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Longe do Ideal

Publicado em 31 março 2012

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Nos últimos dez anos, o cenário do desenvolvimento de tecnologias no Brasil, assim como nos demais países emergentes, começou a mudar um pouco, para melhor. Neste período, a produção de conhecimento, sobretudo no setor de telecomunicações, aumentou consideravelmente, como resultado do foco maior do governo no incentivo à produção local. Mesmo assim, engana-se quem acredita que o Brasil virou um mar de rosas no que diz respeito ao desenvolvimento tecnológico e à produção local de equipamentos com alto valor agregado.

Ao mesmo tempo, os investimentos em tecnologia, embora tenham avançado, ainda carecem de medidas mais efetivas para um desenvolvimento pleno, segundo especialistas ouvidos por TELETIME.

A solução para colocar o Brasil de vez numa curva ascendente de crescimento econômico e social, por meio da consolidação de uma indústria forte na área de tecnologia, seria  a adoção de medidas mais robustas para incentivar o desenvolvimento nacional e a criação de empregos em cargos ‘estratégicos’, como engenheiros e desenvolvedores de sistemas. “Precisamos de uma política industrial e tecnológica que pense no longo prazo, assim como ocorreu na Ásia”, afirma o diretor de gestão da inovação do CPqD, Antonio Carlos Bordeaux.

Essa política seria, na visão de Bordeaux, um conjunto de medidas para alavancar as pesquisas e a produção local, incentivando a formação qualificada de pessoas para atuar em áreas estratégicas. “Avançamos, mas hoje temos dificuldades para competir com outros mercados que oferecem preços baixos e têm um volume de pesquisas maior, com pessoal capacitado para gerar conhecimento”. Opinião semelhante tem Arthur João Catto, superintendente do Instituto  de Pesquisas Eldorado, que atua na área de TICs e gestão. Para ele, as medidas tomadas até agora pelo governo ainda  são preliminares. “Falta um plano estratégico completo, que ataque as diversas áreas que travam o nosso desenvolvimento tecnológico. O que temos hoje é o governo identificando os alvos e atirando em uma por vez”, analisa.

Entre os problemas mencionados tanto por pesquisadores quanto por executivos das empresas estão taxas e impostos cobrados no Brasil e um processo legislativo em geral engessado e fisiológico. “Se não agirmos, vamos perdendo uma coisa atrás da outra. Hoje a indústria de componentes está toda no Sudeste da Ásia e isso inibe que as empresas venham montar ou criar projetos aqui”, conclui Catto.

Mesmo assim, os avanços conseguidos pelo Brasil na última década são significativos e ao parte deles pode ser creditada à Lei de Informática e às exigências previstas na Medida Provisória 495. Elas cobram percentuais de tecnologia nacional e produção local nos produtos comercializados em território brasileiro. Em troca, empresas que cumprem as quotas têm direito a incentivos fiscais ou vantagens na hora de disputar licitações públicas “O maior propulsor do P&D no Brasil é, sem dúvida, a Lei de Informática”, afirma Catto, do Instituto Eldorado.

Outro ponto de inflexão na relação entre o mercado brasileiro e as multinacionais estrangeiras é a crise econômica, que acomete algumas das maiores economias do mundo desde o final de 2008. Mais dependentes de receitas vindas de suas subsidiárias em nações emergentes, as grandes companhias se mostram mais dispostas a negociar e a ceder quando o assunto é aumentar os investimentos nestes países como condição para atender o mercado interno, apontam especialistas.

A visão Empresarial

Embora o desenvolvimento tecnológico no Brasil ainda enfrente dificuldades, os investimentos  em P&D evoluíram no país ao longo dos últimos 10 anos .

A maioria dos projetos feitos no Brasil na área de Telecom, contudo é na área de software para handsets ou de complemento e adequação ao mercado interno de produtos feitos no exterior. De acordo com estudiosos, esta linha de pesquisa representa quase 80% do conhecimento produzido por universidade e centros de pesquisa no Brasil. Uma das principais áreas desenvolvidas é a área de sistema operacional para smarthphones e adaptações da plataforma Android para os aparelhos que serão vendidos no mercado brasileiro.

Mesmo assim, em alguns recursos desenvolvidos por centros de pesquisa nacionais chegam a ganhar projeção internacional e equipar devices vendidos em diversos países.  Exemplo é o aplicativo MotoDev , produzido pelo Instituto Eldourado  em parceria com a Motorola. O programa é uma plataforma aberta de desenvolvimento de sistemas que rendem em aparelhos com Android. Durante conferência internacional promovida pela fundação canadense Eclipse, em 2011. O motoDev foi apontado como aplicativo livre mais amigável.

Por sua vez as indústrias defendem a postura de desenvolvimento maciço de software no Brasil, e não hardware, sob alegação de que os projetos de criação de novos produtos fazem parte de estratégias globais. Desta maneira, o desenvolvimento é feito em conjunto entre os diversos centros P&D mantidos por determinada companhia ao redor do mundo. Neste caso, a atribuição que cada país tem na elaboração do produto final depende do que mais convém ã empresa. “Software não precisa de um ecositema grande, enquanto hardware precisa”, diz a diretora da P&D da Motorola Mobility, Rosana Fernandes. A afirmação da executiva baseia-se no fato de a indústria brasileira, mais especificamente a de componentes eletrônicos, estar em declínio o que encarece o produto final com o transporte de semicondutores e placas da Ásia para a montagem no Brasil. “Temos dificuldades para desenvolver hardware e outros equipamentos aqui porque faltam fornecedores e ainda não há  aspectos logísticos que tornam o tempo de desenvolvimento no País mais longo”.

