Detecção entre os animais ajuda a evitar propagação da doença, ocorrências urbanas e mais mortes humanas
DA AGÊNCIA ANHANGÜERA
marcelo.andriotti@rac.com.br
Os macacos se transformaram em vilões após as notícias de aumento do número de mortes humanas causadas por febre amarela, principalmente na região Centro-Oeste do País. As pessoas mortas foram, provavelmente, infectadas por mosquitos que anteriormente picaram macacos doentes. Mas especialistas dizem que os primatas na verdade são heróis, pois são vítimas como os humanos e a detecção de casos primeiro entre eles ajuda a evitar epidemias, casos urbanos e mais mortes de pessoas.
"Os macacos fazem o que chamamos de papel de sentinela. Quando você começa a detectar a presença de primatas mortos, é um indicador de que possa estar ocorrendo casos de febre amarela naquela região. Isso possibilita iniciar campanhas preventivas e de vacinação antes que a doença se espalhe e cause muitas mortes humanas", disse Elson Fernandes de Lima, estudante de ecologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro.
Elson está fazendo uma pesquisa como trabalho de conclusão de curso sobre a ocorrência de primatas em matas de Campinas sob orientação da professora Eleonore Zulnara Freire Setz, do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O trabalho é financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e recebeu equipamentos das organizações internacionais Idea Wild e Neotropical Grassland Conservancy.
No levantamento, iniciado em junho do ano passado, já foram avaliadas cinco áreas de mata e encontrados 93 macacos, entre micos e bugios. Nenhum animal morto por doença foi achado, o que reforça a informação da ausência da febre amarela na região de Campinas.
Os transmissores da febre amarela são os mosquitos e há a possibilidade de outros animais serem hospedeiros além de macacos, como marsupiais e preguiças. Há casos registrados em que a área de contaminação não tinha primatas e anticorpos do vírus da febre foram encontrados em marsupiais. Há também registros de mosquitos que já nascem com o vírus, podendo transmitir a doença para humanos mesmo sem ter picado animais doentes. Isso ocorre porque o vírus pode invadir células do ovários dos mosquitos, dando origem a insetos já infectados e que podem fazer a transmissão vertical.
A desinformação está preocupando o Centro de Proteção de Primatas Brasileiros do Instituto Chico Mendes, ligado ao Ministério do Meio Ambiente. Há registros de casos de moradores de Tocantins e Goiás que estão matando macacos ou erradicando matas próximas de áreas urbanas acreditando que assim afastam o risco da doença.
Além de matar animais que não são transmissores e de erradicar matas, esses procedimentos podem facilitar a volta da febre em áreas urbanas, que está erradicada no Brasil desde a década de 40. A forma correta de evitar a doença é a vacinação para quem mora ou vai para matas em áreas endêmicas e o combate aos mosquitos Haemagogus, Sabethes e Aedes aegypti, transmissores da doença.
Acompanhamento
O trabalho realizado por Lima não é inédito e já foi feito em diversas matas de Campinas. O importante é que o levantamento seja realizado com regularidade para avaliar as características e mudanças na população de primatas na cidade. A comparação com outras pesquisas anteriores ajuda a avaliar mudanças e detectar possíveis problemas.
Lima pretende avaliar, até o final do ano, pelo menos dez áreas de fragmentos nas regiões de Mata Atlântica ainda restantes em Campinas. Ele restringiu sua pesquisa à Área de Proteção Ambiental (APA) de Sousas e Joaquim Egídio. "Esses fragmentos de mata ficam todos em propriedades particulares, não há áreas públicas preservadas nessa região. Por isso, eu dependo de autorização dos proprietários para realizar a pesquisa. Muitos são receptivos, mas outros não me recebem nem para conversar", disse o pesquisador.
Lima percorre as matas abrindo trilhas ou usando as que já existem e busca a presença de primatas. Eles costumam andar em bandos bem definidos, geralmente com um macho adulto, fêmeas e filhotes. O pesquisador leva um aparelho de GPS para marcar o local exato onde os animais são encontrados, máquina fotográfica digital, binóculos e caderno de anotações. Ele marca o número de indivíduos, tipo, sexo e características físicas.
"Os machos e fêmeas podem ser diferenciados pela cor da pelagem. A contagem é feita registrando as características do grupo e de seus integrantes, que dificilmente se misturam com outros grupos. Eles são uma espécie de harém e a mudança só acontece quando outro macho assume a liderança", disse Lima.
Estudo avalia ainda a densidade de primatas
No levantamento feito por Lima em Campinas e em outros estudos realizados está sendo avaliada a densidade de primatas nas matas. A idéia inicial era de que nas áreas maiores, onde há mais variedades de alimentos e espaço para reprodução, o número de primatas por quilômetro quadrado fosse maior. Mas os resultados estão sendo diferentes, com maior densidade em áreas menores. "Os macacos costumam encontrar mais cipós, insetos e outros alimentos nas bordas das matas, nas proximidades de zonas rurais ou urbanas. No centro das matas há menos opções de alimentos para os primatas. Por isso, em áreas menores há maior facilidade de encontrar alimentos e a densidade é maior", diz Lima. Ele também cita o fato de que em matas menores não há predadores dos primatas, como onças-pardas e jaguatiricas, que necessitam de maior extensão para sobreviver. As matas também ganham com a maior presença dos macacos, pois as sementes dos frutos que eles comem são espalhados pela floresta e proximidades por meio de suas fezes. "As sementes nas fezes dos macacos tem maior chance de fertilizar. E, além disso, elas são levadas para longe das árvores de origem, espalhando as espécies", afirma o pesquisador. (MA/AAN)
O NÚMERO
2,5 POR CENTO - Da área de Campinas ainda tem Mata Atlântica preservada
Região estudada tem cerca de 79 hectares
Campinas ainda tem cerca de 2,5% de sua área em Mata Atlântica preservada, encontrada em áreas fragmentadas e isoladas. As maiores são a Santa Genebra e Ribeirão Cachoeira, com 250 e 235 hectares cada, respectivamente. A região estudada por Lima tem cerca de 79 hectares e dentro dela ele fará o levantamento em dez fragmentos.
Dos cinco fragmentos em que conseguiu autorização até agora, três foram estudados e 93 animais encontrados. Entres eles há 41 micos-estrela, 29 bugios, 12 sagüis híbridos e 11 sagüis-do-nordeste. Entre os sagüis encontrados, o Callithrix jacchus apresenta pêlos periauriculares, próximos dos ouvidos, em forma de tufos brancos em leque aberto, normalmente de igual comprimento, enquanto o Callithrix penicilatta apresenta os pêlos periauriculares marrom-escuro em forma de pincel, com os comprimentos dos pêlos de tamanhos diferentes. Híbridos entre essas duas espécies apresentam pêlos pretos e brancos, com formato variado, podendo ter pincéis com pêlos brancos e leques com pelos escuros. Há ainda o Callithrix aurita, conhecido com sagüi-da-serra-escuro.
Os sagüis adultos pesam em torno de 400 gramas. Os bugios são maiores, podendo chegar a até sete quilos na fase adulta dos machos. As duas espécies se alimentam de insetos, frutos e folhas, sendo que os sagüis também se alimentam da seiva das árvores. Em áreas muito grandes e contínuas há frutos o ano todo, mas em locais menores e fragmentados isso não ocorre. Por isso, esses primatas variam a alimentação.
Por essa razão, primatas como os sauás, que só se alimentam de frutos, não estão sendo encontrados nessas regiões. O pesquisador disse que na cidade também há registros da existência de macacos-prego, mas ele ainda não localizou nenhum nas propriedades estudadas. (MA/AAN)