Duas das mais importantes invenções do mundo têm brasileiros entre as controversas autorias das ideias. Enquanto o patriotismo leva à defesa de Santos Dumont como o inventor do avião e do padre Landell de Moura como o pioneiro nas transmissões radiofônicas, as literaturas trazem como concorrentes os irmãos Whright e Guglielmo Marconi, respectivamente. Mas, afinal, como definir o autor de uma invenção?
Mais de um século após ideias que mudaram a comunicação e o transporte, necessidades contemporâneas primordiais, o Brasil continua cheio de inventores. E a maioria deles está na Petrobras e Unicamp que, entre as universidades, lidera o registro de patentes, com 272 entre 2004 e 2008, de acordo com levantamento feito pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), em julho. Entre elas estão projetos de pesquisadores da Faculdade de Tecnologia (FT/Unicamp).
Para ser "pai" de uma ideia com pretensões de registrá-la, a primeira pergunta a ser feita é se o que está se propondo é inovador, explica Rangel Arthur, professor de Tecnologia em Telecomunicações, da FT. "O início já é um grande desafio, pois é necessário fazer pesquisas para saber se já existe algo igual ou parecido com o que se planeja desenvolver. Às vezes isso demora mais do que a execução do projeto em si", explica.
A universidade conta, desde 2003, com a Agência de Inovação Inova Unicamp, que otimizou e alavancou o número de patentes. Nos cursos da FT, desde o primeiro ano o aluno é incentivado a pensar no projeto que desenvolverá no final de sua graduação. "Os alunos motivam-se bastante. A teoria é importante, mas quando chegam à parte prática, muitos passam noites desenvolvendo seus protótipos. Esse é um diferencial do curso de tecnologia, pode-se criar algo aplicável", salienta Arthur.
"MADE IN" LIMEIRA
Entre os pesquisadores que lecionam na unidade de Limeira, Cristiano Gallep, da área de comunicações ópticas e dispositivos fotônicos, registrou sua primeira patente em 2002, que teve desdobramentos em seu doutorado.
O primeiro projeto foi um método de controle de chaves ópticas. "É como um interruptor, mas para redes ópticas, que reduz o tempo de comutação em até dez vezes". O método desenvolvido possui grande importância nas redes ópticas desenvolvidas para as próximas gerações, para as quais será necessário o chaveamento direto dos pacotes ópticos, uma vez que apresentam a necessidade de aplicações em altas taxas. O invento é aplicável em data centers, como grandes centros de processamento, no controle do caminho de circuitos ópticos
Outro estudo em andamento para uma nova patente é o apagamento de informação nas redes ópticas para reúso de canais em redes como de TV e telefone. "Isso proporciona economia de recursos materiais, com demanda de menos componentes", salienta.
Ele avalia que aumento muito o suporte para pesquisadores. "Hoje temos maior amparo técnico e jurídico, com análise se os projetos são pertinentes e documentação da parte legal".
TV DIGITAL
O próprio professor Arthur é autor de uma patente, registrada em 2010, e está finalizando uma outra. A já consolidada é uma nova técnica utilizada para compressão de vídeo digital. "A banda do sinal digital é maior do que a de sinal analógico, e precisa ser comprimida antes da transmissão, sendo realizado o processo inverso no receptor do usuário", explica. O firmware, que é o programa desenvolvido para o chip do receptor, torna a transmissão mais rápida e menos complexa, com economia de 70% no processamento. A "sobra" poderia ser utilizada para interatividade, o que ainda é promessa na transmissão digital no Brasil e otimiza o uso do equipamento, que o governo prevê popularizar.
A patente que Arthur está finalizando trata-se de um receptor digital de TV digital inteligente, que "ajuda" o usuário na hora da instalação para a recepção digital. Se o problema for de posicionamento da antena ou cabeamento, o equipamento emite avisos e agiliza o processo. Outra funcionalidade é enviar, por meio de um canal de retorno, uma medida da qualidade do sinal recebido em casa, o que é útil tanto para as emissoras quanto para as agências reguladoras. Dessa vez o trabalho não foi só na programação de microchips, mas com a modificação a partir de um aparelho convencional.
O invento já teve a patente pedida, mas o processo ainda é demorado. "O Brasil não tem a cultura de criar patentes, mas a Agência de Inovação tem incentivado", relata Arthur.
Além de auxílio ao pesquisador, a maioria dos projetos das universidades do Estado é patrocinada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), além de órgãos de fomento à pesquisa que concedem bolsas como CAPES e CNPq.
Apesar do tempo exigido, o processo já foi mais difícil. "As universidades estão mais preparadas e os pesquisadores, com mais orientações". Há também regras. Durante o processo, o projeto não pode ser publicado como artigo científico. "Isso pode criar uma tendência de maior cobrança de patentes", opina, como forma de os projetos "saírem do papel".