Exato, é o que você leu no título. Reafirmo sem hesitar a afirmação de Kenye West, negros permaneceram na condição de escravos por quase cinco séculos por opção. Para quem não sabe a declaração foi dita em 2018 durante uma entrevista ao TMZ. Quem quiser confira abaixo.
Na época Kenye foi atacado por todos os lados, especialmente na “comunidade” do Hip Hop, chamaram-no principalmente de “irresponsável” e “louco”. Naquele ocorrido preferi não me envolver em debates, estava de saco cheio, sobretudo por perceber que a reação por parte da “comunidade negra” foi puramente irracional, e também por concordar com Kenye após alguns segundos de reflexão. Aquele foi um bom momento para se iniciar um proveitoso debate, mas isso não aconteceu. Me incomodava a reação claramente ignorante por parte dos negros, mesmo os mais instruídos e com o privilégio da boa formação intelectual. Em sua totalidade foram enfáticos, discordavam do mano. Não presenciei alguém em defesa de sua afirmação, e sequer fizeram o principal, levar adiante uma discussão acalorada do papo dado ao TMZ, do “por quê?” e “como?”. Kenye estava errado e ponto, bateram o martelo. Mas eu discordo da unanimidade. Eduardo Taddeo quando ainda compunha o Facção Central, talvez parafraseando Nelson Rodrigues, cantou “a unanimidade é burra”. E estou com ele nesta afirmação.
Ao contrário do que fizeram perdendo tempo, não discutirei o artista, mas seu discurso, pois é o que importa a mim. Uma das minhas hipóteses é que quando articulou tal declaração esperava que seu raciocínio fosse acompanhado, mas o problema é que ninguém decifrou a lógica por trás dele, por incapacidade ou ignorância. Minha segunda hipótese é por intenção de provocação, especialmente porque acreditava que ninguém decifraria abruptamente sua lógica, então geraria questionamentos sobre o tema polêmico. O que houve em seguida foram apenas cegos comportamentos reacionários.
A resposta não é hermética nem está trancada a sete chaves, e para isso utilizarei referências brutas corriqueiramente consumidas pelos mesmos que o criticaram. A lógica por trás do que foi dito levita diante dos olhos de todos, mas ninguém a abraça. Sigo supondo o misterioso porquê.
A inércia sempre me gerou antipatia, nunca fui admirador dos ensinamentos bíblicos de “dar a outra face”, portanto, um inimigo fatal do enfermo pacifismo. Proudhon uma vez disse “Aquele que puser as mãos sobre mim, para me governar, é um usurpador, um tirano. Eu o declaro meu inimigo”. Posso dizer que a resposta mora aí, e mesclando Proudhon à declaração de West a sua afirmação se traduziria como “Por que não escolheram morrer lutando ao invés de viverem escravizados?”. Se resume em apenas isso, nada mais. Me intriga que uma discussão coletiva não tenha chegado a esta interpretação explícita, e ao invés disso incitaram uma inquisição contra a pessoa de Kenye West. Posso dizer que sua rápida declaração foi mais incisiva que qualquer literatura lida até então por estes “negros sabidos” e “empoderados”, já que o que ele afirmou é a base da verdadeira ruptura anticolonial, sua fórmula é a pura violência e o verdadeiro rechaço, a hostilidade materializada. O intrigante é que esta conclusão circula de modo inquestionável em diversas músicas, livros e na cultura pop, mas até então não me recordo de alguém que a tenha abraçado e discutido em profundidade.
