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ABC - Academia Brasileira de Ciências

Interações fatais (1 notícias)

Publicado em 12 de janeiro de 2015

Estudos conduzidos em parceria por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano) e do Instituto de Pesca do Estado de São Paulo, em Cananeia, no litoral sul paulista, mostraram que quando nanotubos de carbono entram em contato com substâncias tóxicas como chumbo e pesticidas em ambientes aquáticos há um aumento expressivo de toxicidade para peixes como tilápias-do-nilo (Oreochromis niloticus), camarões-d'-água-doce e outras espécies.

Os mais recentes resultados da pesquisa que avaliou a interação entre esses nanomateriais e carbofurano, um pesticida com alta toxicidade utilizado no Brasil em culturas agrícolas, foram publicados on-line na revista Ecotoxicology and Environmental Safety em novembro e sairão na edição impressa em janeiro de 2015.

"Quando foi feita a combinação com o nanotubo houve um aumento de cinco vezes na toxicidade do carbofurano para as tilápias", diz Oswaldo Alves, Acadêmico e professor do Laboratório de Química do Estado Sólido (LQES) do Instituto de Química da Unicamp, coordenador da pesquisa.

"Isso é um claro indicativo de que a nanoestrutura está potencializando o efeito tóxico do pesticida." Em outro sentido, ele também funciona como um excelente concentrador de pesticidas, metais e hormônios. Ou seja, o nanotubo é um material que tem propriedades potenciais para uso em filtros de sistemas de tratamento de água e sensores. "É preciso, no entanto, avaliar como será o descarte desses materiais e pensar nas implicações ambientais futuras", ressalta Alves.

Entre os testes feitos no Instituto de Pesca, conduzidos pelo professor Edison Barbieri em parceria com Diego Stéfani Teodoro Martinez, aluno de doutorado e pós-doutorado de Alves e atualmente pesquisador do LNNano, em Campinas, estão o consumo de oxigênio - uma das medidas utilizadas para avaliação do metabolismo de organismos - e a capacidade de natação dos peixes. As descobertas indicam que as nanoestruturas de carbono podem atuar como transportadores de pesticidas e afetar o comportamento dos peixes, além da sobrevivência deles.

Os testes mostraram que até a concentração de 2 miligramas (mg) de nanotubos por litro na água não houve diferença em relação ao controle no consumo de oxigênio. Quando o carbofurano foi colocado sozinho na água, inicialmente houve um aumento no consumo de oxigênio e logo em seguida uma diminuição, indicativo de que os peixes estavam começando a morrer.

"Nos experimentos feitos com essa substância nas proporções de 0,5, 1 e 2 mg, combinado com o nanotubo de carbono (1 mg) o consumo de oxigênio baixou rapidamente, apontando uma nítida diferença em relação ao grupo de controle", diz Barbieri, coordenador das pesquisas no Instituto de Pesca. Em relação à capacidade de natação, houve uma tendência de diminuição à medida que o pesticida e o nanotubo estavam na água.

Iniciadas em 2010, as pesquisas tinham como objetivo estudar a interação de nanomateriais com poluentes comuns como o chumbo, que em Cananeia, por exemplo, consiste em um sério problema ambiental.

"Lá, os afloramentos de chumbo provenientes de galenas [minerais compostos por sulfeto de chumbo] são naturais e ocorrem quando chove muito e há lixiviação do solo", diz Barbieri.

O estudo teve início com a exposição de tilápias a nanotubos de carbono e chumbo em diferentes concentrações por períodos de até 96 horas. Os resultados foram apresentados em novembro de 2012 por Martinez, em um congresso internacional sobre segurança de nanomateriais chamado NanoSafe, realizado a cada dois anos em Grenoble, na França. Os nanotubos aumentam em até cinco vezes a toxicidade aguda do chumbo para as tilápias. No experimento em que os peixes foram expostos apenas a essas nanoestruturas de carbono não houve nenhum sinal de toxicidade aguda até o limite de 2 mg por litro.

A primeira fase dos ensaios consistiu em fazer o experimento-controle apenas com água mineral. Depois foram feitos testes com o nanotubo e chumbo separadamente colocados em diferentes concentrações até o limite de 2 mg por litro e, por último, com os dois materiais juntos.

