Em busca de vestígios de repressão e resistência, uma equipe de pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) foi ao antigo DOI-Codi, um dos principais centros de tortura na ditadura militar, localizado na Zona Sul de São Paulo, para participar de escavações arqueológicas iniciadas na última semana.
O trabalho no edifício é dividido em três frentes: escavação, investigação forense e arqueologia pública, sendo a última desenvolvida pela equipe da professora Aline Carvalho, do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais da Unicamp (NEPAM) da Unicamp.
Além de acompanhar a busca por objetos e vestígios de DNA, os pesquisadores do laboratório de arqueologia da universidade têm a missão de fazer uma ponte entre os cientistas e a comunidade ao redor do centro de tortura, ajudando a resgatar lembranças do passado.
"As comunidades são detentoras de saberes. Então, no caso do DOI-Codi, as pessoas moram no bairro há décadas, inclusive quando ele funcionava neste edifício. Quando você faz essa ponte, a gente consegue outras informações que vão nos ajudar a entender essa materialidade", destaca a professora.
'Garimpo' de memórias
De acordo com Carvalho, o trabalho de arqueologia pública não ficará restrito à Vila Mariana, bairro onde o centro de tortura estava instalado. A busca por lembranças e conexões também pode ser ampliada às comunidades municipal, estadual e nacional.
"Às vezes, as pessoas nem lembram que possuem essas informações, mas quando elas veem algo material isso acaba trazendo a elas essas memórias, que permitem que a gente faça um trabalho de construção de novas narrativas", afirma.
O "garimpo" de memórias feito pelas equipes, porém, começou muito antes das escavações. Em parceria com o Memorial da Resistência, pesquisadores da Unicamp iniciaram em 2020 a coleta de depoimentos de sobreviventes e parentes de vítimas da ditadura.
"Hoje tem muita gente ainda que tem alguma relação com o DOI-Codi, que se lembra e sabe de algo, mas ainda não tem coragem de falar. Essa coleta de testemunhos começou há dois anos, durante a pandemia, o que foi um grande desafio, mas ela permanece e permanecerá aberta a todos aqueles que queiram e se sintam à vontade para falar", pontua Carvalho.
Guarda de materiais
Todo o material inorgânico encontrado durante as escavações, que seguem até 14 de agosto, será encaminhado ao Laboratório de Arqueologia Pública (LAP/Unicamp). O espaço ficará responsável pelo processamento e conservação dos itens até que o local destinado ao memorial seja finalizado.
"Quando esses materiais chegam no laboratório, eles passam por um processamento. Eles são limpos, as informações dos diários de campo são consultadas e fazemos uma identificação desse material. Cada tipo de material exige um esforço de limpeza e conservação", detalha a professora.
As possibilidades de exposição começam a ser avaliadas após o fim do processamento dos itens arqueológicos, o que pode levar tempo devido à quantidade de peças e fragmentos que a equipe espera encontrar.
No entanto, aqueles que têm curiosidade em acompanhar o trabalho dos escavadores em primeira mão podem realizar visitas guiadas ao DOI-Codi das 10h às 11h, de segunda a sexta-feira, mediante agendamento prévio pelo formulário.
Além da Unicamp, o Grupo de Trabalho (GT) DOI-Codi é formado por arqueólogos e historiadores de outras nove instituições, dentre elas a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
DOI-Codi/SP
O Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna ou, simplesmente, DOI-Codi foi um órgão clandestino criado em 1969 e incorporado ao Exército no ano seguinte, quando foi oficializado e recebeu este nome.
Com sede na Zona Sul de São Paulo, ele foi um dos centros de tortura, assassinato e desaparecimento forçado mais atuantes do país. Estima-se que mais de 7 mil opositores da ditadura tenham sido torturados nas dependências do órgão durante seu período de atuação, até o início da década de 1980.