Dias atrás fiz uma viagem para a Espanha para estudar as melhores praticas de e-gov. E aprendi muitas coisas. A mais importante é que quando de fato queremos mudar a forma de fazer gestão pública, quando há vontade política, mudamos até o que parece impossível.
Comecei a viagem por Andaluzia, Sevilha, para conhecer o Sistema Andaluz de Saúde (SAS). A região tem grande tradição rural, o que faz que a população esteja espalhada pelo território. Apesar disso, nenhum cidadão local vive a mais que 20 minutos de um hospital.
O modelo segue um sistema único chamado Diraya — que em árabe quer dizer conhecimento. Por meio dele, o cidadão tem toda a sua história médica num único registro, centralizado até fisicamente no prédio do SAS. Todos os acessos são feitos via internet e, nas pontas do atendimento, há somente terminais que permitem a consulta no data center.
Esses procedimentos fizeram com que Andaluzia fosse considerada a região que menos gasta em medicina e que maior cobertura de atendimento tem. A vida médica dos cidadãos é monitorada. Mais de 90% da saúde é pública e gratuita, não somente para os cidadãos, mas para qualquer pessoa que esteja no território.
Esse cadastro único amplia as chances de precisão no diagnóstico, já que todos os atendimentos do cidadão, remédios que já tomou, procedimentos e exames, estão registrados num mesmo local. Com um sistema de informação forte, economizam recursos públicos e garantem um atendimento adequado, pelo qual 90% dos tratamentos e atendimentos se resolvem na atenção primária.
O acesso ao sistema é rápido e não se exige nenhum comprovante para ter o cartão de saúde. A pessoa declara nome, filiação e endereço, recebe o cartão e passa a ter sua história clínica. Como o registro é digital, o risco de duplicação é reduzido.
Outra coisa interessante é o sistema de farmácia e acesso a medicamentos. O médico receita e o paciente retira, e em alguns casos pagando entre 30 e 50% nas farmácias privadas. Dependendo das características desse indivíduo (se não tem renda, se é aposentado, se é mãe solteira sem muitos recursos) ele retira gratuitamente e no final do mês o governo paga às farmácias. Com isso, eliminam-se estoques, o gerenciamento dos mesmos, e os possíveis desvios.
Como é possível garantir tudo isso? Os médicos têm remuneração variável por desempenho e função, com uma avaliação rigorosa desse desempenho. Eles só recebem em função das informações que registram no sistema dessa forma. Um bom sistema somente funciona se é alimentado corretamente, vemos aqui uma saída para isso.
Por outro lado, é uma das principais lições aprendidas. Eles conseguiram implementar salários variáveis numa situação de legislação trabalhista muito mais rígida que a nossa e com sindicatos muito mais duros e fortes que os nossos. Receita de sucesso? Vontade política. Com isso não há obstáculos que não sejam ultrapassados.
E isso foi só o começo das experiências que vi. Na próxima edição conto mais sobre o Principado de Astúrias.
Florencia Ferrer é doutora em sociologia econômica, coordenadora do Ned-Gov (Fundap-Fapesp), e diretora-presidente da FF Pesquisa & Consultoria/e-estratégia pública florencia@e-strategiapublica.com.br