É um fenômeno que teve início na década de 90. Desde lá. editaram-se mais e melhores livros sobre música popular do que em qualquer outro tempo. Teses acadêmicas, biografias e perfis de autores e intérpretes, partituras. Também nunca houve tantos debates e conferências sobre o assunto como agora. Curiosamente, talvez não por coincidência, isso se dá num tempo em que a boa musica não toca no rádio nem na televisão. As grandes gravadoras, as cinco multinacionais que dominam o mercado dos discos, dedicam-se a inventar modismos de má qualidade, rapidamente substituídos por outros modismos de pior qualidade. Mas há boa música sendo feita, embora chegue a público pequeno, via gravadoras independentes. Há grandes instrumentistas, compositores e intérpretes jovens, cuja formação tem reforço considerável nos livros sobre música.
O marco inicial desse movimento foi a criação da editora Lumiar, fundada no fim dos anos 80 por Almir Chediak. Inicialmente, Almir, que foi seqüestrado e assassinado em maio, publicou livros técnicos - dicionários de acordes, métodos de improvisação e harmonização. Vieram em seguida os songbooks - partituras revistas sempre que possível pelos autores. O Brasil, país tão musical, não tinha esse tipo de cuidado editorial, antes disso. A Lumiar cresceu a passou a publicar métodos para ensino de instrumentos (sempre se aprendeu, antes em métodos estrangeiros) e biografias.
O sucesso da empreitada contagiou a indústria livreira, que produziu marcos importantíssimos, como a biografia de Noel Rosa, de João Máximo e Carlos Didier, e o sucesso de vendas "Chega de Saudade", de Ruy Castro. Fui possível conhecer melhor Antônio Maria, no perfil escrito por Joaquim Ferreira dos Santos, ou Elisete Cardoso e Ari Barroso, por Sérgio Cabral (a grafia dos nomes obedece ao critério do autor, que prefere abrasileirá-los).
As dissertações de mestrado tratando da música popular e seus personagens se multiplicaram e cresceram em qualidade -um destaque para o estudo sobre Wilson Simonal, escrito no ano passado pela jovem formanda em jornalismo Mônica Herculano. pronto para publicação, que resulta num trabalho sobre ética jornalística. Na esteira, instituições públicas e privadas começaram a mapear, em discos, vídeos e livros, a cultura popular de regiões diversas - o Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia (Irdeb) e a Associação Cultural Cachueral de São Paulo talvez sejam os melhores exemplos, e, ótimo, não são os únicos.
Apenas neste mês, pelo menos cinco novos livros sobre música e músicos chegam ás livrarias. Quatro deles estão examinados nesta página. Enquanto a boa música não volta ao rádio e à televisão, ao menos que se leia sobre ela. Ainda é uma forma de não perder o pé. (Agência Estado)
"AS VOZES DA CANÇÃO NA MÍDIA
Aos 15 anos, Heloísa de Araújo Duarte Valente ouviu, pela primeira vez, o tango "Adiós, Noniño", de e com Astor Piazzolla, e ficou, como qualquer um, fascinada. Mas foi mais longe e transformou o tango no objeto central de sua tese de doutoramento em Comunicação da PUC de São Paulo, que deu origem ao livro "As Vozes da Canção na Mídia" (Via Lettera/Fapesp, 240 págs.). E escolheu o tango, também, porque concluiu que foi o único gênero musical que manteve equilíbrio de formato, do fonógrafo ao disco digital. Por formato, entendam-se questões de métrica e pulso, aspectos temáticos das letras, personagens, atmosfera - nas palavras da autora: solidão, nostalgia, saudade, perda, lembrança, melancolia. A estudiosa propõe que o tango e o Jazz são os únicos gêneros que podem ser tocados, dançados ou tocados. "Quando unicamente instrumental, admite o instrumento solista, o pequeno grupo, a grande orquestra (ainda que a versão da orquestra típica tenha-se cristalizado). Aceita versões singelas e de curta duração, assim como obras de alta complexidade, tais como os concertos de Piazzolla e obras do Nuevo Tango", escreve.
Essas características não existem no samba, por exemplo. O samba instrumental praticamente não existe: ou existe na variante dele contemporânea do choro, ou no samba-jazz pós-bossa nova. Objeto central, o tango não é o único gênero de que trata o livro. Heloísa examina, à luz da semiótica, a influência modificadora dos meios de reprodução e divulgação na música ocidental, do fim do século 19 aos dias de hoje. Para entender a importância disso, basta lembrar que o que determinou que uma canção popular deve durar cerca de três minutos foi a capacidade de armazenamento dos primeiros discos.
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