A verdadeira reação anticolonial só pode ser obtida através do extremismo contra a pessoa, a coisa ou ideia, e por pessoa considero inclusive o próprio indivíduo, em suma, a ação suicida, se preciso. Ilustrarei ponto a ponto, e para começar recorrerei a talvez a referência (pop) e mais discutida nos últimos anos sobre empoderamento negro, o filme Pantera Negra. A produção foi um sucesso indiscutível em bilheteria, e o que mais chama a atenção é seu roteiro e elenco pouco convencional dentro de Hollywood. A história paira em torno de uma “afro-sociedade futurista” bastante desenvolvida, completamente em contraste com a realidade contemporânea no mundo, que onde quer que você procure encontrará guetos habitados por centenas ou milhares de negros em situação miserável. O filme, claro, mexeu com a cabeça dos negros no mundo, e me arrisco a dizer que foram eles os que mais consumiram orgulhosos o conteúdo nos cinemas, plataformas de streaming e por de pirataria online. Lembro de ver grupos de dezenas de negros se encontrando para ir assistir o filme, todos bastante bonitos, exaltando seus cabelos e vestimentas. Mas e a mensagem, captaram? Ou o filme foi consumido por puro entretenimento? Me recordo que geral pirou no “vilão” Killmonger, todavia não o entenderam. A frase que mais gosto do personagem foi pronunciada após a última batalha contra T’challa, “Me salvar pra que ? Pra viver o resto da vida preso? Só me joga no oceano e me enterra junto com meus ancestrais, que saltaram dos navios, sabendo que a escravidão era pior do que a morte!”.
Sério que o público realmente pirou neste cara? Além de sua clara intenção de criar um soberano império negro e declarar uma vingativa guerra aos brancos, a sua argumentação não se diferencia da alegação de Kenye, e aí é evocado o verdadeiro anticolonialismo que mencionei, que é extremo, e neste caso, contra a própria vida, preferindo a morte à escravidão, sendo a negação máxima da condição cativa. Isso leva ao primeiro questionamento central de que pretendo alavancar, os negros escravizados poderiam então se matar como forma de escape ao invés de permanecerem na condição de cativos? Não só podiam, mas o fizeram. Certamente não foi por mera casualidade que Killmonger fez tal declaração no filme.
Investigações científicas levadas a cabo em algumas regiões no mundo (inclusive no Brasil) conseguiram demonstrar que era alto o índice de suicídio entre os escravos, e a prática era recorrente possuindo claros motivos de rebelião pessoal contra a condição cativa preenchida de violência física e psicológica. A revolta individual contra a escravatura não é a explicação única, já que o ato é uma manifestação humana bastante complexa para ser reduzida a uma única justificativa, podendo possuir caráter sociológico, antropológico ou psicopatológico. Entretanto, não escapa de ser uma explicação, e provou-se ser. Em muitos dos casos concretizados ou frustrados de suicídio havia indícios de que o ação foi realizada ambicionando “se livrar da condição cativa”. Os métodos eram diversos, e enforcamento, envenenamento, afogamento e a utilização de armas brancas eram alguns deles. E mais que um “mero” escape físico era a crença espiritual de algumas etnias escravizadas de que ao morrerem, regressariam à terra de seus antepassados. Não era unanime e nem todas as tribos aceitavam o ritual suicida como saudável ao espírito, mas a prática existia e era cultivada entre alguns grupos. Muitos ao morrerem nas Américas depositavam suas crenças no retorno do espírito à Africa, para o eterno descanso. Era a vingança autodestrutiva contra seus amos, como se dissessem “se não terei a minha própria liberdade, ele também não a terá”. Portanto, voltando novamente à declaração de Kenye, haviam escolhas? Claramente sim, e por mais extremo que seja, o suicídio era uma delas. E se você condena ou julga a prática você só está sendo um estúpido ou estúpida que desde sua visão judaico-cristã reduz a existência ao que crê ser moralmente correto e aceitável, se esquecendo de que diversas tribos do continente africano sequer compreendem a lógica e os valores ocidentais.
Vale lembrar que o suicídio normalmente era a solução derradeira para condições insuportáveis, angustiantes e vergonhosas, haviam outras duas, a “fuga” e a “violência homicida”. Vamos para a segunda.
