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Revista DBO

Laranja em dose dupla

Publicado em 01 setembro 2018

Uma silagem inédita, que mistura dois resíduos provenientes da mesma agroindústria (o bagaço de laranja e a polpa cítrica peletizada, ou PCP) está sendo testada em Colina, SP, pela Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (Apta), órgão da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. Além de garantir alimento barato, nutritivo e de qualidade para o gado em períodos de seca, a nova silagem ajuda a reduzir a poluição ambiental, conferindo um descarte apropriado à grande quantidade de material orgânico que sobra da fabricação de suco.

Segundo a pesquisadora e coautora do estudo, Regina Kitagawa Grizotto, nas regiões produtoras de suco de laranja - sobretudo no norte e sudoeste paulistas, as indústrias pequenas e médias geralmente doam parte do bagaço para pecuaristas e despejam o restante em aterros, que acabam soltando efluentes, como o chorume, liquido que polui o solo e mananciais, além de atrair grande quantidade de insetos. Já as empresas de maior porte, com mais recursos, processam o bagaço, transformando-os em pellets, ou polpa cítrica peletizada (PCP), vendida a preços razoáveis no mercado. "Nas propriedades rurais, o bagaço fresco, além de úmido e, por isso, altamente perecível, tem de ser usado muito rápido, se não provoca o mesmo problema ambiental", explica a pesquisadora. Estudos apontam que o bagaço fresco contém 85% de umidade e entre 15o/o-25% de matéria seca, com alto nível de carboidratos que fermentam rapidamente.

Por estragar muito depressa, recomenda- se que o pecuarista o utilize em três dias, no máximo, para alimentar o gado. Regina vem buscando desde 2014, com recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp ), uma fórmula adequada de silagem feita com a mistura desses dois ingredientes abundantes e baratos. "É um trabalho interessante porque nós colocamos dois elementos de mesma origem na silagem. Além de rec iclar um resíduo industrial, mantém-se sua qualidade nutricional sem diminuir, por exemplo, seu teor de proteína ou carboidratos solúveis". Percentual de mistura Com base nos estudos da Apta, a proporção ideal para ensilagem é de 20% de polpa cítrica (PCP) e 800/o de bagaço de laranja, misturados de maneira unif'orme. "O material seco da PCP é fundamental para absorver a umidade excessiva do resíduo cru, reduzir seu volume e evitar a produção de chorume", diz. Segundo Regina, o processo de ensilagem é o mesmo utilizado no milho, no sorgo ou na cana-de-açúcar e pode ser feito tanto em silos de superficie quanto subterrâneos.

"Coloca-se uma lona no chão, vai-se depositando a mistura e compactando-a bem com o trator, para retirar o ar da pilha. Depois que tudo estiver depositado e bem compactado, fecha-se o silo. Após esse processo, o tempo necessário para ocorrer a fermentação, com a produção natural de ácido tático, é de cerca de 60 dias, o mesmo prazo do milho, por exemplo". A pesquisadora explica que a fermentação produz o ácido tático, cuja principal função é baixar o pH da massa ensilada. O processo ocorre durante o período em que a silagem fica fechada hermeticamente. "A redução do pH é um dos fatores de conservação do produto, pois evita o crescimento de micro-organismos deterioradores", diz ela, acrescentando que "vale a pena" adicionar poupa cítrica peletizada à massa, pois isso garantidamente diminui a produção de gases e efluentes. "A PCP absorve a água Livre do bagaço, impedindo que esta escorra na forma de efluente."

Segundo a pesquisadora da Apta, a silagem feita com resíduos da indústria de suco de laranja não é muito disseminada nas regiões citrícolas porque os pecuaristas costumam dar ao gado o bagaço in natura, diretamente no cocho. E quando eles decidem produzi-la, não adicionam a polpa cítrica peletizada. "Usam só o bagaço e inevitavelmente têm de lidar com o chorume", afirma, reforçando a importância da mistura. Além da clara vantagem ambiental, Regina ressalta que se trata de uma fonte alimentar para o gado muito mais competitiva em relação à silagem de milho, cana- de-açúcar ou sorgo e tão nutritiva quanto. "O valor nutricional do bagaço de laranja se compara ao de cereais como milho e sorgo e isso tem interessado muito a produtores de gado paulistas", diz ela, acrescentando outra vantagem: a eliminação do "trabalho extra" que o criador tem com silagens cultivadas. "O milho, o sorgo ou a cana têm de ser plantados, colhidos e picados, demandando tempo e mão de obra. Já o bagaço fresco e os pellets são obtidos diretamente na indústria de suco, a preços bem competitivos, e só precisam ser transportados até a propriedade, misturados e colocados no silo", compara.

A pesquisadora ressalta ainda que a oferta do produto é maior na seca, quando os pastos rareiam no País e os pecuaristas buscam complementar a alimentação de seus rebanhos. Mais etapas O desenvolvimento da silagem misturada foi a primeira etapa da pesquisa da Apta-Co I ina. A segunda serà garantir sua durabilidade após a abertura do silo. Regina explica que até mesmo o silo de bagaço fresco dura mais depois de aberto do que o misturado com pellet de laranja "Isso é compreensível, tendo-se em vista que, qualitativamente, a silagem misturada é mais nutritiva, bem conservada e atraente aos micro-organismos aeróbios, que atuam no alimento assim que a lona é retirada e o ar entra na pilha. Já a silagem feita apenas do bagaço fresco é muito úmida e, portanto, de baixa qualidade, atraindo uma quantidade menor de micro-organismos. Consequentemente, demora mais a se degradar. Quando uma silagem é ruim, dura mais tempo", diz Regina. Trocando em miúdos: é como se os agentes microscópicos que estão no ar e modificam a silagem após ela ter sido aberta preferissem um alimento de melhor qualidade, acelerando o processo de degradação. Nos estudos feitos nos laboratórios da Apta, em Colina, verificou-se que a silagem de bagaço fresco pode ser fornecida até I L5 horas após ser retirada do silo, enquanto a que leva poupa cítrica, 42 horas.

Assim, para evitar a ràpida degradação da nova silagem, a pesquisadora avaliou aditivos químicos e microbiológicos que, misturados à massa, mantivessem o padrão fermentativo e estendessem sua durabilidade. "Estudamos três complementos quirnicos e um aditivo microbiológico", revela Regina, acrescentando que foram feitos experimentos em relação à quantidade ideal de cada um desses produtos, tanto na silagem de bagaço fresco quanto na mistura com 20% de polpa cítrica. "Estabelecemos a dose ideal para cada aditivo e, em seguida, os comparamos, em sua melhor dosagem, com a silagem de bagaço fresco com poupa cítrica peletizada", salienta. A pesquisadora comenta que jà chegou a uma conclusão, mas, como o trabalho referente a essa parte do estudo ainda não foi publicado, não pode, por enquanto, revelar qual o melhor aditivo e sua dosagem. Outras possíveis pesquisas, ainda sem data para começar, serão feitas com relação ao valor nutricional da nova silagem em comparação com as tradicionais, de milho e de cana. De todo modo, a pesquisadora garante que jà é possível, para o pecuarista situado em regiões citrícolas, lançar mão da nova mistura na silagem. "É uma alternativa acessível para o produtor rural de qualquer tamanho", comenta.