Centro de Estudos de Petróleo, parceria bem-sucedida entre
Unicamp e Petrobras, é posto avançado de P&D da empresa
Aos 20 anos de idade, o Centro de Estudos de Petróleo da Unicamp (Cepetro) comemora o fato de ser hoje um posto avançado de pesquisa, desenvolvimento e inovação da Petrobras, uma das maiores companhias do mundo no setor de petróleo e gás. A competência da Unicamp na formação de pessoas em ciência básica e engenharia — objetivo inicial da parceria — levou a empresa a tornar o Cepetro responsável também por parte das atividades de P&D da empresa, a partir de 1995. Com isso, ele transformou-se também em um laboratório remoto do Centro de Pesquisas da Petrobras (Cenpes), localizado no Rio de Janeiro. Em 2007, o Cepetro deverá receber aproximadamente US$ 7,2 milhões de investimento. A Petrobras responde por 80% dos recursos aportados e é a principal contratante de projetos.
O Cepetro estabelece uma média de 80 convênios de pesquisa anualmente. As fontes de recurso são a própria Petrobras, o Fundo Setorial do Petróleo e Gás Natural (CT-Petro), operado pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) para trabalhos em parceria com empresas, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Agência Nacional do Petróleo (ANP) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). O Cepetro e a Petrobras trabalham por meio de convênios de cooperação técnico-científica. A governança do centro é feita por dois diretores, um conselho consultivo formado por dez pessoas e pelo conselho científico, com 15 integrantes, em que têm assento a Unicamp, a Petrobras e a ANP. Esse conselho aprova os programas científicos e tecnológicos e a orientação estratégica do Cepetro.
Em 2004, a Petrobras instalou o Labpetro dentro do campus da universidade, em Campinas (SP), onde três experimentos da empresa são realizados hoje. Apenas para os próximos três anos a empresa estima investir R$ 2,5 milhões no laboratório. Em 2005, o Cepetro contou com cerca de US$ 1,5 milhão para pesquisa; no ano passado, a verba saltou para aproximadamente US$ 5,1 milhões. O aumento explica-se pelos projetos das Redes de Tecnologia da Petrobras — 38 redes temáticas de pesquisa que agrupam várias instituições e disciplinas em projetos de P&D aliados à atividade de ensino e de interesse da empresa. O Cepetro passou a integrar 19 delas em 2006.
Além do Labpetro, o centro conta com mais 18 laboratórios e três bibliotecas. No balanço de suas atividades, o Cepetro contabiliza 38 prêmios, 20 teses de doutorado, 319 dissertações de mestrado, 250 geólogos e engenheiros formados. Estão em andamento 80 projetos de pesquisa no Cepetro, cujas atividades estão centradas em ensino, pesquisa e desenvolvimento voltados para exploração de óleos pesados e extração em águas profundas, uma característica da indústria petrolífera brasileira.
Centro interliga grupos de pesquisa
O Cepetro é um centro multidisciplinar que gerencia, apóia e interliga grupos de pesquisa. Forma mestres e doutores e tem atividades também na graduação, apoiando disciplinas como Engenharia do Petróleo, oferecida pela Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM); e Geologia do Petróleo, do Instituto de Geociências (IG), além de atuar nos cursos de extensão de Engenharia do Gás Natural e de Regulação no Setor de Petróleo. Apesar de o Cepetro ter sido fundado pela empresa, ele não atua somente para a Petrobras. Nem mesmo o Labpetro, construído pela empresa, é de uso exclusivo da petrolífera brasileira.
As atividades de P&D começaram no Cepetro em 1995. Até esse momento, o centro atuava basicamente na formação de recursos humanos, até hoje ponto fundamental da sua existência. "Não adianta termos softwares sofisticados se não houver gente competente para operá-los", afirma Saul Suslick, diretor do Cepetro. O centro tem como papel promover a integração entre as atividades de ensino e pesquisa, realizadas por 59 docentes e pesquisadores da Unicamp, e os 84 pesquisadores externos associados à entidade. Dos cientistas que não são da Unicamp, a maioria é da Petrobras, mas há também pesquisadores do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT), da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e de outras entidades.
A partir de 1996, a Petrobras passou a contratar menos pessoas, o que abriu espaço para a ampliação das atividades de P&D no Cepetro. Contudo, Suslick prevê um novo ciclo de formação de profissionais para os próximos dez anos, por conta de um aumento da demanda por recursos humanos. "Esse ciclo será mais simples do que o inicial; a execução será mais fácil, por causa da experiência acumulada pelo Cepetro", afirma. A busca por profissionais está aquecida: cerca de 30 alunos de pós-graduação do Cepetro não terminaram seus cursos porque conseguiram um emprego. Os salários, segundo Suslick, são compensadores.
