Notícia

Jornal da Unesp

JOSÉ ANÍBAL - MODERNIZANDO A LOCOMOTIVA

Publicado em 01 maio 1999

A proposta não é nova. Desde que foi criada, em 1979, se anuncia que uma das principais funções da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico de São Paulo é promover a aproximação entre as instituições de pesquisa e o setor produtivo empresarial. Como se sabe, não andou muito; no entanto, parece que, desta vez, vai. Motivos há de sobra, como demonstrou o secretário José Aníbal em entrevista coletiva a jornalistas do Centro Paula Souza, Fapesp, IPT, UNESP, Unicamp e USP. O porquê da crença de que finalmente ocorrerá maior aproximação entre a pesquisa científica e tecnológica e o desenvolvimento econômico pode ser explicado por uma figura fácil de ser representada: não dá para São Paulo continuar sendo a locomotiva do Brasil se essa locomotiva for como aquelas que se fabricavam na década de 50. Não dá porque atualmente sinônimo de locomotiva são aquelas que puxam o TGV francês ou o trem-bala japonês; são modernas, ágeis e supervelozes. Não dá porque também os vagões, hoje, são mais modernos, tanto no sentido literal como na metáfora do trem brasileiro puxado por São Paulo. Há, portanto, que se enfrentar, ao mesmo tempo, as exigências da globalização (que exclui do mercado empresas tecnologicamente defasadas), os problemas tupiniquins (como a guerra fiscal, que promove fuga de investimentos de São Paulo) e os pré-requisitos universais (novos investimentos, geração de empregos etc). Para isso, o secretário José Aníbal informa que vai recorrer aos instrumentos de que o Estado dispõe. Três frases pinçadas ao longo da entrevista resumem a história: "São Paulo tem mercado, recursos humanos, infra-estrutura e uma enorme disposição do governo de disputar investimentos"; conta com "essas extraordinárias instituições que são as universidades e os institutos de pesquisas paulistas"; "queremos acoplar muito mais a nossa ciência e tecnologia, a nossa pesquisa, ao processo produtivo". Durante a entrevista, José Aníbal falou ainda sobre aspectos que estão pesando no orçamento das universidades públicas paulistas, que são vinculadas à secretaria que dirige: o pagamento dos inativos, os hospitais universitários e a Lei Kandir. No campo da ciência e tecnologia, São Paulo responde por quase metade da produção brasileira; no campo econômico, por 36% do PIB nacional. Quais são seus planos para a Secretaria que trabalha com setores tão expressivos? Nós pretendemos fazer menos planos novos e trabalhar mais sobre os já existentes, no sentido de desenvolvermos uma ação forte. Um dos universos em que vamos trabalhar diz respeito à atração de novos investimentos em São Paulo, com a ampliação de investimentos já existentes aqui e com a resolução de problemas que eventualmente possam motivar empresas a saírem do Estado de São Paulo. O outro universo tem a ver diretamente com essas extraordinárias instituições que são as universidades e os institutos de pesquisa paulistas, no sentido de promover a incorporação de tecnologia ao processo produtivo, principalmente das pequenas e médias empresas. Ainda sobre a pequena e média empresa, a Secretaria está desenvolvendo uma ação quanto a crédito, recursos para investimentos, para capital de giro ou para comercialização de produtos. Para essa finalidade, a Nossa Caixa Nosso Banco já foi credenciada no BNDES como agente financeiro. Já conversamos também com o Banco do Brasil visando uma ação mais direcionada para as cadeias produtivas e para os setores, como calçados, plástico, cerâmica, têxtil, metal-mecânico etc, no sentido de se investir em tecnologia. A terceira frente diz respeito ao mercado, desenvolver o comércio eletrônico, feiras, promoções, exposições permanentes, e aí o leque de parcerias é amplo, como Sebrae, Fiesp, as próprias instituições financeiras... Onde as universidades e os institutos de pesquisa entrariam, na prática, para tornar a pequena e média empresa mais competitiva? Vou dar um exemplo prático. Algumas semanas atrás, fiz uma palestra no câmpus da UNESP de Bauru. Estavam lá professores, chefes de departamentos, e eu insisti muito no seguinte ponto: a universidade tem que se expor mais, (em que ser um recurso que o setor produtivo possa usar, ao qual possa recorrer para agregar tecnologia ao seu produto. Quando terminei de falar, um prefeito se levantou, disse que no município dele se produzem luvas de couro e há um subproduto bastante indesejado, a raspa do couro, que ele não sabe mais onde jogar. Levantou-se então