"O consumo de oxigênio diminui em todas situações com a presença de ambos", diz Barbieri.

Um artigo científico com os resultados da pesquisa saiu publicado no Journal of Physics: Conference Series, em março de 2013.

"Na literatura científica mundial são poucos os estudos que tratam da interação entre poluentes ambientais e nanotubos de carbono, focalizando os impactos na fisiologia e comportamento de peixes", diz Martinez. Ainda mais, faltam dados conclusivos sobre os efeitos de longa duração desses nanomateriais descartados no ambiente. Isso significa que as pesquisas não acompanharam o crescimento do mercado dessas nanoestruturas com propriedades físicas e químicas diferenciadas, que têm crescido ano a ano.

A interação entre chumbo e nanotubos de carbono e seus efeitos tóxicos sobre brânquias de tilápias foi também objeto de estudo de alunos de mestrado orientados por Edison Barbieri, do Instituto de Pesca. Eles estudaram os efeitos dessa combinação sobre as brânquias, principal órgão responsável pelas trocas gasosas e pela excreção da amônia, mecanismo pelo qual são removidos do organismo de animais aquáticos resíduos tóxicos como amônia, ureia e sais, responsável por manter o equilíbrio do meio interno, isto é, a homeostase. "No experimento-controle é possível ver todos os filamentos das brânquias preservados, já com a adição de nanotubos de carbono e chumbo, juntos ou separadamente, há deformação e inchaço nas células de revestimento das lamelas, responsáveis pelas trocas gasosas", relata Barbieri. Os testes com carbofurano e nanotubos também tiveram resultados semelhantes.

Antes dos experimentos terem início, foi feita a purificação e caracterização dos materiais, visando a um estrito controle da qualidade para garantir resultados convergentes.

"Parte da tese de Diego foi aprender a purificar nanotubos de carbono", diz Alves. "Foram quatro anos em que ele se dedicou ao tema e hoje se beneficia disso porque tem um material de qualidade para os ensaios biológicos e toxicológicos."

Alves explica que os ensaios biológicos precisam ser feitos com material comprovadamente muito bem conhecido. "Os nanotubos feitos por uma empresa são diferentes daqueles produzidos por outra." Para que o material final tivesse a mesma qualidade, os pesquisadores encomendaram nanotubos de uma empresa coreana, que antes de ser usado passa por um processo refinado de purificação. "Para cada material que sai do LQES, fazemos uma ficha técnica, onde consta a identificação da amostra e dados de sua caracterização."

A produção de nanotubos hoje é da ordem de 20 toneladas por ano, com 600 diferentes tipos disponíveis no mercado para aplicações que englobam nanocompósitos, concreto, tintas especiais, energia, eletrônica e até aplicações médicas e ambientais. Europa e Coreia do Sul encabeçam a lista dos maiores produtores.

"Embora ainda não existam empresas brasileiras produzindo em larga escala essas substâncias, precisamos ser proativos, pensar no futuro e na regulação dessa tecnologia", diz Alves. "É preciso cuidar do descarte e, para isso, tem que se conhecer todo o ciclo de vida do material, o que demanda muita pesquisa."

Atualmente, todo o material importado à base de nanotubos de carbono entra no Brasil simplesmente como material de carbono, elemento químico que compõe desde o carvão ativo usado em filtros até medicamentos, já que não existe uma regulamentação específica para nanomateriais. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), por exemplo, ressalta que materiais nanoestruturados têm propriedades interessantes, mas é preciso cuidado ao incorporá-los a outros, sobretudo envolvendo uso biológico.

"A organização faz um alerta para que eles só sejam usados se houver dados de laboratório a respeito de sua toxicidade ou alguma avaliação ligada a possíveis efeitos no organismo", diz Alves, cujo grupo recebe financiamento do Instituto Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (INCT) em Materiais Complexos Funcionais (Inomat), que tem recursos da FAPESP e do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).

As pesquisas agora terão como foco a influência da matéria orgânica presente na água de rios e lagos sobre as nanoestruturas.

