Agência Fapesp
Estudo mostra que exame convencional para diagnóstico de leishmaniose em cães pode apresentar falso resultado positivo, detectando o parasita da doença de Chagas em vez do Leishmania sp.
O destino de cães diagnosticados como portadores de leishmaniose é a eutanásia. Mas, de acordo com um estudo realizado na Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Botucatu, o diagnóstico pautado nos exames sorológicos - recomendado pelo Ministério da Saúde - pode apresentar resultados cruzados e condenar ao sacrifício animais que não desenvolveram a doença.
Segundo a pesquisa, que analisou cães nos municípios de Botucatu e Bauru, regiões consideradas como não-endêmica e endêmica, respectivamente, o exame convencional pode detectar no animal infectado tanto o parasita Leishmania sp. como o Trypanosoma cruzi, responsável pela doença de Chagas.
De acordo com Simone Baldini Lucheis, da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (Apta), órgão da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, para evitar falsos positivos seria necessário realizar exames de contraprova, como o exame de reação em cadeia de polimerase (PCR, na sigla em inglês) - uma técnica biomolecular que permite a síntese enzimática in vitro de sequências do DNA.
"O exame convencional para leishmania pode apresentar resultados que seriam falsos positivos e, no momento do exame, o animal pode ter produzido anticorpos contra outros parasitas que são da mesma família da leishmania, como o Trypanosoma cruzi. Em muitos casos, o animal só está infectado por um deles, mas o exame acusa a presença do outro" disse à Agência FAPESP .
O trabalho foi publicado na revista Veterinary Parasitology. O estudo é resultado da dissertação de mestrado de Marcella Zampoli Troncarelli, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Unesp de Botucatu, orientada por Simone com Bolsa da FAPESP.
Simone coordena o projeto intitulado "Isolamento e reação em cadeia pela polimerase (PCR) para Leptospira em amostras renais e hepáticas de ovinos sorologicamente positivos e negativos para leptospirose", que tem apoio da FAPESP na modalidade Auxílio à Pesquisa - Regular.
O trabalho publicado analisou amostras de testes feitos com 100 cães do Centro de Controle de Zoonoses, em Bauru - área considerada endêmica de leishmaniose visceral - e outros 100 animais do Serviço de Guarda de Cães em Botucatu, onde a doença não se estabeleceu.
De acordo com Marcella, como o protozoário pode provocar reações cruzadas e confundir o resultado, os testes envolveram três tipos de exames. O primeiro - que é recomendado pelo Ministério da Saúde - foi o exame sorológico, feito por fluorescência indireta. Foram utilizados ainda o exame parasitológico direto, para análise do fígado e do baço dos cães, e o exame PCR.
"A associação dessas três técnicas ajudou a identificar os animais realmente infectados. E devido a um número preciso que a PCR pôde detectar de animais positivos, mostrou realmente que a sorologia pode falhar nesse diagnóstico", disse à Agência FAPESP.
Os resultados do exame sorológico apontaram que 16% dos 200 testes tiveram resultado positivo para ambas as doenças. Nas amostras dos cães de Bauru, 65% dos testes sorológicos foram positivos para Leishmania e 40% para Trypanosoma cruzi. Entre os cães de Botucatu, todas as amostras foram negativas para Leishmania e apenas 4% foram positivas para o parasita da doença de Chagas.
"Quando fizemos o exame parasitológico e o PCR, eles acusaram, respectivamente, resultados positivos para 59% e 76% nas amostras de fígado e 51% e 72% nas amostras de baço dos cães de Bauru. Isso demonstra que há resultados cruzados", disse a veterinária, que atualmente faz o doutorado na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da Unesp.
Outro problema do exame sorológico, segundo ela, é que o resultado pode apontar também os "falsos negativos" - isto é, o exame dá negativo, mas na realidade o animal está infectado. "Por algum estresse, o animal não produziu anticorpos suficientes para serem detectados pelos testes sorológicos, mas ele tem o parasita se multiplicando no seu organismo", apontou.
Dos 33 cães que mostraram anticorpos contra ambos os parasitas nos testes sorológicos, 26 - ou mais de 78% - também apresentaram resultado positivo nos testes parasitológico e PCR. "Os resultados indicam que esses cães tinham leishmaniose e também sugerem a existência de resultados cruzados", disse.
O uso das três técnicas, segundo o estudo, permitiu uma alta exatidão no diagnóstico da leishmaniose e da doença de Chagas nos cães analisados. "Pela PCR, registramos um número maior de animais infectados do que a própria sorologia. Ou seja, esse exame elucidou os "falsos negativos"", afirmou Marcella.
Segundo ela, devido à alta sensibilidade e especificidade da PCR, os resultados são mais precisos. "O exame PCR é usado predominantemente em pesquisas, porque é uma técnica cara, embora ao longo dos anos o preço venha se reduzindo. É um exame imprescindível e muito sensível porque ele analisa o DNA do parasita", disse.
Urbanização da doença
Também conhecida como "calazar", a leishmaniose visceral é causada pelo protozoário leishmania, que precisa do mosquito fletobomíneo (vetor) e de um animal vertebrado (reservatório) para completar o seu ciclo de vida.
O cão é o principal reservatório da leishmaniose no ambiente urbano. Mas a doença, que pode ser transmitida ao homem, só ocorre por meio da picada do inseto. Segundo Simone, o cão em particular é o principal reservatório do parasita porque o mosquito se adaptou aos ambientes urbanos.
"A doença era registrada principalmente em áreas rurais, mas nas últimas décadas vem invadindo os grandes centros porque o mosquito tem se adaptado melhor aos ambientes urbanos devido ao desequilíbrio ecológico", explicou a professora credenciada junto ao Programa de Pós-Graduação da FMVZ e ao Programa de Pós-Graduação em Doenças Tropicais da Faculdade de Medicina de Botucatu, também da Unesp.
Os sintomas incluem alterações de baço e fígado, emagrecimento, hemorragias, diarreia, aumento significante do tamanho das unhas, alterações oculares e articulares, anemia, febre, vômitos, apatia, nódulos subcutâneos e erosões, úlceras na pele, entre outros.
Simone aponta que a própria natureza do cão permite que ele concentre uma quantidade maior do parasita, principalmente na pele. "O cão, assim como o gato, é uma fonte de infecção para Leishmania e Trypanosoma cruzi. E, como os cães e gatos estão mais próximos do homem - e das crianças -, há perigo dessas enfermidades para a população humana", disse.
Segundo ela, o estudo é importante para a escolha da técnica correta de diagnóstico. "Compreender o ciclo epidemiológico da doença é tarefa de grande importância, pois o problema da leishmaniose não será resolvido apenas com o sacrifício de animais", destacou.
Para ler o artigo Leishmania spp. and/or Trypanosoma cruzi diagnosis in dogs from endemic and nonendemic areas for canine visceral leishmaniasis , de Marcella Zampoli Troncarelli, Simone Baldini Lucheis e outros, acesse o http://www.sciencedirect.com/science?_ob=ArticleURL&_udi=B6TD7-4WMDHR9-1&_user=6434654&_rdoc=1&_fmt=&_orig=search&_sort=d&_docanchor=&view=c&_searchStrId=1049644258&_rerunOrigin=google&_acct=C000055105&_version=1&_urlVersion=0&_userid=6434654&md5=c52c5e28d289bcc11c406bf814f8cef8
Crédito da imagem: Sociedade Brasileira de Infectologia
(Envolverde/Agência Fapesp)