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Leishmaniose em cães e o falso positivo (1 notícias)

Publicado em 16 de outubro de 2009

Por Alex Sander Alcântara

Agência Fapesp

Estudo mostra que exame convencional para diagnóstico de leishmaniose em cães pode apresentar falso resultado positivo, detectando o parasita da doença de Chagas em vez do Leishmania sp.

O destino de cães diagnosticados como portadores de leishmaniose é a eutanásia. Mas, de acordo com um estudo realizado na Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Botucatu, o diagnóstico pautado nos exames sorológicos - recomendado pelo Ministério da Saúde - pode apresentar resultados cruzados e condenar ao sacrifício animais que não desenvolveram a doença.

Segundo a pesquisa, que analisou cães nos municípios de Botucatu e Bauru, regiões consideradas como não-endêmica e endêmica, respectivamente, o exame convencional pode detectar no animal infectado tanto o parasita Leishmania sp. como o Trypanosoma cruzi, responsável pela doença de Chagas.

De acordo com Simone Baldini Lucheis, da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (Apta), órgão da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, para evitar falsos positivos seria necessário realizar exames de contraprova, como o exame de reação em cadeia de polimerase (PCR, na sigla em inglês) - uma técnica biomolecular que permite a síntese enzimática in vitro de sequências do DNA.

"O exame convencional para leishmania pode apresentar resultados que seriam falsos positivos e, no momento do exame, o animal pode ter produzido anticorpos contra outros parasitas que são da mesma família da leishmania, como o Trypanosoma cruzi. Em muitos casos, o animal só está infectado por um deles, mas o exame acusa a presença do outro" disse à Agência FAPESP .

O trabalho foi publicado na revista Veterinary Parasitology. O estudo é resultado da dissertação de mestrado de Marcella Zampoli Troncarelli, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Unesp de Botucatu, orientada por Simone com Bolsa da FAPESP.

Simone coordena o projeto intitulado "Isolamento e reação em cadeia pela polimerase (PCR) para Leptospira em amostras renais e hepáticas de ovinos sorologicamente positivos e negativos para leptospirose", que tem apoio da FAPESP na modalidade Auxílio à Pesquisa - Regular.

O trabalho publicado analisou amostras de testes feitos com 100 cães do Centro de Controle de Zoonoses, em Bauru - área considerada endêmica de leishmaniose visceral - e outros 100 animais do Serviço de Guarda de Cães em Botucatu, onde a doença não se estabeleceu.

De acordo com Marcella, como o protozoário pode provocar reações cruzadas e confundir o resultado, os testes envolveram três tipos de exames. O primeiro - que é recomendado pelo Ministério da Saúde - foi o exame sorológico, feito por fluorescência indireta. Foram utilizados ainda o exame parasitológico direto, para análise do fígado e do baço dos cães, e o exame PCR.

"A associação dessas três técnicas ajudou a identificar os animais realmente infectados. E devido a um número preciso que a PCR pôde detectar de animais positivos, mostrou realmente que a sorologia pode falhar nesse diagnóstico", disse à Agência FAPESP.

Os resultados do exame sorológico apontaram que 16% dos 200 testes tiveram resultado positivo para ambas as doenças. Nas amostras dos cães de Bauru, 65% dos testes sorológicos foram positivos para Leishmania e 40% para Trypanosoma cruzi. Entre os cães de Botucatu, todas as amostras foram negativas para Leishmania e apenas 4% foram positivas para o parasita da doença de Chagas.

"Quando fizemos o exame parasitológico e o PCR, eles acusaram, respectivamente, resultados positivos para 59% e 76% nas amostras de fígado e 51% e 72% nas amostras de baço dos cães de Bauru. Isso demonstra que há resultados cruzados", disse a veterinária, que atualmente faz o doutorado na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da Unesp.

Outro problema do exame sorológico, segundo ela, é que o resultado pode apontar também os "falsos negativos" - isto é, o exame dá negativo, mas na realidade o animal está infectado. "Por algum estresse, o animal não produziu anticorpos suficientes para serem detectados pelos testes sorológicos, mas ele tem o parasita se multiplicando no seu organismo", apontou.

Dos 33 cães que mostraram anticorpos contra ambos os parasitas nos testes sorológicos, 26 - ou mais de 78% - também apresentaram resultado positivo nos testes parasitológico e PCR. "Os resultados indicam que esses cães tinham leishmaniose e também sugerem a existência de resultados cruzados", disse.

O uso das três técnicas, segundo o estudo, permitiu uma alta exatidão no diagnóstico da leishmaniose e da doença de Chagas nos cães analisados. "Pela PCR, registramos um número maior de animais infectados do que a própria sorologia. Ou seja, esse exame elucidou os "falsos negativos"", afirmou Marcella.

Segundo ela, devido à alta sensibilidade e especificidade da PCR, os resultados são mais precisos. "O exame PCR é usado predominantemente em pesquisas, porque é uma técnica cara, embora ao longo dos anos o preço venha se reduzindo. É um exame imprescindível e muito sensível porque ele analisa o DNA do parasita", disse.

Urbanização da doença

Também conhecida como "calazar", a leishmaniose visceral é causada pelo protozoário leishmania, que precisa do mosquito fletobomíneo (vetor) e de um animal vertebrado (reservatório) para completar o seu ciclo de vida.

O cão é o principal reservatório da leishmaniose no ambiente urbano. Mas a doença, que pode ser transmitida ao homem, só ocorre por meio da picada do inseto. Segundo Simone, o cão em particular é o principal reservatório do parasita porque o mosquito se adaptou aos ambientes urbanos.

"A doença era registrada principalmente em áreas rurais, mas nas últimas décadas vem invadindo os grandes centros porque o mosquito tem se adaptado melhor aos ambientes urbanos devido ao desequilíbrio ecológico", explicou a professora credenciada junto ao Programa de Pós-Graduação da FMVZ e ao Programa de Pós-Graduação em Doenças Tropicais da Faculdade de Medicina de Botucatu, também da Unesp.

Os sintomas incluem alterações de baço e fígado, emagrecimento, hemorragias, diarreia, aumento significante do tamanho das unhas, alterações oculares e articulares, anemia, febre, vômitos, apatia, nódulos subcutâneos e erosões, úlceras na pele, entre outros.

Simone aponta que a própria natureza do cão permite que ele concentre uma quantidade maior do parasita, principalmente na pele. "O cão, assim como o gato, é uma fonte de infecção para Leishmania e Trypanosoma cruzi. E, como os cães e gatos estão mais próximos do homem - e das crianças -, há perigo dessas enfermidades para a população humana", disse.

Segundo ela, o estudo é importante para a escolha da técnica correta de diagnóstico. "Compreender o ciclo epidemiológico da doença é tarefa de grande importância, pois o problema da leishmaniose não será resolvido apenas com o sacrifício de animais", destacou.

Para ler o artigo Leishmania spp. and/or Trypanosoma cruzi diagnosis in dogs from endemic and nonendemic areas for canine visceral leishmaniasis , de Marcella Zampoli Troncarelli, Simone Baldini Lucheis e outros, acesse o http://www.sciencedirect.com/science?_ob=ArticleURL&_udi=B6TD7-4WMDHR9-1&_user=6434654&_rdoc=1&_fmt=&_orig=search&_sort=d&_docanchor=&view=c&_searchStrId=1049644258&_rerunOrigin=google&_acct=C000055105&_version=1&_urlVersion=0&_userid=6434654&md5=c52c5e28d289bcc11c406bf814f8cef8

Crédito da imagem: Sociedade Brasileira de Infectologia

(Envolverde/Agência Fapesp)