860 volts.
A pesquisa também mostra que, ao contrário do que se acreditava até agora, há três espécies de poraquê, e não apenas uma.
O estudo faz parte de um projeto maior, que está em andamento, com o objetivo de descrever a maioria dos peixes elétricos sul-americanos e construir uma árvore da vida para eles.
— Do ponto de vista da biodiversidade é muito interessante, quase surreal, nós encontrarmos uma espécie que é de um grupo conhecido por mais de 250 anos — conta o brasileiro David de Santana, que é um dos pesquisadores. — Se uma espécie dessa pode ser encontrada, imagina o que pode ser descoberto na Floresta Amazônica?
O projeto, que começou em 2014 e teve apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e de outras instituições, analisou 107 animais nas regiões amazônicas do Brasil, Guiana, Suriname e Guiana Francesa.
Os pesquisadores, a princípio, tentaram examinar apenas a anatomia dos peixes. Como viram que com isso não seria possível realizar o trabalho, resolveram analisar o DNA e os tecidos.
A partir daí, viram que o poraquê tinha, na verdade, três espécies diferentes. Os resultados foram publicados na revista “Nature Communications”.
— As três (espécies) têm descarga elétrica. O poraquê pertence a uma ordem dos peixes elétricos sulamericanos, que, além deles, têm mais de 250 espécies. Entre elas, só os poraquês podem produzir essa descarga forte — explica Santana.
Santana — que também é pesquisador-associado do Museu Nacional de História Natural, administrado pelo Instituto Smithsonian, nos Estados Unidos — explica que a maioria das espécies de peixes elétricos utiliza as descargas elétricas para eletrocomunicação e navegação. Já os poraquês também usam a eletricidade para defesa e caça.
Dá choque, mas não mata
Apesar de a voltagem do peixe ser, segundo os pesquisadores, a mais alta já registrada em um animal até hoje, ela está longe de ser letal para um humano em condições normais.
— Eu não sei de nenhum caso que alguém tenha morrido por um choque de poraquê. Apesar de ser uma descarga forte, ela tem pouca duração, de um a três segundos, e não é uma descarga contínua. Por exemplo, uma tomada de parede pode gerar até 220 V, ou seja, quatro vezes menos que uma do poraquê, porém a da tomada é contínua — diz o pesquisador. — A descarga do poraquê causa dor, uma contração involuntária do músculo e causa dormência. Por exemplo, se você tomar o choque fora da água, ele não te mata. Mas, se estiver com água até a cintura, pode desmaiar e se afogar.
Outra descoberta do trabalho é que, ao contrário do que era dito, os poraquês não são solitários e podem se reunir em grupos de até dez peixes.
Além do Electrophorus electricus — que era o poraquê já conhecido —, e do Electrophorus voltai , os pesquisadores também descobriram o Electrophorus varii .
O nome deste é uma homenagem ao zoólogo Richard P. Vari, pesquisador do Smithsonian, morto em 2016. Vari foi co-orientador de Santana durante seu doutorado, além de supervisor dele no Museu de História Nacional dos EUA por muitos anos.
— Isso é algo que me deixou muito feliz pelo lado pessoal. E, para mim, que já descrevi mais de 80 espécies elétricas, este trabalho foi o mais difícil justamente porque esses peixes morfologicamente são muito parecidos. Essa foi uma das razões para que essas duas espécies ficassem escondidas — conta Santana.
Habitats distintos
Além de diferenças no corpo, as duas novas espécies de poraquês habitam em lugares com características diferentes.
A Electrophorus varii fica nas terras mais baixas da Amazônia, onde há águas escuras e também pouco oxigênio no local.
Já os integrantes da Electrophorus voltai moram nas partes mais altas da Amazônia. Geralmente, regiões com cachoeiras, águas bem oxigenadas e claras.
A pesquisa contou com diversos integrantes, como pesquisadores da Instituição Smithsoniana, Museu de Zoologia da USP, Universidade Federal do Pará (UFPA), Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Instituto Chico Mendes da Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Museu Paraense Emílio Goeldi, Universidade Federal do Oeste do Pará e Universidade Federal do Maranhão.