Mesmo com a perda parcial do status de locomotiva do Brasil, devido à emigração crescente de setores importantes da indústria para outras regiões do país, São Paulo não se dobra à guerra fiscal que vem alimentando esse processo nem ao Consenso de Washington, que praticamente alijou dos gabinetes de Brasília qualquer iniciativa favorável a uma política industrial. Mas foi por falta dela. segundo afirma nesta entrevista à revista Metalurgia & Materiais o empresário Ruy Martins Altenfelder Silva, secretário de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo que a balança comercial brasileira tem tido um desempenho tão frágil. Altenfelder, que também dirige o Instituto Roberto Simonsen. vinculado à Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), gosta de formular políticas, mas sempre foi mais sensível às idéias de quem produz. Daí a sua insistência em favor de uma orientação econômica no Brasil que priorize as cadeias produtivas mais competitivas, com amadurecimento tecnológico suficiente para disputar o mercado global. Altenfelder é favorável ainda a uma diplomacia mais focada em resultados econômicos - como já vem acontecendo - utilizando-se do conhecimento para brigar contra o protecionismo que bloqueia o acesso dos produtos brasileiros lá fora, como é caso do aço nos Estados Unidos.
Metalurgia & Materiais - Qual é a relação entre o desempenho de nossa balança comercial e a falta de uma política industrial?
Ruy Martins Altenfelder Silva - A política industrial tem dado margem a interpretações polêmicas: há aqueles que entendem que ela não deve ser algo escrito e institucionalizado, mas sim uma prática de mercado. Na minha opinião, essa dicotomia não é correta. Eu acho que uma das funções do Estado é balizar o rumo econômico do país. definindo onde e como ele deve crescer. Nesse sentido, é necessário definir uma política industrial pura que o setor produtivo atue com segurança, mas assumindo, evidentemente, os riscos inerentes aos investimentos nos negócios. Portanto, uma política industrial adequada ao Brasil deveria estar focada no bom desempenho de diversas cadeias produtivas, buscando estabelecer, por meio delas, um processo de desenvolvimento harmonioso.
Um exemplo gritante sobre as conseqüências da falta de unia orientação nesse sentido é o que está acontecendo com as matérias-primas intermediárias para o setor de telecomunicações. Por falta de uma política industrial, nós importamos quase tudo nessa área. Resultado: grande parte do déficit de nossa balança comercial - algo em torno de US$ 8 bilhões - deve-se ao desequilíbrio doméstico entre a oferta e demanda desses produtos. Se tivéssemos uma política voltada à eletroeletrônica. seguramente teríamos financiamentos disponíveis, despertando o interesse do setor privado em investir nessa área. Eu acho que o caminho para uma política industrial sustentável é avançar no adensamento das cadeias produtivas, respeitando suas especificidades. principalmente em relação à competitividade e ao grau de atualização tecnológica.
M & M - O país já recuperou-se totalmente das seqüelas deixadas pela reestruturação produtiva? Por que a indústria investe pouco em pesquisa e desenvolvimento?
Altenfelder - Eu costumo fugir das generalizações, por entender que a indústria brasileira como um lodo não é homogênea. A heterogeneidade sempre foi uma característica marcante nos setores produtivos e como tal, os mais dinâmicos recuperando-se mais rapidamente do que outros, adquirindo a competitividade necessária para enfrentar os desafios da globalização. Por outro lado, indicadores recentes têm demonstrado uma fantástica mudança de atitude dos agentes econômicos em relação ao papel estratégico dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento. Uma prova disso é a procura do setor empresarial por projetos de ciência e tecnologia desenvolvidos nas nossas três universidades (USP. Unesp e L nicunip). além da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares dpen). Mas é imprescindível reconhecer que o protecionismo vigente até há pouco tempo no país. assim como a forte presença de multinacionais que importavam pacotes prontos da matriz, funcionou como de-sestímulo ao investimento cm pesquisa e desenvolvimento. Hoje. o protecionismo acabou e quem não for competente para desenvolver ou buscar ferramentas capazes de ganhar competitividade e dar saltos qualitativos não sobrevive.
