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Literatura de língua portuguesa na Ásia (1 notícias)

Publicado em 07 de maio de 2022

A história das antigas colônias portuguesas é marcada por uma afinidade com escritores brasileiros

Quais são os paralelos entre a literatura produzida em São Paulo nos séculos 19 e 20 e as pinturas de escritores e poetas no remoto estado de Goa, na Índia? Ao publicar textos de autores lusófonos em revistas, jornais e periódicos, a história literária dos dois postos mantém estreita relação com a progressão de suas respectivas editoras. Goa e Brasil não são as únicas regiões do mundo onde a colonização portuguesa deixou sua marca. Macau, Timor-Leste, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe são outras nações em que a presença do país europeu também tem marcado a literatura. Além deles, a Guiné Equatorial e os territórios de Damão e Diu, na Índia, também falam a língua. Segundo o Museu da Língua Portuguesa, o português, nas suas outras variantes, é a língua materna de cerca de 260 milhões de pessoas. Embora a ficção e a poesia produzidas nestes locais mobilizem outros contextos e repertórios culturais antigos, estudos recentes evidenciam os seus pontos em comum, em particular a questionável relação com Portugal. Outro ponto de intersecção considera as afinidades linguísticas com autores brasileiros, em especial o baiano Jorge Amado (1912-2001), cujos livros fazem parte, por exemplo, dos planos de estudos das melhores escolas de Timor Leste.

Financiada pela FAPESP há cinco anos, uma tarefa mobilizou cerca de cinquenta pesquisadores de todo o mundo para salvar a produção literária portuguesa de Goa, um estado indiano que foi uma colônia portuguesa entre 1510 e 1961. Escolhido através de Portugal como um de seus principais portos no Leste, Goa ganhou as primeiras missões jesuítas no século XVI. “Durante esse período, o Estado português na Índia [EPI] criou um arquivo para comprar outros tipos de documentação, adicionando relatórios administrativos, revistas e jornais. O Brasil não tem uma coleção gigante e centralizada”, compara o professor Helder Garmes, da Faculdade de Filosofia, Letras e Humanidades da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP) e coordenador do estudo. Segundo ele, a comissão teve como alvo o acervo goa, salvando facetas da história cultural e literária da região desconhecida por pesquisadores brasileiros e estrangeiros.

“Nas décadas de 1960 e 1970, especialistas de Goa e Portugal trabalharam com esses arquivos para analisar a produção literária de Goa em português. No entanto, eles são fiéis ao século XVI e ao registro de documentos antigos que podem desaparecer”, explica Garmes. Além desses estudos, cita trabalhos do romancista e tradutor português Manuel de Seabra (1932-2017) e Vimala Devi, pseudônimo literário de Teresa da Piedade de Baptista Almeida, e poeta goa. Ambos publicaram o e-book de história literária A Literatura Indo-Portuguesa (1971), bem como contos satíricos através do goan José da Silva Coelho (1889-1944), entre outras obras.

Garmes lembra que após o fim do colonialismo, o português deu lugar ao inglês e konkani, que se tornaram a língua oficial de Goa. “O português permaneceu em algumas famílias, especialmente católicos, mas pouco a pouco deixou de ser uma lingua franca”, reforça. Lingua franca, ou veicular, é a língua que outras pessoas falam regularmente na vida cotidiana. Segundo ele, nos séculos XIX e XX, a maioria das pessoas que falavam português em Goa pertencia às castas dominantes e às elites católicas dos Chardós e Brahmins, que ocupam a cabeça superior da hierarquia goana. Garmes explica que os brâmanes e Chardós de Goa que trabalhavam na gestão colonial eram hindus que mudaram para o catolicismo, dando origem à linhagem de Brâmanes e Chardós católicos. “Há uma contradição nesse processo, porque os católicos não se conformam com estilos de vida de castas. A nova linhagem foi a forma como as equipes descobriram para sustentar o comportamento indiano e sua posição de força na sociedade colonial portuguesa”, explica o pesquisador, abordando uma das peculiaridades de Goa.