"Queremos saber se na presença de matéria orgânica os pesticidas param de interagir com os nanotubos", diz Martinez. "A ideia do projeto é funcionar como uma plataforma para todos os poluentes ambientais clássicos e emergentes, incluindo hormônios e antibióticos." Dessa forma, será possível avaliar as interações de vários poluentes com amostras nanoestruturadas. "Os trabalhos feitos até agora apontam para nós que essas nanoestruturas não poderão ir nem para o rio nem para o mar." É preciso, ainda, fazer estudos sobre o seu descarte no solo e os efeitos sobre plantas, porque já se sabe que os seus impactos ambientais são de longa duração.

Regulamentação em pauta

Evento na França discute produção e uso seguro de nanomateriais

O tema da regulação tem mobilizado pesquisadores e indústrias no mundo, interessados nas várias possibilidades de utilização de nanoestruturas. Nos dias 5 e 6 de novembro, por exemplo, representantes brasileiros estiveram presentes em um grande evento na Holanda, capitaneado pela Comunidade Europeia, que teve como resultado a adesão do Brasil a um dos mais importantes clusters ligado à regulação internacional da nanotecnologia. Outro evento importante, no âmbito científico, foi a NanoSafe 2014, conferência internacional sobre a produção e o uso seguro de nanomateriais, realizada entre os dias 18 e 20 de novembro em Grenoble, na França.

Na quarta edição do evento, realizado a cada dois anos desde 2008, participaram mais de 300 pesquisadores de 30 países, que apresentaram 160 comunicações orais e 86 pôsteres, além de 12 expositores, entre empresas e organizações.

"Desde a sua primeira versão, o evento procura abordar vários temas ligados à segurança dos nanomateriais em diferentes sessões", diz o professor Oswaldo Alves, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), presente ao evento, onde mostrou os resultados do projeto que coordena sobre o aumento da toxicidade de nanotubos de carbono para peixes quando em contato com o chumbo.

Entre os assuntos discutidos na NanoSafe 2014 estão novas aplicações de nanomateriais; nanotoxicologia, com estudos envolvendo trato respiratório, cérebro e pele como alvos; interações com o ambiente; liberação de nanomateriais; produção industrial e prevenção; análise de ciclo de vida; regulação e padronização, e desenvolvimento responsável. O Brasil, representado por pesquisadores de instituições como Unicamp, Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Universidade Federal do ABC (UFABC), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), apresentou 15 trabalhos. Uma das novidades mostradas por algumas empresas foram equipamentos portáteis que permitem monitorar a presença de nanopartículas em instalações industriais, construção e outros ambientes.

A regulação e a padronização dos nanomateriais são fundamentais para o desenvolvimento comercial da nanotecnologia.

"O tema foi colocado em pauta pela Comissão Europeia com base na Estratégia Europeia para as Nanotecnologias, que está apoiada no tripé segurança, integração e responsabilidade", diz Alves. Um dos blocos de construção desse trinômio passa pela padronização."O Parlamento europeu tem destacado a importância da padronização como uma maneira de acompanhar a introdução dos nanomateriais no mercado, avaliando que tal situação facilitará a implementação de uma regulação efetiva", relata.

Alguns países, como Bélgica, França e Dinamarca, têm implementado regulações sobre nanomateriais específicos."Nos Estados Unidos, a Agência de Proteção Ambiental (EPA) publicou em 2008 duas resoluções, dentro do escopo do Ato de Controle de Substâncias Tóxicas (TSCA), indicando claramente uma mudança de postura na questão da regulação da nanotecnologia no país", diz Alves.

A FDA, agência norte-americana de controle de alimentos e medicamentos, também se ocupa das aplicações da nanotecnologia na área da saúde e tem lançado consultas públicas desde 2011. Alves ressalta que, apesar de a questão da padronização da nanotecnologia estar no centro das discussões em Grenoble, essa é uma tarefa altamente complexa. "Sabemos que a própria natureza dos nanomateriais, caracterizada pela falta de homogeneidade, consiste em um obstáculo de altíssima dificuldade."

A superação dessas dificuldades, na sua avaliação, se dará com o desenvolvimento não só de novos métodos para a produção de materiais nanoestruturados, novos equipamentos, como também novos protocolos de análise e rastreabilidade. Com isso poderá ser possível chegar às validações necessárias à padronização.

(Revista Pesquisa Fapesp)