Além disso, a Petrobras reposicionou-se no mercado ao se colocar como empresa de energia, dada a importância dos combustíveis vindos de fontes renováveis por conta das questões climáticas, mas seu negócio principal ainda é o petróleo. "Temos a mistura dos combustíveis verdes ao petróleo, a busca por motores mais eficientes, por menores emissões. Mas, mesmo com a questão climática em curso, o petróleo ainda será um importante elemento da matriz energética do mundo no século XXI", diz o diretor do Cepetro. Para ele, hoje o quadro é de incerteza sobre como vai ser essa matriz. "Viveremos um longo e lento período de transição, onde teremos grande aumento da demanda por energia; o petróleo continuará preponderante e conviverá com outras fontes", completa.
Linhas de atuação em P&D de hoje e do futuro
O Cepetro atua em pesquisa e desenvolvimento de tecnologias e processos voltados para as características do petróleo brasileiro. São óleos extraídos de águas profundas, densos e viscosos, acompanhados de muitos detritos do fundo oceânico quando retirados do mar. "Como produzir petróleo de maneira econômica nessas condições é o grande desafio no Cepetro", afirma. Os grupos de pesquisa do Cepetro dedicam-se a linhas de pesquisa sobre exploração e produção de petróleo, análise de bacias sedimentares, economia dos recursos minerais, engenharia de poços, geofísica computacional, produção de óleo e gás, reservatórios, sistemas marítimos de produção e poços submarinos de petróleo.
O diretor do Cepetro dá alguns exemplos práticos de trabalho dentro desses grupos. No assunto reservatórios, por exemplo, os pesquisadores trabalham com gerenciamento, simulações e configuração de poços. Buscam novas tecnologias para a exploração de campos maduros, para os quais o pico de produção já passou. Para os padrões de empresas maiores que a Petrobras, essas são reservas consideradas economicamente esgotadas, mas que ainda têm potencial de produção.
Em geofísica, os pesquisadores do Cepetro estudam a aquisição, o processamento e a interpretação de dados da área sísmica. "Hoje temos muitos dados levantados por tecnologias antigas e que custaram dinheiro para ser desenvolvidas e utilizadas. Não podemos jogar essas informações fora, então temos pessoas trabalhando nisso, em gerar novos algoritmos e softwares que aproveitem esses dados e forneçam novas informações", explica. Um exemplo é o uso de dados fornecidos em duas dimensões (2D) em análises que usam três dimensões (3D). Já existem projetos que trabalham em 4D, pois incorporam a dimensão tempo às já usadas altura, largura e profundidade.
Em engenharia de poços, uma das partes mais críticas é a perfuração, especialmente porque a exploração em profundidades cada vez maiores é feita em alvos mais complexos. Um desses alvos é a região de subsal, estrutura situada abaixo de corpos de sal na subsuperfície, que pode apresentar importantes reservas de petróleo. Essas áreas, quando forem exploradas, exigirão métodos de perfuração sofisticados. Uma das várias dificuldades de extração de petróleo do subsal é o fato de o sal ser uma rocha que se dissolve ao se fazer pressão, parando a máquina de perfuração.
O Labpetro
De 2004 até 2007, a Petrobras investiu R$ 2,5 milhões apenas no Labpetro — R$ 1,2 milhão na estrutura física e R$ 1,3 milhão em equipamentos e instalações. Trata-se de uma estrutura de 60 metros de comprimento por 12 metros de altura, medida que pode ser expandida para até 15 metros, pois o teto é habitável. Por fora, parece uma caixa-forte, por conta de seu revestimento, que segue os padrões industriais. O Labpetro foi montado de forma a permitir a instalação de vários experimentos. Para isso, há vários espaços preparados, com pontos de energia e de ligação com a rede de informática. Há inclinações especialmente calculadas para direcionar os líquidos que eventualmente caiam durante os experimentos para as calhas coletoras construídas ao longo do pavimento térreo. Essas calhas, por sua vez, estão ligadas a um reservatório com caixa separadora externa, para facilitar a limpeza em caso de vazamentos de óleo ou outros produtos.
O laboratório pode ser usado também para experimentos feitos por outras empresas que não a Petrobras. Atualmente, quatro experimentos focados no estudo do escoamento de óleo e gás são executados no Labpetro, cuja equipe fixa conta com os professores Antônio Carlos Bannwart e Fernando França, a engenheira mecatrônica Natache Arrifano Sassim e Luiz Valdir Gandolf, que é técnico de laboratório. Natache, já doutora, foi quem apresentou a Inovação o laboratório e explicou os experimentos que estavam em execução na instalação no dia da visita, 25 de maio. Os dois maiores, o "Bombeio Centrífugo Submerso (BSC)" e os estudos relacionados ao sistema core flow são os experimentos que motivaram a Petrobras a criar o Labpetro em parceria com a Unicamp.