Filho de Aziah | Kapulana Ana Paula Tavares (à esquerda), historiadora e poeta angolana. José Luandino Vieira (à direita), português que mora em Angola desde os 3 anos de idade. Ambos têm livros no BrasilOzias Filho | Kapulana

Após os estudos pioneiros realizados na era da transição do colonialismo português para a anexação à Índia, não há sabedoria de outros estudos extensos realizados na coleção goa dos séculos XIX e XX. Segundo o professor, isso acontece porque também não é desvalorizado. pelos goanos, que a associam à colonização, e pelos portugueses, que consideram que a produção literária publicada nessas revistas e seriados é de baixa qualidade. “Nas coleções há textos de outra qualidade, mas o total torna imaginável perceber como a literatura na língua portuguesa tem se aclimatado e evoluído nesta região do mundo”, diz.

“O fato de a comissão ser liderada por acadêmicos brasileiros facilitou seu desenvolvimento. Marcada por relações questionáveis ??com Portugal, devido à sua herança colonial, a sociedade goesa identifica-se em certa medida com o Brasil, também ex-colónia do país europeu”, explica Paul Michael Melo e Castro, estudioso britânico da Universidade de Glasgow, Escócia. . Array Com Garmes, Castro editou e publicou em Goa, em 2017, o romance Preia-mar, pela Epitácio País (1924-2009), até então inédito. “Durante o trabalho, ficamos sabendo dos manuscritos do livro e recebemos permissão da família para publicá-lo”, lembra Castro, que fez parte da equipe de estudos coordenada por Garmes. Interessado em literatura depois de 1961, traduziu para o inglês novos autores goeses como Vimala Devi e Augusto do Rosário Rodrigues. “Muitas dessas obras estão em condições precárias de conservação, então o primeiro passo foi digitalizá-las, para que não se perdessem”, observa. Para Castro, uma das complexidades do estudo da literatura goesa é que, diferentemente das ex-colônias portuguesas na África, com o fim do domínio português houve um declínio imediato da língua. Enquanto o concani tem uma língua oficial, o inglês tem uma língua franca. “Por isso, hoje, os textos escritos em português circulam mais entre os leitores goeses se forem traduzidos para o inglês”, diz.

Em Goa existem registos de actividades de imprensa que remontam ao século XVI. No Brasil, a atividade permaneceu proibida até 1808, quando o círculo de parentes reais portugueses se instalou no país. Mesmo assim, permaneceu sob censura até 1821. Por outro lado, observa Garmes, no século XVIII a imprensa goesa, adormecida por razões pouco claras, renasce no século seguinte. “No século XIX, a progressão da imprensa em Goa tem paralelos com a de São Paulo. Uma delas é a publicação de um componente gigante da produção literária de escritores e poetas em novelas e revistas”, explica, lembrando que neste século não havia colônia portuguesa comparável ao Brasil, em termos literários. Em lugares como Moçambique e Angola, por exemplo, a progressão da imprensa viria mais tarde, no final do século XIX. “Os drapeados que descobrimos nos arquivos de Goa abrem possibilidades de estudos comparativos com o panorama brasileiro”, diz, ressaltando o pioneirismo. Segundo Garmes, uma produção literária vital de Goa, publicada na imprensa entre 1821 e 1980, permanece desconhecida da academia do Diário de Goa (1953-1966), entre outros”, diz. A maioria desses textos e documentos recuperados já está disponível para estudo universitário, porém, o equipamento ainda não está legalizado por meio dos herdeiros para distribuição sem restrição. No site Pensando Goa: uma biblioteca de componentes em português, que apresenta componentes dos efeitos do projeto, há esses documentos.

“Uma das facetas que as pinturas da coleção goa revelam é o conflito entre as castas Brahmin e Chardo na disputa pela primazia intelectual na imprensa de língua portuguesa”, diz Garmes. Em 1859, os brâmanes criaram o jornal Ultramar. In 1861, foi a vez dos Chardós publicarem A India Portuguesa. “Ambos eram jornais que também publicavam literatura. A maioria dos escritores e poetas goanos da época publicou em jornais e não em livros, que eram muito caros”, diz ele. Ao analisar o traje literário dessas publicações, a equipe de Garmes descobriu que, nos primeiros anos, os textos destacavam o viés português e católico da sociedade goana, mas, a partir do século XIX, começaram a colocar um preço na tradição hindu, em primeiro lugar. através de um olhar exótico e orientalista”. Chamamos essa era de indianismo goano, traçando um paralelo com o movimento indianista no Brasil, que evoluiu em meados do século XIX graças às pinturas de autores como José de Alencar. [1829-1877]”, compara Garmes.

