Notícia

Terra da Gente

Litoral Norte paulista sob avaliação (1 notícias)

Publicado em 20 de dezembro de 2011


A beleza natural e a diversidade biológica do Litoral Norte paulista sobreviveram por séculos à ocupação humana. Porém, de algumas décadas para cá, alguns fatores, entre os quais o desenvolvimento de grandes empreendimentos e o acesso franqueado por rodovias, transformaram a região, que é margeada pela Mata Atlântica. Sua riqueza natural está ameaçada pelo crescimento urbano e populacional e pela possibilidade de exploração de petróleo. As mudanças climáticas, que já vêm ocorrendo em todo o mundo, amplificam esse problema.

Composto pelos municípios de Ubatuba, Caraguatatuba, São Sebastião e Ilhabela, o Litoral Norte tem aproximadamente 2 mil km2 e uma população de 281.778 habitantes, de acordo com o censo demográfico de 2010 do IBGE. A população da região, classificada como de alta vulnerabilidade social e ambiental, necessita urgentemente repensar a maneira de lidar com seu crescimento urbano, desenvolvimento econômico e preservação do patrimônio natural para as futuras gerações. É o que constata o Projeto Clima conduzido na Unicamp desde 2009 e que vem gerando importantes frutos.

Também conhecido como GenteClima, o projeto temático, financiado pela Fapesp e denominado “Crescimento urbano, vulnerabilidade e adaptação: dimensões sociais e ecológicas das mudanças climáticas no litoral norte de São Paulo”, tem por objetivo compreender como as dinâmicas demográficas e sociais interagem com as dinâmicas ecológicas.

O projeto é liderado por pesquisadores do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam) e do Núcleo de Estudos de População (Nepo), ambos da Unicamp, e conta com a participação de cientistas de instituições nacionais e internacionais. Com mais de 50 docentes, doutores, doutorandos, mestrandos e graduandos envolvidos, o projeto teve início em junho de 2009, tem duração prevista de quatro anos e é coordenado pela pesquisadora Lúcia da Costa Ferreira, do Nepam.

Dividido em quatro componentes, o projeto contempla as seguintes áreas de estudos do Nepam e Nepo: “Crescimento e morfologia das cidades e vulnerabilidade de suas populações, infraestrutura e lugares”; “Mudanças ambientais globais e políticas públicas em nível local: riscos e alternativas”; “Conflitos entre a expansão urbana e a cobertura florestal e suas consequências das mudanças ambientais globais para o litoral de São Paulo”; e “Expansão Urbana e mudanças ambientais no litoral norte de São Paulo: impactos na biodiversidade”.


Segundo Lúcia, o Clima nasceu da interação entre Nepo e Nepam, sempre promovida pelo professor e demógrafo Daniel Hogan, falecido em abril de 2010. “Com a criação do curso de doutorado em Ambiente e Sociedade, nos empenhamos em pensar um projeto agregador, que abarcasse professores e alunos do programa de pós-graduação”, explica Lúcia. Além da pesquisadora do Nepam, o projeto conta com coordenação de outros pesquisadores nos subprojetos. São eles: Leila da Costa Ferreira, também do Nepam, Carlos Alfredo Joly, do Instituto de Biologia (IB), e Roberto Luiz do Carmo, do Nepo.

Conforme afirma Carmo, esse estudo é parte importante da agenda de pesquisa global – não apenas para a comunidade científica brasileira – pois traz em seu escopo pesquisas empíricas que relacionam vulnerabilidade às mudanças climáticas. “A abordagem interdisciplinar proposta para esta análise socioecológica é necessária para tratar dessa complexa questão”, argumenta.

Priorizando essa abordagem, um dos principais objetivos do projeto temático é diagnosticar, descrever e mapear as dinâmicas sociais, políticas, demográficas e ambientais da área em questão, buscando identificar as principais mudanças ocorridas nestes termos – considerando a caracterização ecológica (com foco na biodiversidade) e também a questão da ação humana diante de tal quadro. Neste sentido, são considerados tanto os conflitos ambientais nessa região como as possíveis respostas em termos de políticas públicas para resolução de tais problemas, de acordo com Leila da Costa Ferreira, coordenadora no âmbito de Políticas Públicas.