um pesquisador da UNESP, que trabalha com resíduos sólidos, e disse que poderia ajudar a resolver o problema. Vejam: apesar de ficar a poucos quilômetros de Bauru, o prefeito daquela cidade não imaginava que poderia ir até a UNESP pedir ajuda. Um problema de desconhecimento mútuo.. Na realidade o que eu noto é que o setor produtivo, primeiro, não conhece a potencialidade toda da universidade e dos institutos de pesquisa. Essa informação não está disponível na empresa. Em segundo lugar, os empresários que a conhecem desconfiam um pouco; não têm segurança de que eles poderão efetivamente resolver seu problema. Eu sinto que a universidade, principalmente nesse aspecto, ainda está bem distante da sociedade. Não é uma tradição, não está incorporado na cultura da universidade brasileira trabalhar lado a lado com o setor produtivo, mas nós precisamos incorporar isso urgentemente. A secretaria pretende ter um papel importante nesse processo? Nós vamos multiplicar ações com esse objetivo. Acho, inclusive, que isso vai fortalecer enormemente a imagem da universidade; vai colocá-la numa condição melhor para discutir seus próprios problemas, como o pagamento dos inativos, os custos dos hospitais universitários, os repasses da Lei Kandir etc. A imagem que fica é a de que a universidade está sempre comandando, sempre comandando. Mas o que ela está ofertando? Tudo bem, ela forma, mas ela pode oferecer muito mais do que formação. Ela tem massa crítica suficiente para prestar serviço direto ao setor produtivo, sobretudo, quero insistir, com relação à pequena e média empresa. E o senhor tem expectativa de que isso possa vir a ser uma fonte de financiamento importante? Na Unicamp, por exemplo, os recursos que entram por esse meio não representam mais que 2% do orçamento. Acho que diretamente sempre será pouco, e nem tem que ser muito. Mas o efeito multiplicador disso é grande. A universidade vai incorporar tecnologia, não vai só transferir; ela própria vai poder prestar serviços com essa tecnologia incorporada. Eu tenho um exemplo da Universidade de Brasília, que hoje já compõe um percentual expressivo do seu financiamento com os serviços que presta. O fato é que 2%, 3% já é um número extraordinário. O que se deve ter como objetivo são os resultados, inclusive financeiros, que decorrem da habilitação crescente da universidade para fazer essas parcerias. A Secretaria vai criar algum mecanismo de intermediação, algo assim? Isso vai ser necessário, é muito provável, mas ainda não desenvolvemos o modo de operação. Por ora, estamos identificando situações. No IPT, por exemplo, já há uma ação direta para assistência a empresas que trabalham com plásticos, um setor que pode substituir importações da ordem de US$ 250 milhões neste ano. Uma ação direta nessas empresas, no sentido de apurar se a matéria-prima é a mais adequada, qual o processo produtivo que melhor responde ao produto que se quer obter, o resultado final do produto etc, tudo isso vai constituir um delta, um diferencial, que habilita mais a empresa a disputar mercados. O que deverá acontecer, portanto, é que o trabalho da Secretaria daqui para a frente será mais efetivo frente às negociações? Ela vai interferir mais? Vai induzir; a ação de indução da Secretaria vai crescer muito. Não tenho nenhum propósito de que a pesquisa básica seja abandonada, ela é fundamental, mas nós queremos acoplar muito mais a nossa ciência e tecnologia, a nossa pesquisa, ao processo produtivo. Como o senhor vê a articulação entre a pesquisa científica, a pesquisa tecnológica e o desenvolvimento econômico? É o nosso grande desafio. São Paulo tem uma capacidade empreendedora muito grande. Outro dia um empresário estava me dizendo que descobriu um professor de São Carlos que faz, no fundo de casa, um cronômetro para medir milésimos de segundo. É preciso estimular essas vocações, esses talentos todos que estão na universidade; casar rapidamente o objeto da pesquisa, a pesquisa em si que está sendo feita a uma cadeia produtiva ou a um setor determinado da economia para que haja uma melhora do ponto de vista tecnológico. Qual é o resultado disso para o cidadão? Poderemos apurar melhor a relação qualidade/preço. O senhor tem uma idéia de como levar esse estímulo aos pesquisadores? A Fapesp tem um programa pelo qual ela financia o pesquisador, diretamente. Nós vamos explorar bem esse programa na medida em que formos evoluindo nos diagnósticos dentro das cadeias produtivas. Por isso queremos disponibilizar informações sobre o setor de ciência e