Fundamentais para proteger ferimentos contra indesejáveis processos inflamatórios e ajudar na cicatrização da pele, os curativos há muito são objeto de estudo da ciência no Brasil. As pesquisas caminham para o desenvolvimento de tipos mais eficazes e economicamente viáveis, tendo como ponto de partida matérias-primas facilmente encontradas por aqui, como o açaí e a cana-de-açúcar.
Largamente consumido pelos brasileiros por causa de seus benefícios nutricionais, o açaí vem sendo testado nos laboratórios do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), instituto vinculado à Universidade de São Paulo (USP).
De acordo com a pesquisadora Ana Carolina Ribeiro, o óleo de açaí, fruto de cor roxa típico da região amazônica, tem alto poder regenerativo e vem sendo utilizado para o desenvolvimento de curativos de polivinilpirrolidona-(PVP), que facilitam a cicatrização e a hidratação de peles com ferimentos e queimaduras.
De acordo com ela, o curativo de PVP já é muito usado em países como Japão e Estados Unidos por não grudar na ferida, já que tem consistência gelatinosa, e por permitir a troca de oxigênio entre a área lesionada e o ambiente externo, o que é fundamental para evitar infecções.
No entanto, nenhum dos tipos usados até o momento possui algum tipo de aditivo capaz de acelerar o processo de recuperação da pele. Daí veio a idéia de melhorar o dispositivo, também conhecido como hidrogel, por ser rico em água, e unir à da fruta.
O açaí foi escolhido para ser adicionado ao curativo de hidrogel porque é rico em ácidos graxos como ômega 3,6 e 9, com ação bactericida e responsáveis por estimular a regeneração e a hidratação da pele. Além disso, frisa a pesquisadora, promovem a multiplicação das células saudáveis e auxiliam na limpeza da área atingida (debridamento) "Esses ácidos graxos são essenciais, o que quer dizer que o organismo precisa obtê-los por meio da alimentação ou por meio de aplicação, que é o caso do curativo", explicou Ana Carolina Ribeiro.
Outro benefício é a ação antioxidante ao açaí, devido ao alto teor de antocianina, substância que dá a cor arroxeada. "É a mesma substância presente na uva e, por isso, uma taça de vinho por dia faz bem. O açaí tem esse poder muito mais acentuado", defende a pesquisadora.
Além da antocianina, a fruta contém elevadas quantidades de vitamina E, zinco e vitaminas do complexo B, importantes para a pele, e que ainda conferem à fruta as propriedades energéticas já muito conhecidas.
O principal desafio, segundo a pesquisadora, foi misturar o óleo à água presente no curativo. "Quando se faz esse curativo, ele fica gelatinoso, como um gel de cabelo. Ficou difícil in corporar o óleo ao hidrogel depois de pronto, por isso tivemos que usar a radiação nuclear, chamada de gama, que deixa o óleo preso ao curativo", disse.
O curativo está em testes de compatibilidade com a pele. "O efeito dura 24 horas, tempo que o óleo leva para ser totalmente liberado. Dessa forma, o curativo não precisa ser trocado de seis em seis horas, por exemplo, e há a possibilidade de aplicar máscaras de todos os tamanhos", comemora a pesquisadora.
"Tecido inteligente"
Em outra frente de pesquisa, um dos mais abundantes resíduos da indústria sucroal-cooleira é a matéria-prima.
A pesquisadora Silgia da Costa, doutora em Engenharia Têxtil e Moda da Universidade de São Paulo, trabalhou em parceria com a irmã, Sirlene da Costa, do Centro de Têxteis Técnicos e Manufaturados do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), para chegar a um tecido à base de celulose da cana-de-açúcar.
Antes de virar tecido e ser aplicada em tratamentos contra queimaduras e feridas bucais, por exemplo, a fibra é processada. A ela é acrescida a quitina, polissa-carídeo encontrado na carapaça de siris, caranguejos e outros crustáceos.
Ao unir as áreas farmacêutica e de engenharia de tecidos, o projeto deu origem a uma fibra híbrida, que une o conforto e a resistência da celulose extraída do bagaço e da palha da cana às propriedades medicinais da quitosana, substância derivada da quitina e que tem propriedades fungicidas, bactericidas, cicatrizantes e antialérgicas.
A fibra, de acordo com a Agência Fapesp, serviço da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, permite chegar a um "tecido inteligente" e de uso medicinal, que dá origem a peças de roupas e bandagens. O trabalho foi patenteado pela Agência USP de Inovação.
A fibra ainda está em fase de testes. Além da quitosana, foram realizados experimentos para associação de fármacos comerciais à novidade, como anfotericina B e sulfadiazina e as enzimas bromelina e lisozima. O objetivo é eliminar vestígios dos reagentes utilizados no processo de obtenção da celulose.
Plasma e plaquetas, derivados do sangue, são matérias-primas fartas
Na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), pesquisadores desenvolvem uma nova linha de biocurativos à base de plasma e plaquetas. Apromessa é a de que a inovação permitirá tratar, em questão de meses, feridas que incomodam pacientes há anos.
Apesquisa é comandada pela médica Elenice Deffune, professora de hematologia da Faculdade de Medicina da Unesp de Botucatu. No sangue humano, ela encontrou elementos necessários para desenvolver três novos produtos terapêuticos, testados em pelo menos 2 mil pacientes e já em processo de patenteamento, conforme divulgado na revista científica da instituição (ww w.unesp .br / revista).
Os medicamentos, denominados biof ibrin, gel de plaquetas e gel mix, desti nam-se a tratai" feridas de pele de difícil tratamento. Em caráter experimental, todos já foram ministrados a pacientes de Botucatu e Brotas, no interior de São Paulo, e também de Uberaba (MG).
As pesquisas começaram em 2001. Na época, Elenice já dirigia o He-mocentro do Hospital de Clínicas de Botucatu e acompanhava o descarte rotineiro de plasma e plaquetas, material biológico nobre usado em transfusões de sangue específicas, como em tratamentos contra o câncer, mas que tem data de validade reduzida.
O curativo bioativo interage com apele criando condições semelhantes ao processo de cicatrização fisiológico. A principal função do produto é estimular o organismo a conter o crescimento da ferida.