A insegurança alimentar contribuiu para que crianças apresentassem sintomas da covid-19 no Brasil, segundo um estudo realizado por investigadores brasileiros com a população da Amazónia divulgado hoje pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Marly Augusto Cardoso, coordenadora da investigação científica 'MINA -- Materno-Infantil no Acre: coorte de nascimentos da Amazónia ocidental brasileira', frisou que "entre as crianças com evidências sorológicas de infeção anterior por SARS-CoV-2, aquelas cujos domicílios passaram fome no mês anterior às entrevistas apresentaram chance de ter covid-19 76% maior quando comparadas com crianças que não tinham sido expostas à insegurança alimentar".
A investigação científica, que também foi publicada na revista científica 'PLOS Neglected Tropical Diseases', informou que em duas ocasiões, primeiro em janeiro e depois em junho e julho de 2021, foram realizados testes de anticorpos para o SARS-CoV-2 em 660 das 1.246 crianças nascidas em 2015 ou 2016 acompanhadas na cidade de Cruzeiro do Sul, no estado do Acre, além de entrevistas com as mães ou cuidadores.
Os investigadores perguntaram sobre a presença de sintomas da covid-19 nas crianças e aplicaram um questionário que definiu ainda ocorrência de insegurança alimentar domiciliar, que indica se a família havia passado fome no mês anterior.
Segundo dados divulgados pela Fapesp, mais da metade dos domicílios dos participantes (54%) foi caracterizada em estado de insegurança alimentar, grupo no qual 9,3% reportaram sintomas de covid-19 face a 4,9% de crianças cujas famílias não relataram insegurança alimentar.
Assim, a vulnerabilidade das crianças com insegurança alimentar foi 76% maior nesse grupo em que foi detetada a manifestação clínica da infeção por coronavírus.
A maior ocorrência de infeção mostrou relação ainda com piores condições de moradia, além de menor escolaridade e cor da pele das mães, a maioria não branca.
No total, 297 crianças (45%) tiveram anticorpos para SARS-CoV-2 detetados. Dessas, apenas 11 (3,7%) haviam realizado testes para confirmação da covid-19 antes do estudo e 48 (16,2%) tiveram sintomas como tosse, dificuldades respiratórias e perda de olfato e paladar. Entre as mais pobres, a presença de sintomas foi maior.
"Existem estudos mostrando que o 'status' socioeconómico e a nutrição influenciam uma maior ocorrência de doenças infecciosas. Não há dados suficientes ainda para a covid-19, mas tanto no nosso estudo como em investigações realizadas em outros países há evidência de que essa correlação também existe", frisou Marly Augusto Cardoso.
A investigação científica descobriu que a maioria das crianças infetadas teve parentes com quadros de covid-19, principalmente as mães.
Uma limitação do estudo foi o facto de os participantes viverem na área urbana ou em áreas rurais acessíveis. Os investigadores admitiram que em localidades mais distantes, com menos acesso a serviços de saúde, é possível que a situação seja ainda pior.
"Na área rural distante é difícil continuar o acompanhamento e perdemos o contacto com muitos dos participantes. Isso ocorre também com os mais pobres, mais difíceis de serem localizados porque mudam muito de endereço e mesmo de região. Perdemos contato com mais de 300 crianças ao longo de cinco anos de acompanhamento", concluiu a coordenadora do estudo.
O Brasil é o país lusófono mais afetado pela pandemia e um dos mais atingidos no mundo ao contabilizar 675.518 vítimas mortais e mais de 33,3 milhões de casos confirmados de covid-19.
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