tecnologia do Estado, não só para nós, da Secretaria, como para aqueles que estiverem interessados. Há pesquisadores que têm preconceito de divulgar seu trabalho... É que há uma cultura que não aproxima a universidade, os nossos centros de pesquisa, do processo produtivo. É um fato. O que eu noto nas conversas, seja com o setor acadêmico, seja com o setor produtivo, é que falta sintonia, então nós vamos promover essa sintonia. Como é que ela pode ser promovida? Estamos, por exemplo, indo a Barretos, que é um agropolo, tem incubadora de empresa etc. Vamos identificar os desafios a que eles não estão conseguindo responder. Se houver demandas de natureza tecnológica, vamos promover uma ação específica nessa área. Na seqüência, vamos enfocar a cadeia produtiva de calçados inteira. Jaú, Birigui e Franca. Qual o objetivo? Expandir fortemente nossas exportações nesse setor. O Brasil está exportando US$ 700 milhões de carne, US$ 1,7 bilhão de calçados e US$ 3 bilhões de couro. De pronto se coloca uma questão: há muito couro para ser processado e transformado em produto final. Por que isso não está ocorrendo? Talvez seja uma questão de crédito e de mercado. Ou pode ser também uma questão de tecnologia; vamos ver. Se se processar pelo menos US$ 1 bilhão desse couro, ele poderá virar US$ 3 bilhões sob a forma de sapatos, bolsas... Quanto de investimento se espera nesses próximos quatro anos em São Paulo? Eu não tenho tanta preocupação neste momento com a quantificação do investimento. Acho que ele virá. O que nós temos que fazer é criar o ambiente propício para que ele venha. São Paulo tem mercado, recursos humanos, infra-estrutura e uma enorme disposição do governo de disputar investimentos. Uma vez que os recursos hoje existentes para pesquisa estão sendo consumidos pela produção científica, vamos chamar de acadêmica, o senhor pensa em agregar novos recursos para a produção de ciência direcionada para o atendimento de demandas do setor produtivo? Eu não penso. Devem vir das empresas? É claro. Nós vamos acrescentar alguma coisa às empresas; é natural que elas paguem por isso. O pagamento de aposentadorias vem consumindo uma parcela cada vez maior do orçamento das universidades. Se a situação permanecer as universidades públicas paulistas vão se tornar inviáveis... Eu acho que é grave o problema dos inativos, mas afirmação fácil não permite fazer bom diagnóstico. O reitor da Unicamp me disse recentemente que há uns 200 professores que poderiam se aposentar mas ele está pedindo pelo amor de Deus para continuarem porque a Universidade não tem como substituí-los. Então, temos que criar uma solução. Já me comprometi com os reitores a ir buscar junto com eles uma solução. O modelo atual tem que ser esquecido; esse não tem sobrevida. E os hospitais mantidos pelas universidades públicas, que também as oneram sobremaneira? Estamos discutindo essa questão também com o governo federal, porque ela não se restringe às três universidades paulistas. Há também os hospitais universitários das federais. Nosso objetivo é encontrar caminhos para que a universidade fique mais solta, não fique com esse trauma de falta de recursos. Mas nós estamos também querendo que as universidades encontrem alternativas de financiamento, não fiquem eternamente em berço esplêndido. Aumentar a participação no ICMS é absolutamente inviável, mesmo porque não há como explicar isso para a sociedade. O Estado de São Paulo já disponibiliza recursos expressivos para as universidades. A criação do fundo de pensão, o deslocamento dos aposentados para esse fundo, isso é um problema de estado? Sim. E aí vamos ver o que fazer; qual vai ser o modelo? Como a universidade tem autonomia, tudo isso que aconteceu na Previdência não conta; temos que encontrar caminhos específicos. Uma professora da USP me perguntou "como é essa idéia de acabar com a aposentadoria integral? Quer dizer que eu vou me aposentar e não vou ter meu salário integral?" Falei: não. Em lugar nenhum do mundo é assim. A aposentadoria integral me parece uma idéia difícil de ser mantida. O senhor está se referindo aos professores da universidade? No setor público federal a aposentadoria integral acabou. Como vamos fazer na universidade? Ela tem autonomia. Nós temos que ter uma conversa bem apurada. Aliás, mais do que uma conversa, algo que seja discutido com a corporação, tem que haver uma decisão admitida por todos. Se não, a que impasse podemos chegar? Vamos admitir, 40%, 50% dos recursos vão para os inativos. E aí? Como é que vai pagar o ativo, pagar