Pesquisador da Unesp de Araraquara está à frente de projeto pioneiro que pode trazer avanços no tratamento da doença
A Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou, nos últimos meses de 2015, um alerta: no ano anterior, a tuberculose havia matado mais pessoas ao redor do mundo do que a aids. Foram cerca de 1,5 milhão de casos. O montante fez soar um alerta e levou a instituição a recomendar investimentos em novos tratamentos com antibióticos para o combate à doença. Além da tuberculose, a lista prioritária da OMS contém uma dúzia de patologias.
Em Araraquara, porém, anos antes disso (desde 2012), o pesquisador jauense Fernando Rogério Pavan, 37 anos, em parceria com o também pesquisador Jean Leandro dos Santos, ambos da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade Estadual Paulista (Unesp), coordenam pesquisa cujo foco é desenvolver novas moléculas que tivessem ação mais eficaz (em relação de tratamento ao tempo e eficiência) no tratamento à tuberculose, principalmente a resistente.
Após sintetizar (desenvolver) mais de 50 moléculas, com a colaboração de instituições internacionais, os pesquisadores chegaram a um novo composto químico capaz de combater eficazmente as bactérias causadoras da tuberculose. Nos testes com camundongos infectados, feitos na Universidade de Illinois, em Chicago, nos Estados Unidos, os bacilos causadores da doença desapareceram após terapêutica com a nova droga. O resultado da pesquisa foi publicado em uma das revistas científicas internacionais mais prestigiosas da área.
Agora, o desafio é tentar sensibilizar a indústria farmacêutica para dar continuidade às pesquisas. Os próximos passos seriam os testes em seres humanos, a fim de desenvolver e produzir, em escala industrial, um novo antibiótico para combater a tuberculose.
O Comércio do Jahu conversou com Pavan na tarde de sexta-feira, por telefone. Confira alguns trechos:
Importância da pesquisa
“A tuberculose hoje é a doença infectocontagiosa que mata mais do que o HIV. Os últimos antibióticos descobertos para tratar a doença são da década de 60. O tratamento dura entre seis meses até dois anos ou mais, dependendo do tipo de infecção. Portanto são, no mínimo, seis meses, com quatro antibióticos por dia. E o problema é que há infecções resistentes, contra as quais o tratamento não funciona, o que aumenta as chances de óbito do paciente. Por isso é tão importante a pesquisa relativa a um novo antibiótico para combater a tuberculose. Então, desde 2012, professor Jean e eu começamos a estudar novas moléculas com o objetivo de chegarmos a uma nova classe de antibióticos que pudesse agir em bactérias resistentes. Sintetizamos cerca de 50 moléculas e desenvolvemos a BZ8 (benzofuroxano 8), a melhor de todas.”
Resultados
“Na última etapa pré-clínica de experimentos para um novo fármaco, feita nos Estados Unidos, infectamos camundongos com milhões de bactérias, bacilos da tuberculose, e o que nos surpreendeu bastante é que o nosso antibiótico eliminou-as. Nenhuma sobreviveu a esse tratamento, o que nos leva a pensar que esse antibiótico pode reduzir o tempo de terapia quando ministrado em pacientes. Publicamos esse resultado no ‘Journal of Medicinal Chemistry’ e integramos portfólio do StopTB Partnership, pertencente à Organização Mundial de Saúde.”
Parcerias
“O trabalho multidisciplinar é muito importante, porque se nós fôssemos fazer sozinhos, não conseguiríamos. Por isso, a pesquisa tem esse tamanho imenso, essa grandiosidade, com muitas instituições envolvidas. A colaboração é muito bem-vinda neste sentido, tem de existir, para que alcancemos o resultado. No total, entre pesquisadores e alunos, o projeto envolveu 21 pessoas. Além da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unesp de Araraquara, que coordenou o estudo, as instituições parcerias foram: Instituto Francis Crick, na Inglaterra, com Luiz Pedro S. de Carvalho, Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, com Scott Gary Franzblau, Universidade de Navarra, na Espanha, com Elsa Moreno de Viguri, e Universidade de Turim, na Itália, com Roberta Fruttero.”
Fomento
“Além do investimento da própria universidade, que fornece toda a infraestrutura e bolsas para os alunos, temos a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), agência de fomento que financiou praticamente 80% do projeto. Calculo, aproximadamente, que foram investidos cerca de R$ 300 mil nesta pesquisa. E agora apresentamos o resultado, a contrapartida nossa para o contribuinte, que paga impostos. Essas linhas de fomento para a pesquisa são de extrema importância. Sem isso, esse trabalho não teria existido.”
Próximos passos
“Chegamos ao ponto máximo de uma pesquisa dentro da universidade. Agora, a agência de inovação da Unesp entrará em contato com representantes da indústria farmacêutica, a fim de buscar parceiros para a continuidade da pesquisa. Eles apresentam o projeto e entramos com a assessoria científica e todo o aporte necessário para as próximas etapas. Temos uma boa expectativa com relação a essa prospecção, pois a OMS recomendou o investimento em novos tratamentos para 12 doenças, entre as quais a tuberculose.”