Editor via | Wikimedia CommonsLuiz Cardoso (esquerda), escritor timorense, vencedor do Prêmio Oceano 2021, e poetas e escritores goanos Adeodato Barreto (1905-1937) e Vimala Devi (à direita), pseudônimo literário de Teresa através de AlmeidaEditora Via | Wikimedia Commons

Em pós-doutorado financiado pela FAPESP e concluído em 2019, Duarte Drumond Braga, do Centro de Estudos Comparativos da Faculdade de Lisboa, estudou literatura de Goa, Macau e Timor-Leste. Ele sabia que os encontros e desentendimentos entre as culturas asiática e europeia, bem como as relações questionáveis com o patrimônio colonial, são alguns dos temas que permeiam as obras. Uma colônia de Portugal até 1975, Timor-Leste invadiu a Indonésia no mesmo ano, provocando conflitos armados e condições de violência que eventualmente dizimaram bibliotecas e universidades. , lembre-se Braga. Portanto, o procedimento de reconstrução da identidade nacional e da reminiscência é outro tema aplicável para a imaginação literária do país”, disse, mencionando a produção do romancista timorense Luís Cardoso, vencedor do Prêmio Oceanos em 2021.

“O editor vive em Portugal há mais de 30 anos e a sua pintura é mais conhecida na Europa do que em Timor. Os estudos da literatura timorense em português começaram recentemente e ainda são escassos”, diz Ana Margarida Ramos, da Universidade de Aveiro, Portugal. Entre 2009 e 2013, Ramos participou num projeto de cooperação com o Governo de Timor para reformular a proposta pedagógica das melhores escolas, com o conceito de incluir novas vozes da Lusofonia para além das editoras portuguesas, modificando os planos de estudo desenvolvidos pela ocupação indonésia . . Array, que não veio com o exame de literatura. “A partir de 2012, os melhores académicos da escola puderam ler e examinar editores e poetas brasileiros, angolanos e moçambicanos, bem como os próprios timorenses”, diz. Segundo ela, um editor brasileiro apreciado pelos timorenses é Jorge Amado. “O livro eletrônico O gato machado e a andorinha Sinhá, publicado no Brasil em 1976, é referência para os professores do país e foi retirado dos currículos do ensino superior, mesmo após a reformulação”, explica o pesquisador, também especialista em livros eletrônicos . de editoras timorenses, como os poetas Fernando Sylvan (1917-1993) e Xanana Gusmão, que foi presidente do país entre 2002 e 2007. “O olhar literário destas editoras é marcado, entre outras questões, pela luta contra o colonialismo ocupação portuguesa e indonésia, com apelos à autodeterminação e à vontade de construir a própria identidade”, avalia. “Elementos relacionados com a paisagem, os animais e a cultura timorense são mobilizados como símbolos desta identidade.

Segundo o pesquisador, além dos autores da produção escrita, há outros que salvam histórias da cultura oral e também desempenham um papel vital na formação da identidade nacional do povo timorense. Banido por mais de 20 anos da ocupação indonésia, o português é hoje uma das duas línguas oficiais de Timor, além de Tetum. “Após a independência, em 1999, a língua teve que ser reintroduzida, no contexto de um país destruído pela guerra. Timor enfrenta dificuldades de progressão e o processo de reintegração do português tem sido lento e marcado por vacilações políticas”, disse ele, acrescentando que, embora a maioria dos timorenses percebam a língua, ela não é usada no cotidiano.

Em Macau, um território autônomo chinês colonizado através de Portugal entre 1557 e 1999, o português é a língua oficial, juntamente com o cantonês, mas falado por uma minoria da população. “Quando dois macaenses se encontram, eles passam de uma língua para outra sem saber, o que se reflete em sua produção literária”, explica Maria Célia Lima-Hernandes, da FFLCH-USP, relembrando a obra de Henrique de Senna Fernandes (1923). -2010, que escreveu sobre o híbrido cultural de Macau em livros que misturam português, chinês e inglês. Outros autores de Macau de língua portuguesa que se destacam são Luiz Gonzaga Gomes [1907-1976] e Deolinda do Carmo Salvado da Conceição [1914-1957]. Infelizmente, como grande parte da literatura portuguesa produzida na Ásia, elas ainda não foram publicadas no Brasil”, lamenta.