a conta de luz, o custeio? Quer dizer, precisamos ter uma ação forte. E quanto antes melhor. E já está sendo discutido? Sim, já tivemos uma rodada com os três reitores. Eles colocaram algumas questões, das quais eu já mencionei três aqui: inativos, hospitais universitários e Lei Kandir. Como está a questão da Lei Kandir? O governo do Estado, afinal, vai creditar na conta das universidades o que os reitores estão reivindicando, ou seja, os 9,57% sobre os valores repassados pelo governo federal? Nós estamos procurando apurar junto à Secretaria da Fazenda o que efetivamente foi aportado como compensação da renúncia fiscal provocada pela lei Kandir. Ao que parece há setores, ou pessoas, fortes no governo do Estado que acham que as universidades não têm direito ao repasse da Lei Kandir. O senhor, como homem do governo, tem uma posição definida? Por hora eu só conheço a posição dos reitores. Agora vou conversar com a Secretaria da Fazenda. Então, não tenho uma posição fechada. Quero estar bem a par do assunto, para, quando a gente entrar na reivindicação, entrar com consistência. O Estado já está recebendo os repasses do governo federal? Recebeu no ano passado, mas foi uma compensação que significou encontro de contas, ou seja, não houve um encaixe efetivo desse recurso por parte do Estado. Houve um encontro de contas, que a gente tem que identificar se configura realmente ressarcimento de ICMS, para poder fazer uma reivindicação própria. A sua experiência política sempre se deu no campo do legislativo. Como está sendo, agora, a experiência executiva em uma secretaria importante no Estado mais importante do País? É um desafio que me encanta, estimula muito. E me dá dor de cabeça também. Gostaria que a capacidade de resposta fosse maior, tivesse mais agilidade; no setor público há limitações nesse aspecto que são até muito inibidoras às vezes. Mas é uma circunstância que está dada e a gente tem que trabalhar com ela. Essa questão da tecnologia me desafia muito; acho que este é o momento certo, se atrasarmos um pouco mais perdemos o pé, e perdemos de vez. Aí haverá alguns bolsões, que vão fazer alguma coisa bem desenvolvida com empresas multinacionais, e o resto será um salve-se quem puder; quem tiver mais iniciativa, mais paciência, talvez consiga. Para que as coisas não fiquem ao acaso, temos que desenvolver essa ação de indução, de promoção. A meu ver, é isso que vai valorizar as universidades paulistas. Um político de peso nacional Nem pesquisador, nem empresário. Para seu segundo mandato no governo de São Paulo, Mário Covas escolheu um político para dirigir a secretaria cujo nome composto que tem (Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico) revela sua importância em um Estado como São Paulo, responsável por quase metade da produção científica brasileira e por 36% do Produto Interno Bruto nacional. José Aníbal Peres de Pontes não é o primeiro político a ocupar o cargo, mas, em termos de cenário nacional, sem dúvida é o de maior peso. Nascido em Guajará-Mirim, Rondônia, em 9 de agosto de 1947, José Aníbal tem a trajetória e o talento próprios daqueles em que a política está no sangue. No colégio, em Belo Horizonte, agitou cineclubismo; na Universidade Federal de Minas Gerais, onde cursava Economia, tal foi a militância que acabou sendo jubilado pelo AI-5, em 68. Clandestino, mudou-se para o Rio de Janeiro. Como tanta gente que partiu num rabo de foguete, foi em 73 para o Chile, Panamá e, finalmente, França, onde concluiu o curso de Economia, fundou a revista Conjuntura Brasileira e coordenou a criação do Comitê Brasileira pela Anistia. Voltou em 1979, para São Paulo: Em 1982 entrou no PMDB, foi membro da comissão executiva e atuou na coordenação das "Diretas Já". Ingressou no PSDB em 1990, a convite de Mário Covas, e candidatou-se a deputado federal. Suplente, assumiu o mandato em janeiro de 1993 e reelegeu-se no ano seguinte. Ao exercer a liderança do partido na Câmara Federal, entre janeiro de 1995 e março de 97, e a presidência da Comissão de Constituição e Justiça, no ano passado, José Aníbal ganhou atributos de poucos: respeitabilidade entre seus pares, credenciamento para circular em qualquer ambiente do poder federal e notoriedade na imprensa nacional. Em outubro passado, novamente se reelegeu deputado federal. Não chegou a esquentar a cadeira do terceiro mandato; Mário Covas o convocou para aquecer o desenvolvimento econômico de São Paulo. Com isso, a temperatura paulista no termômetro da política nacional certamente também vai aumentar.