Certamente a mais recorrente das insubmissões era a fuga, e imagino que isso seja de conhecimento de todos de que negros escravizados pelos brancos em todo o mundo se rebelaram e fugiram das Senzalas. Neste país houveram milhares de fugas, e negros de dezenas de etnias se concentravam nos chamados Quilombos e lá formavam famílias e povoados, e sobrevivendo principalmente da caça e da coleta (e às vezes da baixa agricultura) formavam uma sociedade primitiva em resistência constante contra a escravidão, combatendo com frequência excursões de recaptura. No Brasil o maior dos Quilombos certamente foi o Quilombo dos Palmares, que teve como líder o guerreiro negro Zumbi dos Palmares. Aqui volto novamente à afirmação de Kenye West, haviam escolhas? Claro, anteriormente mostrei que o suicídio foi uma delas. Mas haviam outras? Havia, e a fuga era a segunda escolha. Neste caso algumas pessoas com conclusões deformadas podem me condenar com afirmações como “Aah, você fala como se fosse fácil fugir, fala porque não é você, queria ver você lá.” Para isso recorro à Malcolm X, “A mais perigosa criação no mundo, em qualquer sociedade, é um homem sem nada a perder.” O que teria um negro fatigado a perder na condição de cativo no ano de 1600 há milhares de quilômetros de sua terra natal, com suas raízes e núcleo familiar destruído e sofrendo constante violência física e psicológica? Absolutamente nada. O que falo é instintivo, está em nossos genes e não há retórica que rebata. Se o tenta fazer, você está agindo estupidamente. Um corpo tomado pela dor, a cólera e a desesperança é capaz de qualquer coisa de maneira inconsequente, então arriscar a fuga mesmo que isso custe a própria vida não significa nada, e ao mesmo tempo significa tudo. Em uma equação simples, a tentativa de fuga seria apenas uma atividade rotineira, como o fubá seco de todos os dias naquela época.
Vejo então a existência de outra escolha clara, e a segunda alternativa que teria um negro em uma era escravocrata de 400 anos seria a tentativa de fuga, e percebo novamente que esta escolha também é cultivada nos meios acadêmicos, literários, musicais, etc., mas por incapacidade intelectual ou ignorância igualmente a negam e não a veem como uma eleição consciente, mesmo que o “espectro escolha” paire o tempo inteiro no que consomem os negros que caíram em fúria contra Kenye West.
Atrás de Martin Luther King Jr. talvez Malcolm X foi o ativista negro de maior relevância e impacto na história (digo “talvez” porque alguns podem elencar Mandela como o segundo mais influente). Malcolm é expressivamente citado na comunidade ativista negra, especialmente entre os mais radicais, e claro, também entre os que criticaram Kenye West. Só que tem um porém, Malcolm de certo modo sintetizou décadas antes a afirmação de Kenye em uma épica preleção intitulada “Mensagem a Grass Roots”. É difícil destacar uma parte deste discurso porque a mim ele é excepcionalmente interessante, mas penso que para este texto o trecho em que Malcolm fala do “negro da casa” e do “negro do campo” se encaixe perfeitamente. Estas expressões enquadram, segundo Malcolm, os dois tipos de negros africanos escravizados, e cada uma levanta características completamente contrárias. Os dois trechos seguintes retirei exatamente de como está na Wikipédia porque estão bastante sintetizados, “O negro da casa vivia na morada de seu proprietário, era bem vestido, e comia bem. Ele amava seu dono, tanto quanto seu dono amava a si próprio, e ele se identificava com seu proprietário. Se seu dono adoecia, o negro da casa perguntava: “Estamos doentes?” Se alguém sugerisse ao negro da casa que escapasse da servidão, ele se recusaria, perguntando onde ele poderia ter uma vida melhor do que aquela?”. Já “o negro que morava num barraco, usava roupas rasgadas, e comia restos. Ele odiava o seu proprietário. Se a casa do seu dono pegasse fogo, ele rezava para ter vento. Se o proprietário ficava doente, o negro do campo orava para que morresse. Se alguém lhe sugerisse a fuga, ele escaparia no mesmo instante”. Nota-se que Malcolm descreve dois tipos de negros escravizados, o domesticado e o bravio (o anticolonial radical). Especificamente o discurso foi uma metáfora para descrever a sociedade estadunidense naquela época, mas se encaixa sem imperfeições na situação de uma sociedade estratificada escravocrata ou pós-escravocrata em qualquer lugar no mundo.
