As evidências científicas de que o homem precisa preservar o ambiente atmosférico para ter uma boa qualidade de vida são obtidas na USP por um dos mais avançados centros de pesquisa sobre o assunto. Trata-se do Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina. Desde a década de 80, os pesquisadores fazem ali experiências que comprovam os efeitos nocivos dos poluentes sobre o organismo humano. Essas pesquisas serão relatadas no dia 14 de junho — durante o evento "A USP fala sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável" — pelo professor Paulo Hilário do Nascimento Saldiva, que falará sobre "Saúde e meio ambiente".
Uma das originais descobertas trazidas à luz pelo laboratório se refere à relação entre a poluição do ar e os abortos. Segundo os dados estatísticos obtidos pelas pesquisas — relatados no artigo "Association between air pollution and intrauterine mortality in São Paulo, Brazil", publicado em 1998 —, de cada oito abortos ocorridos diariamente na capital paulista, 1,5 deles pode estar associado à poluição atmosférica. "Os nossos resultados sugerem que a poluição do ar em São Paulo pode promover efeitos nocivos à saúde dos fetos", alerta o professor Luiz Alberto Amador Pereira, um dos pesquisadores que assinam o artigo.
Para os fetos, o poluente mais ameaçador é o dióxido de nitrogênio, que surge graças à reação entre dois gases — o oxigênio e o nitrogênio — durante o processo de combustão em altas temperaturas. É o que ocorre, por exemplo, no motor dos automóveis — responsável por grande parte da emissão desse poluente na atmosfera. Por ser muito solúvel, o dióxido de nitrogênio penetra até os mais distantes brônquios da árvore respiratória — como os especialistas chamam o sistema que conduz o ar para a corrente sangüínea.
O resultado da exposição do feto ao dióxido de nitrogênio pode ser a maior suscetibilidade a infecções provocadas por bactérias. Acontece que o poluente parece enfraquecer os macrófagos — agentes de defesa do organismo, que eliminam as bactérias — localizados nos alvéolos pulmonares, onde ocorrem as trocas de gases. Outra conseqüência da ação do dióxido de nitrogênio são complicações como o aumento da "hiper-reatividade brônquica", mesmo em baixas concentrações.
CÉLULAS SATURADAS
Além do dióxido de nitrogênio, os abortos podem ser causados também por outros dois poluentes — o dióxido de enxofre e o monóxido de carbono —, segundo as pesquisas do Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental. Originário da ação das indústrias e dos motores a óleo diesel, o dióxido do enxofre é capaz de provocar irritações das vias aéreas superiores, causando assim a "bronco-constrição". Estudos científicos chegam a relatar casos de morte provocadas por ácidos derivados do processo de oxidação do dióxido de enxofre. Já o monóxido de carbono — um gás derivado da combustão incompleta de combustíveis como a gasolina, o gás de cozinha e a madeira — é uma das maiores ameaças à saúde do ser humano — seja ele um feto, um recém-nascido ou um adulto. Com uma afinidade 220 vezes maior com a hemoglobina do que o oxigênio, o gás — quando em altas concentrações no ambiente — pode saturar as células sangüíneas, impedindo a oxigenação dos músculos cardíacos e esqueléticos. "Estudos mostram que há diminuição da capacidade cardíaca durante o exercício em indivíduos saudáveis expostos a baixas concentrações de monóxido de carbono", afirma o professor Luiz Pereira, lembrando que pacientes com doenças cardiovasculares — principalmente as isquêmicas do coração — são particularmente suscetíveis àquele gás. "Alguns autores sugerem que a ação do monóxido de carbono sobre o sistema nervoso pode levar a uma diminuição sensitiva e motora cerebral."
Se em adultos o monóxido de carbono provoca tantos distúrbios, os fetos são ainda mais prejudicados pelo poluente. Estudos feitos em vários centros de pesquisa apontam o gás como o principal fator de aumento de risco de mortalidade perinatal e fetos com baixo peso em mães fumantes. Pesquisas realizadas com animais apresentaram os mesmos resultados. "Há o risco ainda de um maior desenvolvimento de lesões neurológicas", lembra Pereira. "A associação entre o monóxido de carbono e a síndrome da morte súbita em recém-nascidos também tem sido muito discutida por alguns autores." Apesar dessas evidências, a ação da poluição do ar nos fetos é um tema que não tem sido explorado pela literatura médica internacional — daí a originalidade do trabalho dos pesquisadores do Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental.
DOENÇAS E MORTES
Mas não é só. O laboratório tem ainda uma série de pesquisas relacionadas à poluição atmosférica. Cruzando dados como os índices de poluição diários — fornecidos pela Cetesb — e as internações ocorridas nos hospitais da Capital, os pesquisadores da USP verificaram que, justamente nos dias de maior poluição, há um aumento do número de complicações. Só no Instituto do Coração, por exemplo, o pronto-socorro atende 10% mais pacientes nas épocas em que o ar está mais carregado de poluentes. Isso pode estar ligado justamente à diminuição da oxigenação do coração provocada pelo monóxido de carbono.
Assim como sucede aos pacientes com doenças cardiovasculares, pessoas com outras complicações tendem a ser mais afetadas à medida que o ar piora. Ao fazer o monitoramento de consultas em mais de 200 hospitais, o laboratório mostrou que a poluição do ar estava relacionada ao aumento de internações e até mortes decorrentes de problemas respiratórios. "É certo dizer que, para aquelas pessoas suscetíveis a doenças respiratórias e cardíacas, a poluição tende a agravar essas complicações."
Experiências com ratos são outra segura fonte de dados para os pesquisadores da USP. Animais expostos ao ambiente do centro de São Paulo desenvolvem doenças muito mais facilmente do que aqueles mantidos em cidades pouco poluídas, como a cidade de Atibaia. Os ratos nos quais os pesquisadores induziram a asma pioraram da doença quando deixados em São Paulo e melhoraram ao ser transferidos para o interior. "Isso tudo nos dá a base científica para dizer que a poluição precisa ser combatida, a fim de que as pessoas vivam melhor."
A reprodução é outra função do organismo que pode ser prejudicada pela poluição atmosférica, de acordo com as pesquisas do laboratório. Estudos feitos pelo professor Paulo Saldiva e sua equipe com uma planta — chamada Tradescantia — evidenciam esses malefícios. Expostas ao ambiente em diferentes ruas e avenidas de São Paulo, os núcleos do DNA das plantas submetidas a maiores níveis de poluição quebram-se em micronúcleos, de forma que a Tradescantia, para os pesquisadores da USP, passou a ser um "termômetro" da poluição ambiental. Quanto mais o DNA se quebra mais o ar está poluído.
Notícia
Jornal da USP