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Agência C&T (MCTI)

Invasão da Fafi vira tese de mestrado

Publicado em 20 março 2008

Por Rodrigo Lima

A invasão da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (Fafi) de Rio Preto pela polícia um dia após o golpe militar do dia 31 de março de 1964, relembrada nas séries do Diário "Dossiê: Ditadura 40 anos", publicada em 2004 e "Rio Preto Fichada", publicada no ano passado, serve de base para tese de mestrado no Departamento de História da Universidade de São Paulo (USP). O título do trabalho é "No interior... A ditadura contra a cultura. Memórias sobre a intervenção dos militares na Fafi (Unesp)." A historiadora e pesquisadora da USP Maria Aparecida Blaz Vasques Amorim iniciou pesquisa em busca de material e depoimentos que possam contar em detalhes o que aconteceu na Fafi nos anos de chumbo. Com o respaldo da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), ela iniciou uma série de entrevistas na região de Rio Preto com ex-alunos e ex-professores que viveram de perto a repressão na faculdade.

A pesquisadora procura resgatar a história das pessoas acusadas pelo Departamento de Ordem Política e Social (Deops) e o próprio exército de serem "comunistas", "subversivos", "esquerdistas" e "revolucionários". "O meu interesse pelo tema aflorou diante da seguinte pergunta: por que uma cidade a 450 quilômetros de São Paulo foi a primeira a sofrer intervenção da ditadura no dia 1º de abril de 1964, às 9h30?", diz Maria Aparecida. Há cerca de dois anos a pesquisadora começou o levantamento para responder a questão e se vale dos documentos revelados pelo Diário nas duas séries de reportagens como material de apoio. "Muitos dos personagens envolvidos nesta trama já morreram, mas outros estão vivendo nos mais diferentes cantos do mundo", diz ela. O ponto de partida do estudo foi a questão política da autorização para a implantação da Fafi. Entre os pontos abordados pela pesquisadora está a vinda de professores de São Paulo para compor o quadro docente da Fafi, o que provocou a reação em Rio Preto. "Daí o início da perseguição aos comunistas na Fafi", disse a historiadora.

Um dos primeiros investigados entre os ex-professores da Fafi, está o alemão Franz Wilhelm Heimer, que foi localizado pela pesquisadora em Portugal. Ele foi um dos primeiros a ser indiciado por atividades ligadas a faculdade em inquérito policial do Deops sob a acusação de atos de "agitação e subversão". Maria Aparecida conseguiu ter acesso junto a Universidade Estadual Paulista (Unesp) cópias de processo militar contra diversos professores da Fafi, fundada em 1955, na administração do ex-prefeito Alberto Andaló. "Quero fazer a tese de mestrado sobre a Fafi dos anos de 1955 a 1964. De 1964 a 1976 quero defender a tese de doutorado", afirmou. O conteúdo do processo militar, que contém 6 mil páginas, é recheado de informações sobre os professores e alunos. "Tem lá correspondências particulares, peças de teatro, documentos sobre o movimento estudantil e aulas escritas à mão pelos professores. Poesias de cunho político. Consegui autorização especial junto a Unesp para obter as informações", disse a historiadora.

A professora já collheu o depoimento de diversos professores, como Orestes Nigro, Dino Vizotto e Arif Cais. "Não são entrevistados. Costumo dizer que essas pessoas são colaboradores. É uma rede de colaboradores que me ajuda ao indicar novas pessoas formando um ciclo de informações", afirmou Maria Aparecida, que tem como orientador o professor José Carlos Sebe Bom Meihy. Na última terça-feira, ela promoveu reunião com Cais e ex-alunos da Fafi em Mirassol. A historiadora, porém, admitiu que algumas pessoas se recusam a prestar as declarações. "Elas alegam que não gostam de tocar nesse tema", afirmou. Cais elogiou a iniciativa da pesquisadora. "É interessante porque a história não registra todos os fatos e versões", afirmou o professor. "Há muitos mitos na época. Ninguém apanhou. O que havia era um clima de ameaça", disse Cais que participou do movimento estudantil na cidade em 1968. Maria Aparecida trabalha com base nas memórias das pessoas que viveram a Fafi no período da ditadura. "A narrativa é feita com base na memória. A vida das pessoas continuaram. Quero contar uma história que não sabemos", afirmou. A historiadora vai incorporar no material a íntegra de todas as entrevistas registradas durante o período de levantamento dos dados históricos. "Algumas pessoas vão gostar, outras não. Meu objetivo é ser fiel aos acontecimentos. E para isso a série 'Rio Preto Fichada' é mais uma fonte escrita para o trabalho. É material coletado diretamente junto ao Deops, com credibilidade", disse.

Universidade avaliará levantamento

No mês de junho, a historiadora e pesquisadora Maria Aparecida Blaz Vasques Amorim terá de encaminhar o estudo sobre a Faculdade de Filosofia, Ciência e Letras (Fafi) para avaliação preliminar da Universidade de São Paulo (USP). Se for aprovado, a pesquisa promovida pela historiadora continuará e a defesa da tese de mestrado sobre o tema deve ocorrer até junho de 2009. Na apresentação, a professora vai contar a história de Rio Preto e da própria Fafi. "Muita gente não sabe, mas a cidade era conhecida como a Boca do Sertão'", afirmou Maria Aparecida. De acordo com a historiadora, o trabalho sobre a Fafi foi selecionado para ser apresentado no Congresso Internacional no México entre os dias 22 a 28 de setembro deste ano. "Creio que o trabalho foi selecionado por ser inédito. Quando me perguntam sobre o que trabalho, eu respondo: trabalho com a ditadura militar no interior de São Paulo. É isso que faço", afirmou. 

Série revelou documentos inéditos

A série de reportagens "Rio Preto Fichada" foi publicada pelo Diário da Região entre agosto e setembro do ano passado. O material promoveu o resgate histórico a partir de pesquisa promovida em documentos até então "esquecidos" na sede do Arquivo Público do Estado de São Paulo. Os documentos são registros de investigações promovidas pelo Departamento de Ordem Política e Social (Deops) na cidade durante o período da ditadura militar. A série publicou diversos documentos guardados a sete chaves durante décadas com o carimbo de "confidencial" pelo Deops. Personagens identificados nos documentos foram ouvidos e apresentaram suas versões dos fatos, inclusive, de ex-alunos que vivenciaram os acontecimentos na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (Fafi). Entre as revelações feitas pela série em relação a Fafi está a perseguição aos alunos. A paranóia em relação aos livros com temas considerados "subversivos". Com receio de ir para a prisão, os universitários da época jogavam seus livros na Represa Municipal.

As pichações em muros e no asfalto foram considerados atos de vandalismo pelo Deops contra a ditadura. Os alunos da Fafi são identificados em várias frases inscritas em vias públicas, como "abaixo a ditadura" e "abaixo ao salário de fome." Os alunos eram identificados e presos pelo regime militar.

A série relatou as versões dos perseguidos, como o comunista Antonio Roberto de Vasconcelos e do guerrilheiro "Mateus", um dos codinomes usados pelo secretário da Casa Civil Aloysio Nunes.