A Fapesp, que completa 60 anos, tem sido responsável pelo decisivo apoio material a pesquisas em todas as áreas do conhecimento
No Brasil, nosso tempo é largamente capturado e consumido pelas irrelevâncias de gente que tem visibilidade, mas não tem o que dizer. Um ignorante profissional recebe aqui mais atenção e respeito do que um professor. E muito mais do que um cientista, aqui confundido com o emblemático professor Pardal. No banheiro de uma faculdade da USP li, nos idos de abril de 1964: “Em terra de cego quem tem um olho emigra”.
Muitos não emigraram. Com mais amor à pátria do que os patriotas de profissão e com muito amor à ciência, ficaram. Ficaram porque o Brasil é um país de grandes possibilidades de descobertas na área científica. É um país recoberto de problemas a serem resolvidos e de enigmas a serem explicados. Os europeus que fundaram a USP aceitaram o desafio de fundar uma universidade como ela porque aquilo era como a viagem de Colombo, a da descoberta do novo mundo, nesta terra de uma humanidade diferente. Até as doenças são diferentes.
A Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) acaba de completar 60 anos. Foi criada pelo governador Carlos Alberto de Carvalho Pinto, grande estadista e cidadão, em 1960, e instalada em 1962.
Tem sido ela responsável pelo decisivo apoio material a pesquisas em todas as áreas do conhecimento a partir de problemas e problematizações decorrentes de situações adversas que desafiam os cientistas a encontrar e explicar causas e condições. A buscarem as soluções e as explicações científicas que permitam resolvê-las e superá-las.
Bolsas de estudos, no Brasil e no exterior, nos grandes centros de pesquisa e ensino, têm sido por ela concedidas para permitir a transferência de conhecimento e a formação de profissionais de alto nível, especialmente para nossas universidades e nossos centros de pesquisa.
A lei que a criou previa a destinação de 0,5% da arrecadação estadual ao fundo de fomento da pesquisa e a bolsas de estudo de pós-graduação e de pós-doutorado. Anos mais tarde, a destinação foi elevada para 1% da arrecadação de modo a apoiar projetos também na área de tecnologia.
A Fapesp tem feito convênios bilaterais com organizações científicas de inúmeros países, para intercâmbio de conhecimento e intercâmbio de pesquisadores de nossas instituições científicas com congêneres estrangeiras.
A fundação também estabelece convênios, com base em paridade de recursos, com empresas cujos laboratórios especializados podem ser compartilhados com pesquisadores das universidades para desenvolvimento de projetos de recíproco interesse.
Há nela um programa interessantíssimo de estímulo a micro, pequenas e médias empresas para projetos de recém-formados para nelas desenvolverem inovações tecnológicas. Empreendimentos de grande e comprovado potencial técnico e econômico têm surgido como resultado desse programa.
Ela tem dois navios oceanográficos de pesquisa, verdadeiras universidades flutuantes, destinados a investigações marítimas. A extensa costa brasileira tem potencial econômico que depende de pesquisa científica e desses equipamentos.
Não obstante, há desapreço pelo nosso trabalho científico. Numa reunião de cientistas com uma comissão de deputados estaduais de São Paulo ouvi um deles perguntar se não seria mais barato copiar o que os americanos fazem, em vez de gastar dinheiro com a produção de conhecimento original.
Na ciência, a originalidade frequentemente depende da singularidade da situação de que os problemas derivam, do que há de peculiar no país em que ocorrem.
É claro que, quando a Fapesp foi criada, São Paulo tinha já uma história de instituições científicas surgidas entre as últimas décadas do século XIX e as primeiras do século XX. A riqueza propiciada pelo café viabilizou o surgimento da Escola Politécnica de São Paulo, da Faculdade de Medicina, da Escola de Agricultura Luís de Queirós, do Instituto Butantã, da Faculdade de Saúde Pública e outras.
A criação da Universidade de São Paulo, em 1934, reuniu essas unidades de ensino e pesquisa e criou outras mais, especialmente a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, destinada a ser o núcleo da universidade.
O que foi o espírito da USP, definido por seu fundador, o jornalista Júlio de Mesquita Filho, o de uma universidade pública, laica e gratuita, estendeu-se à Fapesp, que é filha da universidade e de instituições como a Academia Brasileira de Ciência e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.
A lei que a criou deu-lhe também as referências de bom governo e de zelo contra o desperdício. Ela só pode gastar com suas próprias despesas no máximo 5% de seu orçamento. É provavelmente a mais bem administrada instituição pública brasileira e a que melhor funciona.
*José de Souza Martins foi professor titular de sociologia na Faculdade de Filosofia da USP. Professor da Cátedra Simón Bolivar, da Universidade de Cambridge, e fellow de Trinity Hall (1993-94). Pesquisador Emérito do CNPq. Membro da Academia Paulista de Letras. Entre outros livros, é autor de "Sociologia do desconhecimento Ensaios sobre a incerteza do instante" (Editora Unesp, 2021).
Valor Econômico / Eu & Fim de Semana