Como falei, “a fuga” é muito recorrente nos meios culturais, especialmente dentro da comunidade Hip Hop. Para citar um bom exemplo:
Rincon Sapiência?—?Crime Bárbaro
“Capangas armados estão a procura
Escravos apanham, meu ato de loucura
Fugido eu tô correndo pela mata
Na pele eu levo a marca da tortura
O crime deixa doido o bagulho
Carrego um pouco de medo e orgulho
Atrás da orelha deles eu sou a pulga
Se eles chegar, to pronto pra dar a fuga
Por mim estaria tudo em paz
Minha terra, meu povo e ninguém mais
Liberdade por aqui ninguém traz
Sim senhor, não senhor não satisfaz
Arrependimento, isso eu não tenho
O meu movimento sempre mantenho
Escravos apoiam meu desempenho
Fui eu que matei o senhor do engenho
O nego fujão alguém viu
(Nossa senhora, neguinho passou a mil)
Ter canela fina é pra correr
Se me pegarem vai doer
Mesmo estando em desvantagem
A sensação é de poder
Eu sou nego fujão
Pega nego fujão
Corre nego fujão
Eu vou me embora daqui
Meu crime, eu sei, não tem as pazes
Pega nego fujão, tá nos cartazes
Pra ter rebelião, hoje eu dei base
Clima de tensão, essa é a fase
Sem líder eles não sabem agir
Escravos agora fazem canções
Pior quando eles descobrir
Que com a filha dele eu tinha relações
É o cúmulo do desacato
O sonho dela era ter filho mulato
Ela sempre me disse que seu pai é chato
Mas foi pelo meu povo que eu fiz meu ato
Boatos correm, eu também
Me sinto como um herói, isso me faz bem
Escravos me colocam como um rei
Porque o senhor de engenho fui eu que matei
O nego fujão alguém viu
(Nossa senhora, neguinho passou a mil)
Ter canela fina é pra correr
Se me pegarem vai doer
Mesmo estando em desvantagem
A sensação é de poder
Eu sou nego fujão
Pega nego fujão
Corre nego fujão
Eu vou me embora daqui
Meu crime a ele eu culpo
Bateu em criança, cometeu estupro
Proibiu a dança e a religião
Gerou confusão interna entre o grupo
Cana de açúcar e Sol quente
Rachando na cuca, ódio na mente
Lembro de seu braço preso no meu dente
Ah! Depois não foi um acidente
Preso e vivo, morto e liberto
Logo pensei: um dia te acerto
Ah, ele disse: esse nego é um cão
Corpo no chão, eu fui mais esperto
Oh, um crime sem fiança
De continuar vivo eu to sem esperança
Enquanto isso eu sigo nas minhas andanças
Querem minha cabeça na ponta da lança
O nego fujão alguém viu
(Nossa senhora, neguinho passou a mil)
Ter canela fina é pra correr
Se me pegarem vai doer
Mesmo estando em desvantagem
A sensação é de poder
Eu sou nego fujão
Pega nego fujão
Corre nego fujão
Eu vou me embora daqui
O fôlego
Estufar o peito
Partiu
Nossa senhora, neguinho passou a mil”
Percebe-se que a letra além de evocar a “fuga” evoca também a terceira escolha que ainda citarei, a “violência homicida” irremediável contra o tirano. A letra possui um tom cômico, mas sintetiza da melhor forma a “escolha fuga”, demostrando ódio diante da situação umbralina, reconhecendo que havia desvantagens, mas ainda sim indicando a escolha de matar “o amo” na primeira melhor oportunidade e fugindo logo em seguida (sem nada a perder e mesmo que isso custe seu assassinato ou suicídio).
