Depois das inúmeras manifestações em defesa da autonomia da Fapesp, vindas de diversos segmentos da sociedade, é apropriado ponderar, quando se analisa a negociação em andamento entre o Executivo do Estado de São Paulo, os Institutos de Pesquisa do Estado e a Fapesp, quais poderiam ser os limites aceitáveis para as partes.
Esses limites, a meu ver, devem ser sustentados por uma análise racional das conveniências da sociedade que paga os impostos que financiam a Fapesp, e por um conjunto de preceitos que lhes deem sustentação com legitimidade.
Os limites constitucionais no Estado de São Paulo são claros. O Artigo 271 da Constituição do Estado estabelece que “O Estado destinará o mínimo de um por cento de sua receita tributária à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, como renda de sua privativa administração, para aplicação em desenvolvimento científico e tecnológico. Parágrafo único: A dotação fixada no “caput“, excluída a parcela de transferência aos Municípios, de acordo com o art. 158, IV, da Constituição Federal, será transferida mensalmente, devendo o percentual ser calculado sobre a arrecadação do mês de referência e ser pago no mês subsequente.”
A Assembleia do Estado, valendo-se de uma emenda constitucional recente, diminuiu esta percentagem em 11%. Este ato, realizado no apagar das luzes de 2016 sem nenhuma participação da sociedade, surpreendeu e ensejou um conflito que hoje, depois de uma significativa pressão social, tende a amainar por meio de um acordo entre o Executivo e a Fapesp. De fato, a Emenda constitucional nº 93, de 8 de setembro de 2016 (EC-93) , estendeu até 2023 a Desvinculação de Receitas da União (DRU), mecanismo que permite ao governo federal utilizar livremente 30% de todos os tributos federais vinculados por lei a fundos ou despesas. A EC-93 também contempla que “receitas dos Estados e do Distrito Federal relativas a impostos, taxas e multas, já instituídos ou que vierem a ser criados até a referida data, seus adicionais e respectivos acréscimos legais, e outras receitas correntes” (Desvinculação de Receitas dos Estados, Distrito Federal e dos Municípios, DREM). A EC-93 especifica que a regra não se aplica às receitas destinadas à saúde e à educação. Se essas mudanças se aplicam, ou não, a vinculações explicitamente consideradas na Constituição dos Estados, e se a vinculação do percentual destinado à Fapesp pode, ou não, ser considerada receita destinada à educação e à saúde, são questões que somente podem ser dirimidas em definitivo pelo Poder Judiciário. Mas é conveniente lembrar que nem tudo o que é possível, no caso a tentativa de aplicar a EC-93 ao que a Constituição do Estado destina a Fapesp, é necessariamente eficiente e adequado. No caso em análise, corre-se o risco de diminuir uma ação que tem permitido a incorporação de conhecimento a todas as atividades do Estado. A sociedade paulista e seus representantes bem poderiam evitar este embate.
A lei de criação da Fapesp não contempla com clareza e precisão a prática com que a Fundação tem interpretado “sua privativa administração” para analisar Projetos no último meio século. Todavia, a forma com que a Fapesp financia pesquisa no Estado de São Paulo é um exemplo de como uma entidade pública pode influenciar o desenvolvimento intelectual, social e econômico de um Estado. Essa forma de atuar é reconhecida nacional e internacionalmente e, portanto, dispensa uma lista de exemplos que atravessam a história do Estado de São Paulo desde a criação da Fapesp. Vejo, portanto, que análise por pares, coordenadores do mais alto nível acadêmico, tecnológico ou empresarial, absoluta isenção política, tratamento igualitário das instituições, análises transparentes e públicas da qualidade e relevância dos projetos, enfim, a forma que a Diretoria Científica, o Conselho Técnico Administrativo e as decisões estratégicas do Conselho Superior têm usado para destinar os investimentos públicos do Estado de São Paulo em CT&I, podem ser considerados como um costume aceito e aplaudido pela sociedade paulista há mais de meio século. No limite, esse costume vencedor poderia ser considerado uma “Common Law”, consciente que estou que o Direito Consuetudinário não forma parte do ordenamento jurídico do País.
A meu ver os limites que deveriam demarcar a presente negociação são:
a) A manutenção da percentagem de vinculação descrita na Constituição do Estado de São Paulo (1 %), com a efetiva revogação da emenda legislativa;
b) A destinação preferencial de um único montante de R$ 120 milhões aos Institutos (permitido pelo Estatuto da Fapesp Art. 3º, Inciso I) deve estar associada a Projetos com objetivos limitados e claros, metas mensuráveis e explicitamente relacionadas às missões das instituições. Desde que os projetos podem (devem?) ter metas ambiciosas, e podem (devem?) contemplar Programas de Jovens Cientistas, as metas devem ser plurianuais. Assim, parte desse montante (os R$ 120 milhões negociados) não pode ser investida somente neste ano.
c) Acompanhando o Estatuto da Fapesp (Estatuto da Fapesp Art. 3º Incisos III e X) a Diretoria Científica deve usar, como de costume, referenciais internacionais para avaliar esta destinação preferencial, sem o que não faz sentido financiar o desenvolvimento da ciência e da tecnologia com recursos do contribuinte.
Esses limites deveriam ser intransigentemente defendidos pela sociedade, pois, além de manter a integridade da Fapesp, exibem total coerência com o propósito explícito de Legisladores e Executivos do Estado de São Paulo visando à modernização dos Institutos.