A literatura africana de língua portuguesa começou a circular no Brasil na década de 1950 e ganhou força naquele século, quando o número de publicações passou de 12 na última década de 1990 para 72 em 2009, segundo estudos de doutorado do sociólogo Marcello Stella, a ser defendido no DEPARTAMENTO de Sociologia da USP, com a ajuda da FAPESP. Com a independência de Portugal conquistada na década de 1970, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe são os países africanos que têm o português como uma de suas línguas oficiais e produzem literatura nesta língua.

As primeiras pinturas de africanos de língua portuguesa publicadas no Brasil foram Terra morta (Casa do Estudante do Brasil, 1949), do moçambicano Fernando Monteiro de Castro Soromenho (1910-1968), segundo Stella. A publicação de africanos de língua portuguesa se intensificou na década de 1970, com a criação da coleção Autores Africanos, por meio da editora Attica, idealizado pelo sociólogo Fernando Augusto Albuquerque Mourão (1934-2017), fundador do Centro de Estudos Africanos da USP. Após a extinção do acervo na década de 1990, algumas editoras continuaram a publicar, com moderação, autores como Mia Couto, Pepetela, Germano Almeida e José Eduardo Agualusa.

“A publicação desses escritores e poetas permaneceu em níveis baixos e sólidos até o início dos anos 2000, quando os números começaram a subir. Entre 1940 e 2018, foram publicados 227 livros de autores africanos de língua portuguesa. Desses, 189, ou 83%, foram publicados nas duas primeiras décadas do século XXI”, relata Stella. Mia Couto, José Eduardo Agualusa e Pepetela foram os principais autores publicados no país até 2017. Angola, Moçambique e Cabo Verde são os países com autores africanos que circularam ao máximo no Brasil, segundo Stella.

Tania Celestino de Macedo, da FFLCH-USP, observa que, assim como em Timor-Leste, Jorge Amado é um dos autores brasileiros com penetração em países africanos. explícita uma convergência linguística com os brasileiros”, analisa, trazendo o exemplo do poeta cabo-verdense Cursino Fortes (1933-2015), que alterna o crioulo com o português, assim como o angolano José Luandino Vieira. jorge Amado e Guimarães Rosa [1908-1967] permitiram que ele fizesse essas misturas”, explica.

Macedo observa que, nesses textos, os estudiosos esperam localizar elementos semelhantes à cultura afro-brasileira, acrescentando Mães de Santo e discussões sobre racismo. então a literatura desses lugares apresenta outros problemas que não aqueles que marcam a produção literária afro-brasileira”, disse. Mesmo em relação a essas diferenças, Macedo evoca o feminismo proporcionado nas obras da historiadora e poeta angolana Ana Paula Tavares e da romancista moçambicana Paulina Chiziane, vencedora do Prêmio Camões em 2021. Em seus livros, eles mobilizam a mente-olho das culturas locales. et perspectivas específicas sobre o universo feminino. Ter filhos e se envolver no trabalho doméstico, por exemplo, são facetas básicas do papel das mulheres na sociedade, em uma lógica diferente das correntes do feminismo europeu”, conclui.

Projetos 1. Thinking Goa – uma biblioteca especial em português (nº 14/15657-8); Trabalho temático sobre modalidades; Pesquisador da Helder Garmes (USP); Investimento R$ 1. 055. 733,42. 2. Literatura em língua portuguesa: escritores em espaço literário transnacional (nº 18/25486-7); Modalidade de Bolsa de Doutorado; Pesquisador da Tarifa Luiz Carlos Jackson (USP); Beneficiário Marcello Giovanni Pocai Stella; Investimento R$ 203. 405. 82,3. Literatura em trânsito: entre Goa, Macau e Portugal em obras literárias em língua portuguesa (1951-1975) (nº 14/00829-8); Modalidade de pós-doutorado; Pesquisador da Helder Garmes (USP); Beneficiário Duarte Nuno Drumond Braga Investimento R$ 646. 966,89.

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