Desindustrialização

O vice-presidente de novos negócios da Samsung, Benjamin Sicsú, complementa este raciocínio ressaltando que o “movimento de desindustrialização que afeta o país e inibe a competitividade nacional impede que aja um desenvolvimento mais robusto de equipamentos com alto valor agregado”. Na visão dele, a falta de estímulo para a exportação especialmente de produtos.

P&D

Com alto grau de tecnologia fabricados por empresas brasileiras, restringe o consumo destes materiais ao mercado interno, ainda insuficiente para justificar investimentos em larga escala por parte das empresas. “Precisamos de um programa que estimule a competitividade com outros mercados, no qual as empresas possa desenvolver e montar o produto final no País”. Ele ressalta que desde a década de 1990, com a valorização da moeda nacional frente ao dólar, as multinacionais passaram a achar mais interessante investir na Ásia. “Hoje o nosso maior déficit é em telas de LCD. E as medidas tomadas pelo governo, embora boas, não possibilitam uma retomada dessa indústria. Afinal, temos que pensar em exportar; não dá para fazer indústria só para o Brasil”.

Outro entrave para o sonho de desenvolvimento de uma indústria brasileira forte, com fabricação e desenvolvimento local de tecnologia, é a escassez de mão-de-obra qualificada. Hoje o País consegue formar, em média, 40 mil engenheiros por ano, quase um quinto dos 190 mil graduados na Rússia, no mesmo período. Já a Índia chega a colocar no mercado 220 mil engenheiros anualmente, enquanto a China certifica 650 mil pessoas por ano capacitadas para atuar com P&D. Tendo em vista que o País almeja se tornar uma potência tecnológica, a falta de pessoas para atuar em centros de pesquisa públicos, privados e em universidades é alarmante.

Segundo estimativa do Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Confea), o Brasil tem um déficit de 20 mil profissionais por ano. O diretor de inovação em negócios da Ericsson, Jesper Rhode, afirma que a falta de profissionais para algumas áreas-chave prejudica planos de crescimento e, consequentemente, mais investimentos em P&D num curto prazo. “É um dos desafios, porque gera pressão inflacionária”, comenta ao afirmar que em alguns casos o custo da mão-de-obra chega ser mais caro do que nos Estados Unidos, por exemplo. Desde 2001 a empresa conta com centro de pesquisas em Indaiatuba, interior de São Paulo, onde 350 pessoas trabalham em estudos que podem gerar novos produtos ou melhorar a qualidade daqueles já existentes. O projeto de desenvolvimento tecnológico no Brasil custou R$ 850 milhões à companhia desde sua criação e, neste ano, deve demandar mais R$ 50 milhões, segundo Rhode. “Temos aproximadamente 20 projetos ativos e parcerias com centros de pesquisa e universidades brasileiras”.

A LG, fabricante de celulares, também está entre as companhias que investem em desenvolvimento local de softwares, segundo o gerente de produtos e celulares da marca, Rodrigo Ayres. Atualmente a companhia aporta 10% de sua receita em pesquisas, que geram aplicativos tanto para os aparelhos telefônicos quanto para as smart TVs que são vendidas no mercado local. “Nossa estratégia aqui é baseada nisto porque conseguimos desenvolver bem essa competência, com profissionais criativos para está área”.

Crescimento moderado

Em 2010 foram investidos R$ 11.6 bilhões em P&D em todo o Brasil, segundo o levantamento “Indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação em São Paulo 2010”, realizado pela Fapesp. Este valor considera a penas o montante declarado por empresas e governos. O estudo, que traça um panorama dos aportes na área  por parte das três esferas de governo do País, revela também que embora a União e os Estados invistam relativamente muito em pesquisas relevantes para o desenvolvimento do Brasil, o mesmo não ocorre quando analisado o montante aportado por município: “investimentos municipais em P&D não afetam muito os resultados dos investimentos totais na área pois os aportes municipais têm uma participação menos do que 1% de todo dinheiro investido.

Em 2007, por exemplo, a consolidação dos balanços feitos pela secretária do Tesouro Nacional acusava um montante de R$ 54,2 milhões, relata a pesquisa feita com base em analises do IBGE, que desde 2005 analisa o avanço de P&D em três segmentos de sérvios: telecomunicações: atividades de informática e sérvios relacionados: e pesquisas e desenvolvimento.

Tais segmentos responderam por 30,4% do total de dois dispêndios na área, diz o estudo. Ao mesmo tempo, os serviços de P&D responderam sozinhos por 19,3% desse montante. Diante di salto econômico e social do Brasil na ultima década e impulsionada pelos investimentos públicos e privados em P&D, a qualidade de produtos “inovadores”desenvolvidos e registrados no País aumentou 64% entre 2001 e 2010, enquanto na Europa e no Japão, os pedidos recuaram 30% e 25%, respectivamente.. Mas, em números absolutos, a defasagem ainda é gritante. Neste período foram registrados 130 mil pedidos de patente para produtos brasileiros considerados inovadores, conforme as normas do DWPI, um dos maiores bancos de patentes do mundo. Na mesma década, a China superou os EUA e teve três milhões de registros. A maior parte destes, entre 2007 e 2010. Já os pedidos registrados n sistema global de patentes PCT (Patent Cooperation Treaty) aumentou 43% nos últimos quatro anos. Em 572 pedidos, segundo estimativas da Organização Mundial da propriedade Intelectual (OMPI).

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