Até aqui vemos que contrariando os resmungos daqueles que criticaram Kenye West, havia duas opções, “suicídio” e “fuga”, ambas com seus respectivos detalhes. A terceira e talvez mais polêmica (“talvez” porque alguns podem antes condenar o suicídio) era certamente a “violência homicida”, ou sendo mais claro, o assassinato direto de uma figura colonialista, independente de qual fosse, inclusive de negros também escravocratas ou aliados dos “senhores”. Novamente recorrerei a um trecho do discurso de Malcolm X. É interessante que se tenha em mente que ele foi elaborado especificamente para a década de 60 numa era de extrema segregação racial nos EUA, mas que descreve perfeitamente outros tempos, já que sua crítica vai a encontro das consequências modernas das centenas de anos de escravidão contra o negro. É bom se atentar também que a escravidão só foi derrubada em várias partes do mundo devido a insurreições e revoluções dos próprios negros, e a exemplo disso temos a Revolução Haitiana que expulsou violentamente o governo colonial francês daquele país. Agora vamos a Malcolm:
“Vocês não terão uma revolução pacífica. Vocês não terão uma revolução “ofereça-a-outra-face”. Não existe uma coisa como uma revolução não-violenta. A única forma de revolução não-violenta é a revolução do negro. A única revolução que prega o amor ao inimigo é a revolução do negro… Revolução é sangrenta, revolução é hostil, revolução não reconhece compromissos, revolução inverte a ordem e destrói tudo que fica no seu caminho. E vocês, sentados aqui como um tijolo no muro, dizendo “Eu vou amar essas pessoas, não importa o quanto elas me odeiam”. Não, vocês precisam de uma revolução.” (Obs.: por “revolução do negro” ele quer se referir ao “negro da casa”, Malcolm chamava a verdadeira revolução de “revolução black”, a do “negro do campo”).
O queridinho dos pseudo-ativistas-bunda-mole é enfático, a violência é uma força propulsora anticolonial, só a hostilidade sangrenta é capaz de libertar verdadeiramente, ela produz um vigor revolucionário capaz de odiar a quem odeie os negros e destruir tudo aquilo que se interpõe em seu caminho, buscando neste caso uma única finalidade, a libertação. Apenas este trecho basta para confirmar que a terceira escolha de um negro em condição cativa era a “violência homicida” contra “seu amo”. Não se combate tirania com amor oferecendo a outra face para o inimigo golpear, sim com o mais puro ódio destrutivo até que se extinga a pessoa, a coisa ou ideia alvo.
Relatos de negros escravizados que matavam os seus amos sempre ocorreram, as chicotadas que cortavam a carne negra sempre foram uma bomba relógio, e às vezes à base da paulada e facada a fúria se materializava e mais um “senhor de engenho” perdia a vida. É verificado que esta violência assassina ocorreu em diversos países onde houve a escravatura contra os negros, com destaque para o Haiti, onde a rebelião dos negros escravizados tomou gigantescas proporções revolucionárias que foi capaz de derrubar o governo colonial francês, resultando na morte de milhares de brancos colonos e a consequente expulsão dos franceses daquele país. Nos Estados Unidos uma guerra civil foi travada, e há inclusive um branco cuja história respeito grandiosamente, seu nome é John Brown, abolicionista convicto que se juntou a vários negros escravizados para derrubar o regime escravocrata através da luta armada. Pelo Brasil em meados de 1800 a situação era de crescente tensão, temia-se uma rebelião ao modelo haitiano. Os assassinatos contra “senhores de engenho” e outras personalidades escravocratas eram tão frequentes que o governo imperial adotou a forca para punir e frear negros insurrectos que matavam os “seus senhores”. Certamente intimidou, mas não deteve as matanças. Não preciso dizer muito, aqui visivelmente está a terceira escolha aos negros escravizados, matar o “seu senhor”. Portanto, aos míopes, estas são as três escolhas que estão nas entrelinhas do que declarou Kenye West. Relembrando, sua declaração foi “Você ouve que a escravidão durou 400 anos. 400 anos? Isso parece uma escolha. Você esteve lá por 400 anos”. É abissal quando tento processar esta abstração, 400 anos? Espantoso. Não consigo compreender como pode perdurar centenários, o porque de demorar tanto uma rebelião anticolonial violenta e generalizada. Sabe-se só que durante estes 400 anos milhares dos milhões de negros escravizados e traficados jamais se submeteram e radicalmente lutaram por sua liberdade e honra. Mas a questão não é porque milhares lutaram, e sim porque não todos. Estas explicações provavelmente jamais obteremos, mas com base em tudo o que foi discutido a minha conclusão é de que permanecer alguns dias na condição cativa mediante estas opções na mesa é opcional, quem dirá 400 anos. Neste caso me ponho ao lado do adorado Killmonger, antes o suicídio à escravidão, ou também do ativista negro Malcolm X, que foi assassinado por não recuar em suas posturas e ideias, melhor a fuga ou o ataque mortal contra o tirano que se submeter à condição cativa.
