A busca por combustíveis alternativos não se resume aos transportes terrestres e aéreos. Ela também é uma preocupação da corrida espacial. A Europa e países como Japão e Rússia são exemplos de nações que saíram na frente na busca por soluções de propelentes (combustíveis para foguete) que agridam menos o meio ambiente e não causem riscos para os seres humanos. No Brasil, o desafio da busca por um propelente verde pode estar perto do fim.
Projeto que conta com a participação de diferentes pesquisadores e uma empresa privada desenvolveu um propulsor que utiliza uma mistura de etanol e peróxido de hidrogênio - nada mais que água oxigenada concentrada. Esses compostos vêm se revelando uma solução inovadora e bastante promissora. A grande vantagem é a disponibilidade do etanol e do peróxido de hidrogênio no país, o baixo custo do propelente e o motor em desenvolvimento, afirma José Miraglia, engenheiro químico e aeroespacial e coordenador da iniciativa, que tem apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Segundo ele, os propelentes usados atualmente pelo Brasil são a hidrazina e o tetróxido de nitrogênio, ambos importados, extremamente caros e altamente tóxicos. Para ter uma ideia dessa toxicidade, quando o tetróxido de nitrogênio entra em contato com a umidade, ele se transforma em ácido nitroso, explica o especialista. A escolha dos pesquisadores pela combinação de etanol com peróxido de hidrogênio se deu pelo fato de que ambos são largamente produzidos pelo Brasil. No caso do etanol, a fabricação chega a 16 milhões de toneladas por ano. Além disso, o país conta com um parque industrial instalado e domínio tecnológico para a produção do combustível, comprovadamente seguro e pouco tóxico. Já o peróxido de hidrogênio é muito utilizado na indústria do papel para o clareamento da celulose, dispondo de larga produção nacional. Comparado ao uso da hidrazina e do tetróxido de nitrogênio, a combinação que propomos é 20 vezes mais barata no consumo de propelente. O que traz uma economia importante dentro de um programa espacial, aponta Miraglia.
Outra vantagem, considerada a mais importante pelos pesquisadores, é o baixo impacto ambiental do novo propelente. Os gases provenientes da combustão são muito menos poluentes que os utilizados pelos outros países. Isso porque entre 90% e 95% dos gases de escape do motor são compostos por vapor dágua, e o restante, por gás carbônico.
Para chegar a essa inovação, os engenheiros utilizaram um catalisador - material cerâmico desenvolvido pelo próprio engenheiro José Miraglia - que decompõe o peróxido de hidrogênio em vapor dágua e oxigênio. Essa mistura entra na câmara de combustão e pulveriza o etanol, resultando na propulsão. O etanol pulverizado por essa mistura gera uma quantidade muito pequena de gás carbônico na combustão, por isso o escolhemos, explica o coordenador do projeto. Existem soluções usadas por países como a Inglaterra que utilizam o metano ou mesmo o querosene de aviação. Porém, a quantidade de gás carbônico formado na combustão é muito maior.
ENSAIOS
A primeira etapa do projeto já foi concluída. Nela, os engenheiros construíram um motor pequeno de 10N de impulso (que gera um quilo de força) para provar a viabilidade da tecnologia proposta. Na segunda etapa, os cientistas vão construir dois motores maiores, de 10N e de 1.000N (equivalentes a 10 quilos e 1 tonelada de força de impulso) para testar o propelente de etanol. Para isso, serão feitos ensaios com motores a frio e aquecidos para testar os materiais. Utilizaremos ligas de alumínio e aços inoxidáveis para os motores a frio e apenas aços inoxidáveis nos quentes, explica Vanderlei Neias Júnior, mestrando em engenharia aeroespacial e um dos diretores da empresa Guatifer. Já os tanques serão feitos com ligas de aços inoxidáveis para ensaios estáticos, pois não necessitam de alívio de peso. Isso é feito propositadamente, para possibilitar ensaios com níveis de pressão no tanque acima da desejada afim de avaliar condições diversas de operação, completa Júnior.