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Kiyoshi Harada, Renato Shimmi e Sedi Hirano falam sobre ‘ética’ em Seminário no Bunkyo (1 notícias)

Publicado em 23 de novembro de 2018

Por Aldo Shiguti

Conceito complexo sobre o qual ainda pairam muitas dúvidas – e que cada vez mais faz parte de nosso dia a dia – a ética foi o assunto abordado por três personalidades convidadas para o Seminário da Comissão Jurídica do Bunkyo (Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e de Assistência Social). O evento, realizado no último dia 12, na sede da entidade, reuniu uma “seleta plateia” que ouviu atentamente as exposições do jurista Kiyoshi Harada, que abordou o aspecto geral de ética; o advogado Renato Akira Shimmi, mestre em Filosofia, que traçou um paralelo de ética no Brasil e no Japão e, do professor Sedi Hirano, mestre e doutor em Sociologia, que abordou a ética no sistema educacional brasileiro.

Abrindo a série de exposições, Harada se situou mais no campo pragmático, “com ilustrações fáticas para bem memorizar os ouvintes e provocar debates”. Acadêmico da Academia Paulista de Direito (APD) e professor de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário, além de Acadêdmico Perpétuo da Academia Paulista de Letras Jurídicas, Harada iniciou sua fala afirmando que a ética e a moral costumam ser confudidas com frequência. “Apesar de pontos de semelhanças, a ética difere da moral a começar pela origem das palavras. Ética vem do grego Ethos, que significa modo de ser, o caráter do indivíduo, ao passo que a moral deriva da palavra morales, relativo aos costumes. Certamente, a palavra moral é polissêmica”, destacou o jurista, que fez uso de considerações de natureza filosófica e também da linguagem coloquial “ao alcance de todos” em torno do tema que ele considera “apaixonante”.

Coletivo x indivíduo – Segundo Harada, “enquanto a ética implica exercício do senso crítico, fundado na razão para a busca da verdade, a moral simplesmente representa os costumes, as regras e os tabus estabelecidos por convenções em cada sociedade”. “Daí porque a moral varia no tempo e no espaço. As afegãs, por exemplo, andam com burca, isto é, cobrem o corpo inteiro, dos pés à cabeça, deixando apenas pequenos furos na altura dos olhos para poder enxergar. No Brasil acontece quase o contrário”, afirmou, acrescentando que “isso nada tem a ver com a ética, mas apenas com a moral”.

“Em termos práticos, pode-se dizer que a ética consiste no modo de agir do indivíduo, sempre com a preocupação voltada para o próximo, a fim de promover o bem-estar social, ou seja, direcionar o seu comportamento para o bem da coletividade”, disse Harada, para quem uma pessoa desprovida de ética “faz exatamente o contrário: toda a sua ação é voltada para beneficiar a si próprio, ainda que em prejuízo de outrem. Eventual benefício à sociedade não passa de mero efeito colateral”.

Currais eleitorais – Na sua opinião, para agir com ética a pessoa não precisa ser inteligente, competente, muito menos erudita. “Basta tão só, agir com naturalidade, sem individualismo, sem egoísmo, sempre de forma desinteressada, isto é, visando apenas e tão somente o bem-estar da coletividade, respeitando-a em quaisquer circunstâncias. Repito, em quaisquer circunstâncias, porque isso é importante em termos de ética”, explicou, destacando que a ética “não comporta adjetivação ou a relativização” e, como mode de agir, a ética está relacionada com todas as atividades do homem. “Por exemplo, no campo da atividade econômica, do exercício de profissões liberais, do funcionalismo público, da educação etc.”, apontou, afirmando que “sem ética não cabe falar em Estado Democrático de Direito, como proclamado na nossa Constituição dita cidadã”.

Troglodita – “Um governante sem ética finge desconhecer as disparidades socioeconômicas existentes no país, ou simplesmente não as percebe, porque na sua formação essas diferenças são tidas como naturais e até mesmo necessárias. Antigamente, o aprisionamento e a escravização do negro eram tidos como algo natural, porque a escravidão era necessária à produção rural. Se for um costume da época, essa moral estava em confronto com a ética. Transpondo esse costume bárbaro para os dias atuais eu diria que um político que se elege à custa de currais eleitorais, por exemplo, não pode prescindir dos miseráveis. Por isso, ele se porta como um troglodita profissional na área da educação que continua com um sistema invertido e pervertido, que despeja, anualmente, milhares de analfabetos funcionais que são aquelas pessoas que sabem ler e escrever, mas, não conseguem compreender ou interpretar o que leram e o que escreveram”, finalizou.

Pensadores japoneses – Em seguida, o jovem advogado Renato Akira Shimmi destacou a importância da comunidade nikkei divulgar mais a cultura japonesa para todos “porque essa diversidade é que forma o nosso país”. Para discorrer sobre a atual filosofia ética japonesa e o que o Brasil pode aprender com ela, Renato Shimmi citou dois pensadores japoneses, Eiji Uehiro – que já foi condecorado pelo imperador do Japão por sua contribuição na área da educação – e Watsuji Tetsurô, o mais lido atualmente no Japão e autor da obra Rinrigaku. Segundo Shimmi, esses dois filósofos japoneses “têm muito a dizer para o Brasil”, embora não façam parte da Academia e curiosamente sejam mais estudados em instituições norte-americanas.