Além disso, Carmo lembra que o Projeto Clima busca identificar, descrever e mapear fenômenos e processos como o uso e ocupação do solo na região; a produção e consumo de recursos naturais; a causa da mortalidade de certos grupos locais; a experiência dos governos municipais em tentar harmonizar o crescimento econômico, a justiça social e a proteção ambiental em nível local; e conflitos locais, regionais e globais, considerando a ocupação irregular do Parque da Serra do Mar.

Sem perder de vista a dimensão humana, um dos alvos do projeto é avaliar como as mudanças ambientais, decorrentes dos recentes processos de produção e ocupação do solo na região, irão afetar a biodoversidade terrestre – com alteração da mudança de cobertura do solo, mudanças na composição florística, na estrutura e no funcionamento das florestas, explica Simone Aparecida Vieira, pesquisadora do Nepam. “Com base no conhecimento tradicional dos pescadores, o projeto tentará identificar possíveis mudanças na composição das espécies, na diversidade e no tamanho dos peixes capturados”, afirma.


Riscos iminentes

Lúcia da Costa Ferreira enfatiza que, como toda faixa litorânea, a região é marcada por grandes e rápidas transformações ambientais. Entretanto, numa perspectiva que considera a relação entre elementos ecológicos e sociais, a coordenadora do projeto lembra que nos últimos anos houve um incremento da atividade industrial na região, sobretudo do segmento naval, além de investimentos do porto de São Sebastião e na Unidade de Tratamento de Gás, em Caraguatatuba. Nesse contexto, houve um aumento no investimento em ampliação de infraestrutura viária, como a duplicação da Rodovia Tamoios.

Nesse quadro de alterações socioambientais, a pesquisadora destaca também as mudanças decorrentes da explosão do mercado imobiliário, com a instalação da indústria do turismo veranista. Tal fenômeno deflagrou conflitos diversos, trazendo novos valores e questões para a sociedade local, o que, muitas vezes, acaba por modificar valores tradicionais – como a desvalorização da atividade pesqueira local.

Outro fator que altera a dinâmica social e que veio a reboque de tais transformações foi a migração. “Seja pela atração de altos quadros para serem absorvidos nesse mercado industrial que cresce na região, sejam trabalhadores atraídos por empregos na construção civil, fato é que na última década um grande número de migrantes veio para o litoral norte, trazendo à tona questões referentes à moradia, saneamento básico, estrangulamento dos serviços públicos, já normalmente precários na área”, lembra a coordenadora.


Ademais, num quadro de recente interesse pela possibilidade de exploração de petróleo no país, por meio da tecnologia de exploração da camada de pré-sal, a região também ganhou visibilidade neste aspecto. Lúcia explica que para a exploração de petróleo em tão profunda camada geológica é preciso a utilização de tecnologia muito avançada, “o que, mesmo assim, não garante a total ausência de riscos de acidentes ambientais da magnitude do que ocorreu recentemente na bacia de Campos, no Rio de Janeiro, ou ainda mesmo se pensarmos no caso recente ocorrido no Golfo do México”, afirma Lúcia.

É a partir deste cenário socioambiental que a pesquisadora do Nepam Gabriela Marques Di Giulio busca, em sua pesquisa de pós-doutoramento, entender como a população que vive na região do litoral norte percebe sua capacidade de proteção, adaptação e reação frente aos riscos associados às mudanças climáticas e ambientais, bem como aos conflitos que poderão ser gerados com novos empreendimentos na região, entre os quais obras viárias, oleodutos e gasodutos, linhas de transmissão ou expansão urbana.

Utilizando como método de pesquisa qualitativa a realização de grupos focais com diferentes atores sociais, a pesquisadora também busca identificar e compreender como os indivíduos participam do debate e do processo decisório a respeito desses possíveis riscos. Além disso, ela analisa as estratégias de comunicação de risco adotadas pelos pesquisadores envolvidos no Projeto Clima em suas relações e diálogos com os demais grupos sociais envolvidos na arena desse debate.

Para Gabriela, “em situações de riscos, o conhecimento das condições locais ajuda não só a determinar que dados são consistentes e relevantes, como também a definir os problemas que devem ser alvo das políticas públicas. Daí a necessidade de colocar em prática também uma pesquisa mais participativa, que envolva os diferentes grupos sociais que estão na arena do risco”.

Veja a íntegra da matéria "Projeto Clima", escrita por Maria Teresa Manfredo.