O primeiro, "Bombeio Centrífugo Submerso", conta com a parceria da empresa alemã Schlumberger, fabricante das bombas instaladas no fundo dos poços e responsáveis pelo bombeio do óleo pesado, que é de alta viscosidade. A Schulumberger é fornecedora da empresa brasileira. O objetivo do BSC é fazer uma avaliação de bombas, que foram doadas pela firma alemã, para verificar o desempenho dos equipamentos frente a diversos graus de viscosidade de fluidos.
Nos ensaios feitos no BSC, os pesquisadores usam água para os testes. "Variamos a temperatura para fazer o ensaio, conseguindo assim testar várias viscosidades. Quanto mais baixa temperatura, menor a viscosidade", explica ela. Um aluno da Petrobras defendeu tese de mestrado sobre esse estudo no começo deste ano. Agora os professores procuram novos alunos para dar continuidade ao trabalho. "Vamos desenvolver esse mesmo estudo numa unidade experimental instalada no Cenpes [o Centro de Pesquisa da Petrobras, situado no Rio de Janeiro]", conta.
O core flow é um sistema de bombeio de óleo e de água. Dentro das tubulações forma-se uma camada de água e o óleo é transportado no interior dessa camada. "A nossa planta de trabalho é quase igual à escala real. Queremos saber o que ocorre com esse escoamento quando ele se dá no plano horizontal, vertical, quando passa por válvulas, por curvas, para entender as perdas desse sistema quando estamos trazendo o óleo para a superfície", esclarece Natache. Como o petróleo brasileiro é muito pesado, tem a tendência de depositar-se nas tubulações, causando problemas para manutenção.
Para estudos de transporte de gás, o Labpetro montou uma torre para simulação do chamado escoamento bifásico, quando se transporta água e ar em uma mesma tubulação. Durante esse transporte, formam-se bolhas de ar. "O objetivo dos pesquisadores neste projeto é estudar o padrão dessas bolhas no escoamento, entender como elas se formam", diz ela. É feito também um experimento com ultra-som que visa a detectar a quantidade de ar presente na tubulação em escoamento.
Por meio de um aparato de válvulas, os pesquisadores controlam qual proporção do gás querem enviar para a tubulação junto com a água. Com isso, podem estudar vários padrões de bolha dentro de um escoamento e identificar a quantidade de ar presente na tubulação, o que é chamado de fração de vazio. Também avaliam como funcionam as técnicas de medição. "O ar dentro das tubulações interfere muito na instrumentação. Na prática, na extração, temos o óleo com gás, então o experimento reflete essa condição", destaca. Os pesquisadores podem, inclusive, filmar essas bolhas para observar seu comportamento dentro das tubulações.
Por que as bolhas e a precisão na medição da fração de vazio são tão importantes? Primeiro, porque a presença de muito gás reduz o desempenho do equipamento. Como as bolhas tendem a se concentrar em determinadas áreas, provocam variações na pressão dentro da tubulação e influenciam a quantidade de óleo tirado das rochas do fundo do mar. São instalados medidores em campo para ver quanto está passando de óleo e de gás pela tubulação. "Esses medidores, por sua vez, não podem ser mudados da noite para o dia, daí ser necessário verificar a precisão de seus dados. Se estou medindo mais ar do que óleo, por exemplo, estou tendo prejuízo. Não posso encher os barris de petróleo de ar", exemplifica. Como são tubulações embaixo do mar ou em ambientes muito hostis, essas medições não podem ser feitas por seres humanos.
Um estudo que não está com a estação de experimento montada no dia da visita, mas que é feito constantemente no laboratório, refere-se à tubulação riser, encontrada nos campos de exploração de petróleo. Nele, estudam-se os padrões de escoamento de gás e a presença de ar e água no riser. A tubulação é colocada em alturas variadas. Parte de cerca de 20 metros na horizontal e sobe para 12 metros.
Os resultados das pesquisas do Labpetro são divulgados em congressos, papers, revistas científicas etc, respeitando eventuais acordos de sigilo com a Petrobras, relacionados a informações muito estratégicas.
A parceria com Petrobras e propriedade intelectual
Nas parcerias em P&D com a academia, a Petrobras está exigindo a exclusividade na titularidade das patentes. "É uma área de grande risco; ela só abriria mão da titularidade em casos de pesquisas que contem com contrapartida", conta Suslick. Para o Cepetro, esse não é um problema. "Nunca tivemos problemas, em 20 anos de parceria. A gente discute junto com a empresa e com a Inova [Agência de Inovação da Unicamp] como serão divididos os resultados", afirma. Para ele, a solução mais provável é fazer o registro da propriedade em nome da Petrobras e delimitar um porcentual como royalty para a universidade, de forma a remunerá-la por ter feito parte do esforço em P&D.