Shimmi desconstruiu o estereótipo sobre o bushidô, o código de ética dos samurais, que segundo ele, é “muito romantizada” e falou sobre a importância do estado laico, “uma caracteristica muito forte no Japão. Para ele, a nossa ética ocidental é “teológica” e que a ética vinculada à religião “tem um problema, que é de autoridade”. Segundo Shimmi, quando as pessoas passam a acreditar em “autoridades divinas”, “passam a acreditar em força, na lei do mais forte”. “Esse é o problema da ética, de que o bem estaria acima de tudo e de todos”.

“E aí vem um ponto da educação do povo japonês que pode ser uma resposta ao mundo, que está vivendo uma questão confronto teológico, com movimentos extremistas de um lado com o islã, e movimentos extremistas de outro com cristianismo. “Veja como a ética da teologia é perigosa, ela é invasora, é colonizadora, só quer impor a religição dela. Watsuji Tetsuro, parte do seguinte conceito que a etica é o homem, o homem é a etica, porque o termo ser humano em japonês utiliza dois kanjis – nin (pessoa) e gên (é uma expressão para dizer a relação entre). É algo étnico, muito isolado, mas transcende o Japão. Esse é o ponto que ele fala que a ética estuda o ser humano, o ser humano existe para conviver, respeitar o outro. A ética é o ser humano, não está acima, explicou Shimmi.

Dever ser – Fechando o ciclo, o professor Sedi Hirano – ex-diretor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (2002-2005) e pró-reitor de Cultura e Extensão (2005-2007) da Universidade de São Paulo – defendeu um sistema educacional de formação crítica. Ex-membro do Conselho Superior da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (2006-2012), Sedi Hirano colocou o problema da educação como uma problema fundamental dentro da questão da ética na sociedade brasileira e de como a educação, mais que um problema politico e ideológico, “é um problema ético”.

“Consultei vários dicionários de Filosofia e da língua japonesa. Mas vou me apegar a um dicionário da Universidade de Cambridge, uma instituição conceituadíssima, que diz que a ética, concordando ou não concordando, é a ciência da moralidade. Agora é claro, a concepção de moralidade depende de um conjunto de sistema de valores. E essa moralidade, na verdade, é vista e filtrada por valores. E dependendo da matriz que nós plantamos como elemento que filtra as atitudes humanas, o comportamento humano, nós temos uma concepção de moralidade”, explicou, destacando, no entanto, que o que mais o impressionou foi exatamente uma palavra que marcou muito o seu pensamento e marca muito o pensamento da maior fundação de pesquisa do Estado de São Paulo, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, da qual Sedi Hirano foi membro do Conselho Superior, à época presidido pelo chanceler Celso Lafer.

“Nesse dicionário estava lá, ‘boas práticas’. A ética se refere a boas praticas. Quando se diz que a ética se refere a boas práticas, significa que existem também más práticas”, disse, Hirano, explicando que se pautou na palavra educação que os jesuitas viram na população japonesa entre 1554 e 1560. “O Luiz Fróis escreveu um livro sobre os grandes contrapontos culturais entre o Japão e a Europa, principalmente em relação a Portugal, e a coisa mais impressionante é a visão dos jesuitas, ou seja, de um cristão, católico, ocidental, quando estava analisando a educação das crianças japonesas. Ele dizia que as crianças japonesas, ao contrário das crianças ocidentais e, portanto das crianças europeias, as crianças japonesas não apanhavam.

Bons cidadãos – Segundo ele, a educação se fazia não através da violência mas através de boas práticas do dever ser. O que que uma criança numa família deveria ser. “E tanto o pai como mãe eram os guardiões desses preceitos do dever ser. E toda cultura deveria ter um valor no campo do dever ser. O que que uma pessoa tem que ser. A ética não existe sem a finalidade. A ética existe porque você coloca um dever ser, portanto, você coloca uma finalidade a ser atingida”, explicou o professor, afirmando que a finalidade da etica é exatamente o homem.

“Claude Lévi-Strauss, em A outra face da lua e Antropologia diante do mundo moderno, compara a América com o Japão. E tem uma frase em que ele diz que a América é rica em recursos humanos, mas pobre em população. E diz depois. O Japão é um pais que não tem praticamente nenhum recurso humano mas é rico em sua população. Uma boa prátca ética tem que colocar a educação no centro. Se coloca a educação como centro, nós estamos colocando o homem como centro. A finalidade é formar esse homem dentro dessas boas práticas.”, disse Hirano, que citou o manual da Fapesp, “que coloca que essas boas práticas científicas visam a integridade na produção do conhecimento científico”. “E nesse sentido, a integridade na educação é produzir bons cidadãos. Produzir bons cidadãos é produzir cidadãos críticos, cidadãos de formação em nivel de excelência em que ele possa se inserir na sociedade de uma forma extremamente qualificada”, concluiu.

Conclusão – Em sua conclusão, Kiyoshi Harada assegurou que “as divergências” dos pontos de vista dos três palestrantes “foram apenas aparentes”. “Todos concordamos que a ética pressupõe uma finalidade. Uma finalidade voltada para a busca do bem, que não é o bem individual mas o bem da sociedade, da coletividade”, explicou.

O presidente da Comissão Juridica, Junzo Katayama, o mediador Nelson Miyahara e o vice-presidente do Bunkyo, Roberto Nishio, elogiaram os palestrantes. “Com tudo isso que ouvimos, constatamos que a cultura brasileira ainda está muito longe daquilo que seria a ideal”, disse Katayama.