M & M - Qual a contribuição que o setor público pode dar nesse sentido?
Altenfelder - O balanço da Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação realizada recentemente, em Brasília, demonstrou que o desempenho do setor acadêmico e empresarial foi praticamente equivalente. E a grande conclusão da Conferência, apoiada e aplaudida de pé por iodos, foi que o Estado como instituição deve fomentar o desenvolvimento e criar oportunidades de investimentos em pesquisas e desenvolvimento, como está acontecendo por meio dos chamados fundos setoriais implementados pelo governo federal. Na Conferência, foi anunciado um pacote de medidas que. entre outras coisas, propôs a criação de mais quatro fundos setoriais e um anteprojeto de Lei de Inovação preparado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia visando à aproximar os setores público e privado. Ele permaneceu à disposição de todos, por 60 dias. na internet, para aprimoramentos e sugestões e já transformou-se em projeto de lei, com o apoio quase unânime de toda a comunidade acadêmica e do setor empresarial.
M & M - Qual a sua avaliação sobre a estrutura de pesquisa e desenvolvimento existente no Brasil? Há alguma instituição que nos sina de modelo?
Altenfelder - Acho que para mudar a política econômica e priorizar o desenvolvimento, eu destaco o modelo que vem sendo perseguido pela Fapesp. no Estado de São Paulo, bem como as ações do Ministério da Ciência e Tecnologia, que são modernizadoras e indutoras da mudança de mentalidade, tratando a pesquisa como fator-chave para o desenvolvimento econômico do país. Vale citar aqui o trabalho que a Fapesp vem desenvolvendo na busca da eficiência energética, pesquisando fontes substitutivas da energia elétrica. Isso resultou em uma centena de projetos palpáveis e grande parte deles foi comprada ou vem sendo desenvolvida em parceria com empresas privadas.
M & M - A vinda de um empresário para a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico visa à resgatar o status de São Paulo como locomotiva do desenvolvimento?
Altenfelder - Antes de receber essa missão do governador Geraldo Alkimim, eu imaginava haver uma fuga de empresas de São Paulo para outros Estados, em função, principalmente, da guerra fiscal. Mas tive uma grata surpresa: em cinco meses de atuação na Secretaria pude constatar que atraímos novos investimentos principalmente no interior, que está experimentando uma expansão fantástica. Isso é resultado do esforço do governei do Estado para modernizar a nossa infra-estrutura de transporte. São Paulo desenvolveu em silêncio a hidrovia Tietê-Paraná que, seguramente, viabilizará a melhoria da circulação em todo o Conesul, além de alavancar várias atividades econômicas ao longo do seu eixo, inclusive pólos de atração turística. Há outro fato que eu gostaria de mencionar: novos investimentos estão surgindo também em áreas da Grande São Paulo consideradas saturadas. É o caso de São Bernardo do Campo, onde recentemente participei da inauguração de uma fábrica de autopeças de um grupo alemão e que diz ter optado por aquela cidade do ABC depois de ter feito um estudo logístico sobre a região metropolitana.
M & M - A onda protecionista norte-americana fruto dos atentados terroristas tende a criar novos obstáculos às exportações brasileiras?
Altenfelder - A prática tem demonstrado que os Estados Unidos não têm o menor constrangimento em criar barreiras à entrada de determinados produtos estrangeiros no mercado norte-americano. O aço é um exemplo. Mas não há dúvidas de que o mundo está armado contra desvios de comércio por meio dos mecanismos e instituições que regulam as relações internacionais. Nós devemos parar de reclamar e agir mais nesses fóruns em favor dos nossos interesses. Felizmente, a diplomacia brasileira avançou muito, passando das plumas e rendas para a busca de resultados. Essa transformação ainda demandará algum tempo para consolidar-se, mas vai haver novidades no cenário externo inclusive em conseqüência da entrada de novos parceiros na Organização Mundial do Comércio (OMC).
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