Para finalizar, faço uma pergunta a ti, se você se encontrasse da noite para o dia em uma situação de injustiça severa onde fosse preso ilegalmente, torturado e posto em condição serviçal e te carecesse aparatos legais de contestação ou sequer existissem, ou pior, se você se encontrasse numa situação de violento aprisionamento onde tal situação injusta fosse considerada aceitável para os demais, qual seria a sua reação? Respondo por você, as reações prováveis seriam três, uma tentativa mortal de fuga, um embate violento por todos os meios necessários para abolir a situação, podendo até matar, se preciso, ou em um caso mais extremo, o suicídio. Dificilmente a sua reação seria a aceitação do quadro de cativo, e se assim fosse, seria um gole venenoso de covardia onde sua figura seria transfigurada à do “negro da casa” desprezada por Malcolm X. Houve negros que escolheram isso, houveram negros covardes. Mas houveram também aqueles que não escolheram, houve os que fugiram para o mais longe que puderam e houve também os que apunhalaram sem remorso a “seus amos”. Tudo isso dentro dos 400 anos de escravatura, tanto lá como por aqui no Brasil. Por acaso isso não são escolhas? Então Kenye West nunca esteve errado, os críticos que estão para o “negro da casa”, apenas.
Mais Micah X, menos Luther King. Só.
Para criar este artigo consultei as seguintes fontes:
Gabriel, Vitor (19 de fevereiro de 2018). «Pantera Negra: O Melhor Filme da Marvel [SPOILERS]?—?BPE». Black Pipe Entretenimento. Consultado em 19 de maio de 2019
«Motivos mais fortes». AGÊNCIA FAPESP. Consultado em 19 de maio de 2019
«Suicídio de escravos é tema de artigo de ‘História, Ciências, Saúde – Manguinhos’». Agência Fiocruz de Notícias. 19 de setembro de 2008. Consultado em 19 de maio de 2019
Eduardo (quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009). «HISTÓRIA VIVA: O suicídio de escravos podia ser uma tentativa de voltar para casa». HISTÓRIA VIVA. Consultado em 19 de maio de 2019
Malvido, Elsa (1 de dezembro de 2010). «El suicidio entre los esclavos negros en el Caribe en general y en el francés en particular. Una manera de evasión considerada enfermedad, siglos XVII y XVIII». Trace. Travaux et recherches dans les Amériques du Centre (em espanhol) (58): 113–124. ISSN 0185–6286
«Mensagem a Grass Roots». Wikipédia, a enciclopédia livre. 5 de maio de 2019
«Império usou a forca para conter escravos assassinos?—?Senado Notícias». Senado Federal. Consultado em 19 de maio de 2019
«Há 214 anos da Revolução Haitiana». Esquerda Diario. Consultado em 19 de maio de 2019
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